Não existe nenhum candidato com maior compromisso fiscal do que Ciro Gomes, diz Mauro Benevides

Em entrevista ao InfoMoney, assessor econômico de Ciro faz aceno ao mercado com agenda de reformas e prega diálogo de olho em apoio do "centrão"

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O Brasil tem um encontro marcado com o ajuste das contas públicas no próximo governo, que passa necessariamente por uma restruturação do regressivo sistema tributário vigente, pela transição de um regime previdenciário para um modelo misto de capitalização e a redução de despesas obrigatórias de pessoal e custeio. Essa é a mensagem que tenta passar Mauro Benevides Filho, um dos principais assessores econômicos do pré-candidato à presidência Ciro Gomes (PDT), aos eleitores, agentes econômicos e potenciais aliados. O economista foi o convidado do programa InfoMoney Entrevista desta semana.

Em contraste com o discurso em defesa do ajuste fiscal, o nome de Ciro ainda enfrenta o ceticismo de parcela expressiva do mercado financeiro. Segundo sondagem feita pela XP Investimentos com investidores institucionais que respondem por cerca de 50% dos recursos sob gestão no setor no País, há uma majoritária expectativa por dólar e juros mais altos e Ibovespa em queda caso o pedetista seja o escolhido pelos brasileiros para suceder Michel Temer no Palácio do Planalto. Para Benevides, um ruído de comunicação que se dissipará com o tempo.

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“Acho que isso vem sistematicamente sendo diminuindo. E as pessoas não conheciam esse rigor fiscal que Ciro sempre empreendeu como gestor. Não existe nenhum ato em sua história que levasse o mercado ou quem quer que seja a imaginar que ele não tivesse esse compromisso”, afirmou o economista na entrevista realizada na manhã de terça-feira (17). “Para quem conhece Ciro, quando era governador do estado, ele resgatou toda a dívida mobiliária de seu estado. Não existe nenhuma candidatura com maior compromisso fiscal”.

Para Benevides, a crise brasileira carrega elementos tanto fiscais, que culminaram em uma erosão na confiança dos investidores, quanto de desalavancagem do setor privado, com uma significativa expansão da inadimplência de famílias e empresas no País. Ele argumenta que a solução depende de uma reorganização das contas públicas, a partir de uma nova estrutura tributária, que onere menos consumo e produção e mais elevados rendimentos e heranças; de cortes de despesas de pessoal e custeio; e de uma reforma previdenciária que introduza o regime de capitalização de contas individuais para aposentadorias superiores a um teto a ser estabelecido. Tais alterações, diz o professor, seriam fundamentais para a retomada de investimentos públicos e privados no País.

Na avaliação do assessor econômico de Ciro Gomes, a gestão Michel Temer promoveu um corte deliberado nos investimentos públicos e, ao contrário do que pretendia pela emenda do teto de gastos, não foi capaz de conter a evolução das despesas públicas. Para ele, seria o momento para ser discutida uma nova fórmula de controle dos gastos. “A população brasileira precisa ser alertada que esse teto de gastos não está controlando gasto nenhum. Pessoal e Previdência, que são os dois maiores gastos do governo federal, estão aumentando. E como ainda está se mantendo dentro do teto? Estão fazendo o maior corte de investimentos da história brasileira. Temos que ver a questão de pessoal e todo o redesenho da estrutura previdenciária brasileira”, afirmou.

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Formado em Economia pela UnB (Universidade de Brasília) e Ph.D pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, Mauro Benevides Filho comandou a secretaria da Fazenda do Ceará por 12 anos. Apontado como braço direito do pré-candidato pedetista na seara econômica, participou da coordenação do programa da campanha presidencial de Ciro Gomes em 2002 (saiba mais sobre ele aqui).

Nos últimos dias, Benevides Filho recebeu a missão de sentar à mesa com os conselheiros econômicos do “centrão”, grupo formado por DEM, PP, PRB e Solidariedade, com o qual Ciro busca aliança. Para isso, assumiu discurso conciliador, admitindo a possibilidade de discutir alguns pontos da agenda econômica da campanha. Confira os destaques da entrevista (assista à íntegra pelo vídeo no início deste texto):

InfoMoney – A reforma tributária é ponto muito citado pelos presidenciáveis e um dos pilares da agenda de Ciro Gomes. Há consenso em torno do combate a privilégios, mas, até hoje, o problema persiste, com poucas ações efetivas neste sentido. Como Ciro, eventualmente eleito, terá força para promover uma reforma que seja progressiva?

Mauro Benevides – A carga tributária, hoje muito elevada no Brasil, precisa ser melhor distribuída. O imposto sobre consumo é muito grande, representa R$ 1,15 trilhão dos R$ 2 trilhões da arrecadação. Ou seja, as pessoas menos favorecidas pagam essa carga bastante pesada, e os impostos mais elevados (aos grupos com maior poder aquisitivo) não são bem feitos. A primeira proposta é diminuir impostos na produção e no consumo; outra é criar um imposto na distribuição de lucros e dividendos, que somente o Brasil e Estônia não cobram. Só esse imposto pode gerar ao Brasil R$ 50 bilhões da camada de cima, que pode proporcionar uma diminuição de ICMS, IPI…

IM – Seria uma cobrança proporcional à atual tabela do IR?

MB – Sobretudo nas grandes distribuições de lucros e dividendos. Esse é o conceito. Quer ver outro? Imposto sobre heranças e doações. Não é imposto sobre grandes fortunas, que muitas vezes é confundida pela população brasileira. Vários de nossos colegas da equipe viajaram pelo mundo atrás dessas informações. Fomos encontrar exatamente nos Estados Unidos, que é o exemplo do capitalismo mundial. Lá, a alíquota mínima de herança e doação é 24%, tem alíquota de 43%. Eu sei que há uma contra-crítica que diz que há isenção, na de 43%, de US$ 5 milhões. Tudo bem, mas precisamos pensar. Hoje, no Brasil, a alíquota máxima é de 8%. Dos 27 estados brasileiros, 23 cobram 4%.

IM – A proposta seria uma unificação da alíquota nos estados?

MB – Exatamente. Para as grandes heranças. Não estou falando de classe média, de classe menos favorecida, mas de grandes heranças, dos muito muito ricos. Tudo isso adiciona receita ao processo, gera mais igualdade no sistema tributário brasileiro. Essa compensação [para redução de impostos sobre produção e consumo] faz um plus de receita, tanto aos governos estaduais, como ao governo federal.

Quer ver outra questão importante? Desonerações. O Brasil tem hoje R$ 300 bilhões de desonerações. Se a população brasileira der oportunidade ao presidente Ciro, a ideia é propor um corte de 15% destes R$ 300 bilhões, e, ao entrar no governo, analisar o efeito macroeconômico de cada uma delas, para saber se isso se estende mais um pouco, se diminui o que já foi feito, se elimina na totalidade. Isso dá um potencial de receita de R$ 45 bilhões.

IM – O programa de Ciro Gomes também trata da importância do investimento público para determinados setores e a retomada da economia. Eles estão contemplados nesta perspectiva fiscal? Muitos candidatos alegam que o Estado não tem condições hoje de arcar com esses recursos. Como a conta fecha no projeto de Ciro?

MB – Vamos contextualizar essa questão. O professor Manuel Pires acaba de divulgar um estudo que mostra que, de 1947 a 2017, o último foi o ano em que o setor público teve o menor investimento da série histórica, agora agravado pela emenda constitucional do teto dos gastos, que disseram que ia controlar gastos e é a maior falácia. A população brasileira precisa ser alertada que esse teto de gastos não está controlando gasto nenhum. Pessoal e Previdência, que são os dois maiores gastos do governo federal, estão aumentando. E como ainda está se mantendo dentro do teto? Estão fazendo o maior corte de investimentos da história brasileira. Precisamos controlar custeio, vamos propor cortar no mínimo 10%, o que vai dar mais cerca de R$ 12 bilhões de receita. Temos que ver a questão de pessoal e todo o redesenho da estrutura previdenciária brasileira. Somos a única candidatura que tem uma proposta pronta, que deve ser anunciada até 30 de julho.

Vai ser proposto um sistema multipilar, com alicerce social, no qual quem precisa vai ter um salário mínimo, inclusive separando da estrutura previdenciária; depois, um sistema de repartição, menor, com uma recalibragem para nível abaixo do atual teto de R$ 5.600. O valor não está definido, mas temos um simulador pronto. Para o Regime Próprio, nossa equipe baixou 840 mil servidores do Portal da Transferência, seus salários e data de entrada no serviço público. Isso ajuda a calcular déficit implícito e explícito, o custo de transição, que todo mundo diz ser muito elevado, mas, engraçado, ninguém diz quanto é. Nós vamos anunciar não somente o valor, mas a forma como fazer [a reforma].

Portanto, um pilar social, outro de repartição, e, quem desejar, um pilar no modelo de capitalização de contas individuais, mas diferente do Chile. Lá, a capitalização ficou muito baixa, porque só entrou para o cálculo da aposentadoria a contribuição pessoal, sem patronal. Como em outros países do mundo, vamos fazer esse bolo gerenciado com as duas contribuições, o que pode lhe proporcionar uma aposentadoria talvez maior do que a que seria obtida no regime de repartição, com uma diferença: no regime de capitalização, por definição, o déficit será zero no longo prazo.

IM – O senhor poderia dar uma estimativa do custo de transição?

MB – O único número que podemos falar agora… Outros colegas fizeram uma parte deste trabalho para checar conosco. No Regime Geral de Previdência, Fábio Giambiagi calculou um déficit de 0,19% do PIB, o que dá cerca de R$ 13 ou 14 bilhões, que é uma greve dos caminhoneiros.

IM – O Regime Próprio tende a ser menor?

MB – Não. Acredito que tenda a ser maior, porque as grandes aposentadorias estão no Regime Próprio. Isso envolve não somente o governo federal, mas os estados e municípios. Hoje, três dos quatro estados mais ricos do país não têm dinheiro para investimento, não pagam seus fornecedores e estão pagando servidores parceladamente.

O que interessa também, e é necessário esclarecer àqueles que são da área, é que essa solução não se apresenta somente por corrigir um problema de atuário ou fiscal. Ele tem outro fator macroeconômico, que é gerar poupança adicional à economia brasileira, que vai permitir ao sistema financeiro financiar investimentos de médio e longo prazos que não tem hoje. O sistema bancário brasileiro não vai captar um CDB de 6 meses para emprestar por 10 anos, eles não gostam de fazer isso descasado. Portanto, gerar-se-á um potencial para a formação bruta de capital, para ter investimentos no país, que hoje não temos.

Regime de repartição está fadado ao insucesso por uma razão básica: a taxa de natalidade cai sistematicamente ao mesmo tempo em que a expectativa de vida da população brasileira cresce. Portanto, cada vez temos menos ativos para pagar os inativos. Não precisa ser doutor em atuário ou economia para compreender que ou se resolve esse problema agora ou o Brasil terá que fazer sistematicamente correção no sistema de repartição.

IM – O senhor disse que a primeira faixa seria retirada do escopo da Previdência Social, já que se trata de uma política social. Como funcionaria a distribuição dos recursos para este grupo? Haveria uma unificação de BPC, previdência rural e outros programas?

MB – Todos os trabalhadores que não atingem o perfil de rendimento, independentemente de contribuição, terão benefício de um salário mínimo. Este será o pilar de assistência social. Temos que chamar por este nome para poder separar o que é assistência social do que é Previdência no Brasil, porque o capítulo da Constituição que trata do orçamento da Seguridade Social coloca isso tudo em um bolo só, o que tem gerado muita confusão no entendimento das pessoas.

Depois, você vai tratar o pilar de repartição, que é o sistema ‘pay as you go’, com os ativos pagando os inativos. E aí, o terceiro pilar, que é o da capitalização. Isso ensejará que o Brasil tenha uma perspectiva de longo prazo muito mais sólida e tenha uma solução de sua questão fiscal também muito mais efetiva, diminuirá essa trajetória absurda, sem limites, da relação dívida/PIB, que tem amedrontado os investidores nacionais e internacionais, e gera poupança para o sistema financeiro. São vários efeitos positivos, mesmo sabendo deste custo que vamos ter [com a transição], mas será a solução definitiva para o problema fiscal brasileiro.

IM – Ciro Gomes já declarou que revogará a emenda do Teto de Gastos se for eleito. Os senhores costumam apontar outros modelos de controle de despesas públicas, como o adotado no Ceará, que exclui saúde, educação e investimentos dos limites estabelecidos…

MB – Emenda dos gastos precisa focar em outros gastos, não deixar pessoal, custeio e Previdência aumentarem, e cortar investimentos.

IM – Mas como cortar despesas obrigatórias?

MB – Vamos supor que a inflação foi de 4,5%, que é a meta estabelecida. Se uma categoria consegue ter um aumento de 7%, outras terão de ter aumento de 2% ou de 3%, de tal maneira que o impacto na folha seja a variação da inflação. Segundo, nós não podemos ter gastos com educação e saúde congelados por 20 anos, isso não existe. No Ceará, fizemos com 6 anos, com os gastos com educação e saúde tendo privilégio em relação aos demais. Então, há outras formas de manter esse controle. Para quem conhece Ciro, quando era governador do estado, ele resgatou toda a dívida mobiliária de seu estado. Não existe nenhuma candidatura com maior compromisso fiscal.

O secretário do Tesouro Nacional divulgou recentemente o resultado primário de 1991 a 2017. Qual foi o ano em que o Brasil obteve o maior resultado? 1994. Quem era o ministro da Fazenda? Ciro Ferreira Gomes. E aqui e acolá, em minhas palestras e discussões no mercado financeiro, alguém se levanta e diz que Ciro só foi ministro por 5 meses, tentando minimizar esse esforço extraordinário que ele empreendeu quando ministro. Mas as pessoas esquecem que é exatamente no segundo semestre que as pressões por despesas acontecem, onde o gasto primário do governo aumenta.

Além disso, naquele momento, quando o Plano Real estava fazendo água, os preços querendo aumentar, ágio acontecendo, ele foi capaz de abrir a economia brasileira ao comércio internacional, exatamente para poder dar maior competição à economia brasileira, e acabou assegurando a implantação do programa.

IM – A proposta de teto de gastos incidiria sobre o pagamento de juros da dívida?

MB – Não. Ele nunca falou sobre teto de juros. No Senado Federal, José Serra relata um projeto que diz que, daqui a 15 anos, o total da dívida poderia ter uma meta. Os municípios já têm, com possibilidade de endividamento de apenas 1,2 vez a receita, os estados só podem se endividar 2 vezes sua receita corrente líquida, e a União não tem. Na Europa, os países têm esse teto. Todo mundo adora se comparar com os Estados Unidos. Pois, lá tem teto da dívida e ninguém diz nada. Mas esse é um assunto que ainda está sendo discutido, ainda há tempo para pensar se realmente deve ser implementado. É uma coisa corriqueira, que em princípio foi confundida com a história de [teto de] juros da dívida. Jamais se falou. Juros é preço, resultado da equação fiscal — a Selic, porque a taxa de juros na ponta envolve outros fatores do mercado, que produz hoje o maior spread bancário do mundo e isso precisa ser corrigido.

IM – Por que o mercado é tão resistente à candidatura de Ciro Gomes? Uma sondagem feita pela XP Investimentos com investidores institucionais que respondem por cerca de 50% dos recursos sob gestão no setor mostra que Ciro é o candidato com as piores projeções entre os 5 avaliados (Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e Marina Silva): 79% acreditam que o Ibovespa vai cair, sendo que 37% esperam o índice abaixo de 50 mil pontos. Isso preocupa o candidato?

MB – Acredito que essa avaliação foi antes da ida de Ciro à XP (nota da reportagem: a sondagem foi realizada entre 2 e 3 de julho, poucos dias após a palestra de Ciro. Veja aqui a íntegra do estudo), exatamente traduzindo de forma ainda mais clara todas as posições, seu compromisso com o rigor fiscal, com a retomada do investimento. Acho que isso vem sistematicamente diminuindo. E as pessoas não conheciam esse rigor fiscal que Ciro sempre empreendeu como gestor. Não existe nenhum ato em sua história que levasse o mercado ou quem quer que seja a imaginar que ele não tivesse esse compromisso.

IM – Então, o senhor acredita que seria uma questão de comunicação?

MB – Acho que clarear o programa, dizer quais são os pontos. Isso também tem um pouco da diferença da forma como a campanha está sendo conduzida, porque somos os únicos a dizer as propostas, e a imprensa não fustiga os demais. Por que isso é importante? Se essa discussão é feita no âmbito da campanha presidencial, ele chega com muito mais robustez, com apoio popular muito mais significativo, para aproveitar aqueles 6 a 8 meses, que é o período de maior força de negociação com o Congresso Nacional. Inclusive, melhorando a situação fiscal dos estados traz também os governadores e a bancada federal dos estados a ajudar a aprovar essas reformas.

IM – O senhor é um dos escalados para conversar sobre economia com as lideranças dos partidos do “centrão”. Como têm sido essas negociações? Como é sentar com partidos que votaram a favor da reforma trabalhista que Ciro promete revogar?

MB – No último domingo, fui escalado pelo presidente do meu partido [Carlos Lupi (PDT)], para poder conversar com os coordenadores econômicos desses partidos. Vamos ouvir desses coordenadores, do lado fiscal, quais são as ações que estamos propondo que mereçam correção, que possam ser redefinidas de outra maneira, ou até mesmo incorporar alguns entendimentos ou sugestões que desses partidos, para se ter uma equação em prol do Brasil, dentro de um programa, e não desses interesses escusos que existem no país.

IM – Mas, do lado da campanha, a promessa de revogar a reforma trabalhista poderia ser alterada para alguns itens, por exemplo?

MB – Eu não tenho dúvida que precisamos equacionar o relacionamento da empresa com o trabalhador, o presidente Ciro tem dito isso reiteradas vezes. O que ele quer externar com ênfase são pontos um pouco difíceis de entendimento. Por exemplo, autorizar uma grávida a trabalhar em ambiente insalubre, duvido que tenha algum empresário que concorde com isso. A insegurança jurídica é outro ponto que todos os empresários concordaram com Ciro. Terceiro, no trabalho intermitente, vamos supor que você ganhava um salário mínimo, e passou a ser contratado por horas. Em determinado mês só ganhou R$ 800. A lei exige que, mesmo sem ganhar, você pague a contribuição previdenciária sobre o salário todo.

Então, há muitas incorreções colocadas que precisam de um pente fino, mas o setor produtivo pode ter a certeza absoluta que o presidente Ciro tem toda compreensão das novas relações de trabalho, desse emoldurado que existe de ações judiciais no processo trabalhista brasileiro. Tudo isso precisa ser reformulado e essa é uma compreensão muito clara da sua proposta. Vamos ouvir os partidos para poder compreender qual é essa extensão.

IM – Quais têm sido as queixas recebidas sobre o programa econômico?

MB – A conversa começa a partir de hoje (17/07) e se estende até quinta ou sexta-feira. Depois das ponderações na área dos coordenadores, isso tem que ser levado aos conselhos políticos de todos os partidos para que esse novo quadro possa ser redefinido e, consequentemente, vir a público. Mas tudo isso em prol de buscar uma equação fiscal, a retomada do investimento do setor público, o governo federal ter dinheiro para fazer as políticas sociais que o Brasil precisa, para ampliar o volume de emprego.

IM – Ciro fala em 5 setores estratégicos para a retomada da economia (defesa, óleo e gás, construção civil, saúde e agricultura). Qual seria o norte que guiaria as políticas setoriais planejadas, olhando também para a viabilidade fiscal?

MB – Na economia internacional, a teoria das vantagens comparativas diz que você não pode ser bom em todos os setores, então tem que escolher alguns onde possa ser mais competitivo, exportar o que produz de melhorar e importar aquilo que não consegue fazer com a mesma eficiência. Esses segmentos, além de serem importantes para o Brasil, geram déficits gravíssimos na balança comercial, de mais de R$ 100 bilhões.

Dando incentivo fiscal à indústria da informática, nós não conseguimos desenvolver um chip para telefonia celular ou fazer uma placa mãe, sem a tecnologia que nós queremos. O Brasil tentou incentivar a indústria naval. Também, como não tinha o domínio da tecnologia, fica só dando incentivo, e não há uma produção industrial com conhecimento tecnológico para dar seguimento.

IM – O erro, então, teria sido queimar uma etapa no processo?

MB – Exatamente. Faz sentido o Brasil comprar, com 22 patentes vencidas aqui, medicação de fora? Compras governamentais com valor de dezenas de bilhões de dólares. Vamos tentar dominar essa tecnologia nos próximos 2 ou 3 anos, investir nas universidades, nos centros de pesquisa, para que a indústria possa se apropriar desse conhecimento tecnológico, e, aí sim, produzir dentro do país, competindo com o mundo inteiro. Além de gerar emprego e renda, o Brasil, ao dominar [esses processos], poderá ser outra expressão econômica no mundo, atraindo capital nacional e internacional. O Brasil tradicionalmente tem déficit em transações correntes da balança de pagamentos. Este ano está menor, mas não podemos ficar amparados nesta conjuntura de curto prazo. O Brasil passou por uma recessão muito grande, diminuiu o volume de importação sistematicamente.

É preciso pensar o Brasil crescendo, sendo capaz de competir. Obviamente que, para isso, é preciso alterar: 1) a composição de juros, porque o financiamento mundial é muito mais barato; 2) o domínio da tecnologia: estamos 2 ou 3 gerações tecnológicas atrás do primeiro mundo. E, quanto mais escala tivermos, menor será o preço por unidade, que é o que as grandes multinacionais têm; 3) por último, redefinir o sistema tributário: torná-lo mais simples, acabar ou diminuir as obrigações acessórias. Fica muito mais simples apurar o imposto devido. Feita essa correção, o Brasil está pronto para poder fazer uma abertura comercial e aprimorar sua eficiência, melhorar preços e ser extremamente competitivo, inclusive trazendo dólares com as vendas significativas que vamos fazer.

IM – Já virou clichê que um dos gargalos da economia brasileira é a questão da infraestrutura. Muitos candidatos tratam do assunto e há uma preocupação grande entre especialistas na área com a criação de novos projetos, os chamados greenfields. É uma campo que a iniciativa privada tem dificuldades de atuar, até mesmo pela imprevisibilidade das operações. Como resolver isso? Haveria papel do setor público alavancar investimentos na área?

MB – Temos duas questões a serem levantadas. A primeira é o volume, o dinheiro, porque o setor público precisa ser recomposto, já que diminuíram deliberadamente [os investimentos] para poder permitir outros gastos crescendo dentro do setor público. O primeiro ponto seria recompor essa capacidade, ajustando o fiscal e deixando o investimento livre.

Mas também temos que pensar em trazer o investimento privado, seja com concessões, com PPPs, mas, para isso acontecer, o setor demanda do governo federal regulação bastante definida, clara, regras estáveis. Tanto é que também vai constar do programa econômico esse esforço adicional para dar credibilidade ao mercado privado para que ele possa fazer investimento. Quando se fala em infraestrutura, normalmente se associa a investimentos de médio prazo, pelo menos. Portanto, a segurança, a estabilidade e a regulação precisam estar muito presentes.

Obviamente que o investimento público estimula a vinda do investimento privado, porque se criam condições para isso acontecer. O exemplo clássico que dou ocorreu em meu estado (Ceará). O estado investiu recentemente quase R$ 2 bilhões no porto do Pecém.

IM – E qual será o papel dos bancos públicos? Como o senhor avalia a recém-criada TLP?

MB – O importante não é se é TJLP, TLP ou o que quer que seja. É explicitar qual é o subsídio, o custo, que existe quando o governo capta dinheiro para dar, por exemplo, para o BNDES, a um custo de 14% para o banco empresar a 7%. Essa diferença estava em um subsídio que ninguém conseguia entender. O que é importante para o setor público é você definir no orçamento que montante é esse. Ninguém nunca vai deixar de querer estimular setores estratégicos da economia brasileira, nós não podemos deixar de fazer isso. O BNDES terá papel importante, e outros bancos também, dentro deste conceito. O que se deseja aprimorar é tornar transparente qual é o custo efetivo que se tem quando se aplicam subsídios em determinados segmentos brasileiros.

IM – Nelson Marconi, professor da FGV e colega seu na construção do programa econômico da candidatura de Ciro Gomes, costuma dizer que o câmbio desarrumado pode ser extremamente prejudicial à produtividade das empresas. Haverá um patamar considerado razoável para o câmbio? Como seria a política de Ciro?

MB – Câmbio, como juro, é determinado pelas condições macroeconômicas. O que o colega Nelson Marconi, que faz a parte de várias áreas do programa como um todo, está querendo dizer nessa área mais específica é que a indústria brasileira precisa ampliar produtividade, ser melhor olhada pelo país. Na indústria, você tem melhor tecnologia, produz melhores salários, tem maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento. O câmbio vai ser uma consequência da estrutura fiscal e da estrutura da política monetária que se gera a partir daí. Já ouvi dizerem que o presidente Ciro vai adotar um câmbio fixo, tabelar o câmbio. Isso é baboseira, não existe em canto nenhum. O que existe é um governo muito saudável. No meu modo de entender, o presidente Ciro hoje é o único capaz de definir essa reconceituação da gestão pública brasileira, implantar a gestão por resultados. Na Nova Zelândia, os ministros assinam um compromisso de metas a serem alcançadas. Por que das 100 melhores escolas brasileiras de Ensino Fundamental, 77 estão no Ceará? Porque lá dizemos assim: ‘escola, me dê o melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que te dou mais ICMS’. ‘Me dê melhor Ideb, que lhe dou um centro de tecnologia’. ‘Me dê Ideb que lhe dou 14º salário’. É todo esse processo de busca de eficiência que queremos estabelecer e estipular para os demais setores de todo o país.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.