Reforma Política: Entenda o que seria o “semidistritão” e o que querem os deputados que o apoiam

A inclusão de uma lógica do atual sistema proporcional em um modelo personalista pode ajudar candidatos que não conquistaram votos suficientes a vencerem competidores de partidos menores

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A falta de acordo entre os deputados impediu que as propostas aprovadas em uma das comissões especiais para a reforma política avançassem em plenário na noite da última quarta-feira. Em consequência a um possível fracasso do sistema “distritão”, no qual são eleitos os deputados federais e estaduais e vereadores mais votados na região, os parlamentares passaram a negociar alternativas. Numa tentativa de responder às críticas de que o modelo proposto reduziria drasticamente a importância dos partidos em detrimento ao individualismo, passou a ser ventilada uma espécie de “semidistritão”, pelo qual também seria possível o registro de votos em legenda, o que poderia atrair apoio decisivo de membros de grandes partidos antes resistentes à medida, que precisa de 308 votos para ser aprovada na casa.

A ideia seria distribuir entre os candidatos de um partido em determinada região os votos conferidos à legenda — aqueles que o eleitor não destina a figuras específicas, mas uma sigla. Ou seja, cada voto registrado em um partido resultaria em uma fração adicional a todos os seus representantes naquela disputa. Na avaliação de estudiosos de sistemas eleitorais, trata-se de uma estratégia dos entusiastas do “distritão” de angariar apoio de opositores ao modelo em partidos como o PSDB — que, apesar de dividido, tem aceitado negociar desde que seja costurada uma transição para a implementação do sistema distrital misto a partir de 2022 –, o DEM ou até mesmo o PT. A inclusão de uma lógica do atual sistema proporcional em um modelo personalista pode ajudar candidatos que não conquistaram votos suficientes a vencerem competidores de partidos menores, que não tendem a obter uma expressiva margem de votos na legenda.

[As negociações em torno de um modelo ‘semidistritão’] mostram o desespero dos deputados em conseguir aprovar uma regra que os beneficia. Discutiu-se por tantos anos a reforma política e eles surgem com solução de última hora, em uma verdadeira jabuticaba”, observa o cientista político Jairo Pimentel, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Se o modelo “distritão” é adotado em um punhado de países do mundo, como o Afeganistão e a Jordânia, o “semidistriral” seria invenção 100% brasileira. “O que mais surpreende é inventarem de última hora, visto que passamos por um processo muito longo de discussão ao longo dos anos. É tudo improvisado. Uma reforma séria não deve sair”, critica.

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“Trata-se da incorporação da ideia de que o partido tem alguma relevância dentro do processo eleitoral, e agrada aqueles que se sentiriam prejudicados em um sistema que privilegia os personagens. Quem tem mais votos ganha um a mais. Não tende a provocar grandes alterações no resultado no que tange ao personalismo, a manutenção de status quo e do fechamento de possibilidades de renovação”, explica Pimentel. O cientista político vislumbra nas atuais discussões de alteração no sistema eleitoral uma estratégia dos atuais parlamentares em se reelegerem, impedindo o risco oferecido por potenciais novos candidatos.

Pelo “distritão”, os partidos tendem a reduzir o cardápio de candidatos e concentrar os esforços em alguns nomes, que também deverão receber o maior volume de recursos. Com a falta de democracia interna nas legendas, os caciques que controlam o processo decisório interno tendem a se beneficiar, sobretudo em um cenário de proibição do financiamento empresarial de campanha. Na prática, seria um avanço da oligarquização da política brasileira, com o triunfo dos políticos tradicionais, celebridades e líderes religiosos.

Segundo Pimentel, a ideia do “distritão” — ou de sua variação potencialmente mais palatável entre os parlamentares — seria “fazer com que a população engula por mais quatro anos a atual bancada no Congresso”. O professor lembra que, no início da discussão e até mesmo no relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP), a ideia era lançar o sistema eleitoral de listas fechadas, nas quais os votos seriam dados aos partidos, responsáveis por apresentar previamente uma relação ordenada de seus candidatos. A medida foi amplamente criticada por ser entendida como uma manobra para reeleger candidatos que não obteriam êxito em um novo pleito, tendo em vista os desdobramentos de investigações como a operação Lava Jato. Coincidentemente, o mesmo efeito tem sido observado com as propostas de se aprovar o distritão. Duas propostas diametralmente opostas — uma, que fortalece os partidos, e outra, o personalismo — teriam sido usadas em um curto intervalo para o mesmo propósito de sobrevivência pelos parlamentares.

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“O que os deputados estão buscando é uma forma de se blindar. É natural que eles sempre busquem se reeleger, mas neste momento tentam, mais do que nunca, se blindar. Eles querem ser reeleitos com o menor risco possível”, analisa Pimentel. Em meio ao interminável debate sobre qual seria o sistema eleitoral que melhor equilibrasse as questões de representatividade, financiamento, accountability e reforço aos partidos, uma das conclusões que se chega é que pouco tem sido tratada pelos parlamntares a falta de democracia interna nos partidos — fator de ampla importância para que se tenha um modelo que funcione.

*O professor Jairo Pimentel estará na sexta-feira (18) ao vivo na InfoMoneyTV, a partir das 15h, para tratar deste e muitos outros assuntos que marcaram a semana na política nacional. Também estarão presentes no programa os analistas políticos Paulo Gama e Richard Back, da XP Investimentos.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.