Prisão do amigo de Lula e novela Cunha emperrada voltam a contaminar o ambiente político

Terça-feira acabou sendo mais um dia “improdutivo” no Congresso Nacional – os projetos do ajuste fiscal não deram um mínimo passo. A sessão que votaria a mudança na meta fiscal de 2015 teve de ser adiada

José Marcio Mendonça

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A nova investida da Operação Lava-Jato – sintomaticamente chamada “Passe Livre” em alusão ao trânsito aberto que o personagem tinha no governo Lula no Palácio do Planalto – embora recebida olimpicamente tanto pelo governo como ex-presidente, nenhum comentário público de nenhum dos dois, trouxe uma nova turbulência política para a presidente Dilma num momento em que ela respirava mais aliviada.

O clima ficou tenso, como não poderia deixar de ser, dada a relação entre Lula e o pecuarista José Carlos Bumlai, o principal detido de ontem e já encarcerado em Curitiba. Segundos os jornais “O Estado de S. Paulo” e “O Globo”, a interpretação do governo é que a “Passe Livre” abala o Planalto ao atingir Lula.

O juiz Sérgio Moro em seu despacho diz que não há suspeita contra o ex-presidente nesse episódio e que o nome dele pode ter sido usado por Bumlai para fazer negócios no governo. Porém, a relação do pecuarista com Lula e família é estreita demais para não gerar temores e especulações. Tanto que nas hostes petistas ontem se dizia que o objetivo da força tarefa do Paraná é atingir Lula (e por vias indiretas o próprio partido).

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O próprio Lula disse isso a amigos. De novo queixa-se de “vazamentos seletivos”.

A Passe Livre foi desencadeada para investigar a contratação de navios-sonda pela Petrobras, porém, por via indireta, foi bater também no BNDES, o que abre um novo foco de tensão para o governo – a CPI do Congresso sobre a instituição não incomodava até aqui. 

Por determinação do juiz Moro, a Polícia Federal foi até a sede do banco no Rio de Janeiro, sem ordem de apreensão e busca, e solicitou cópias de documentos de empréstimos realizados por ele. Há tempos, esses investimentos do BNDES têm sido criticados, principalmente por suspeita de favorecimento a determinados grupos, além de restrições puramente econômico-financeiras. A PF busca agora informações sobre financiamento de R$ 518 milhões a Bumlai, mas pode encontrar um vespeiro.

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Para complicar o clima político, a novela Eduardo Cunha no Congresso viveu na terça-feira mais um capítulo inconclusivo, embora tenha dado mais um passo, com a leitura do parecer do relator Fausto Pinato sugerindo o prosseguimento do pedido de cassação do mandato do peemedebista do Rio de Janeiro.

Um pedido de vista de aliados de Cunha adiou a votação do parecer para a semana que vem, dentro da estratégia de Cunha de ganhar tempo e jogar o problema para o ano que vem, quando espera que os ânimos contra ele venham a esfriar. Cunha quer manter pelo menos o mandato de deputado para não cair nas garras da turma de Curitiba. Como deputado tem foro privilegiado e seu processo corre no STF.

Toda essa agitação comprometeu o funcionamento do Congresso. Foi mais um dia “improdutivo”, ou seja, os projetos que o governo espera ansiosamente ver votados ficaram em banho-maria.

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Adiar o aumento do salário mínimo

A oposição, como havia prometido, passou a obstruir o funcionamento do Legislativo e o presidente do Congresso, Renan Calheiros, foi forçado a adiar de ontem para hoje a sessão que apreciaria mais três votos da presidente Dilma Rousseff e depois votaria a alteração da meta fiscal de 2015, de mais 0,15% do PIB para menos 2%. Esta mudança aprovada é vital para Dilma para evitar que a presidente fique sujeita a um processo por crime de responsabilidade fiscal.

Enquanto isso, a equipe econômica, tenta fazer mágicas para fechar as contas do Orçamento de 2016 com o prometido superávit de 0,7% do PIB. Tarefa dura pois o prazo para a DRU ser prorrogada e a repatriação de dinheiro de brasileiros no exterior virar lei está se extinguindo. A CPMF é carta fora do baralho.

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A solução do governo vai ser apelar para os impostos que pode administrar sem precisar do Congresso e tentar cortar o quase “incortável”. De acordo com reportagem de “O Globo, o Ministério da Fazenda, para minimizar um pouquinho os gastos de 2016, estuda adiar o aumento do salário mínimo de janeiro para maio e o reajuste dos servidores públicos de agosto para dezembro.

Tão logo a notícia saiu no site do jornal, o ministro Joaquim Levy correu para desmentir a informação, pois sabe que uma decisão dessas é nitroglicerina política pura num momento de desemprego e rendas em queda e de muita insatisfação na base aliada com a política e com ele Joaquim Levy. O jornal mantém a informação. Raymundo Costa, no “Valor Econômico” diz que a base aliada classifica a medida de “pedalada salarial” e se mobiliza para barrá-la.

Em entrevista ao mesmo “Valor”, o ministro Joaquim Levy tenta levantar os “brios” (ou assustar) de deputados e senadores. Segundo ele, “se não tivermos uma estratégia fiscal definida, estaremos contratando a recessão do ano que vem. Depois não adianta gastar, pois gastar não vai fazer [o país] crescer.” Levy quer pressa dos parlamentares.

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O ministro tem ainda de administrar outras pressões: com uma dívida que já passa dos R$ 500 bilhões e com pouco caixa para fazer investimentos, a Petrobrás está pressionando para ser autorizada a reajustar de novo os combustíveis. O que a Fazenda não quer agora por causa de inflação. E também porque pode precisar aumentar o PIS e a Cofins dos derivados e petróleo para fechar o superávit primário e isso já elevaria o preço deles.

É a economia do “cobertor curto demais” e ainda pressionada pela má vontade da política de colaborar.

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Atenção 1 – O Copom decide hoje a nova taxa básica de juros e segundo a unanimidade dos analistas vai manter a Selic em 14,25% por mais 45 dias. A atenção está voltada para as indicações da trajetória da política monetária para 2016, sob a perspectiva cada vez mais real de que o BC norte-americano começará a elevar os juros por lá em dezembro.

Atenção 2 – O último obstáculo para a realização do leilão de 29 usinas hidrelétricas foi removido ontem com a aprovação de MP com regras com0 a proteção para os novos concessionários para falta de chuvas. Há medo de que mesmo com essa liberação o leilão seja um fracasso. Os investidores ainda estão inseguros em relação ao Brasil e às privatizações de Dilma. Há o mal precedente da semana passada: apenas 4 de 12 linhas de transmissão leiloadas foram arrematadas.

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Brasil registra 9 milhões de desempregados” (Estado/Globo/Folha/Valor)

– “Crise extingue terceiro turno nas montadoras” (Estado)

– “Dívida pública federal cai pela primeira vez desde janeiro” (Valor)

– “BB e Bradesco criam banco voltado para a população de baixa renda” (Estado)

– “Em liquidação, empresas do país atraem estrangeiros” (Folha)

– “Governo adapta regras [do programa de concessões] para atrair estrangeiros, diz Barbosa” (Valor)

– “Ibama concede licença ambiental para Belo Monte operar” (Estado/Globo)

– “Governo ignora alerta e libera visto para a Olimpíada” (Estado)

LEITURAS SUGERIDAS

  1. Sergio Amaral – “O efeito Macri” (diz que corremos o risco de a Argentina tomar a dianteira e o Brasil relutar em seguir atrás) – Estado
  2. Editorial – “Vitória da irresponsabilidade” (critica a resistência da presidente ao projeto do senador José Serra de criação de um limite razoável para a dívida pública; diz que é mais um sinal errado para o mercado) – Estado
  3. Elio Gaspari – “Mercosul melhora sem a Venezuela” (diz que a virada política na Argentina levará petismo a repensar a excentricidade de sua diplomacia) 0 Globo/Folha
  4. Rosangela Bittar – “Um governo no modo improviso” (diz que nem o Palácio do Planalto acredita de fato que o impeachment ficou definitivamente para traz) – Valor
  5. Miriam Leitão – “Bagunça fiscal” (diz que no governo ou fora dele, ninguém sabe ao certo para onde estão indo as contas públicas) – Globo