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Abrir uma operação gastronômica sempre foi uma decisão corajosa, que envolve assumir riscos relevantes. Com juros em patamares elevados e renda fixa pagando retornos de dois dígitos ao ano, com baixo risco, essa relação se torna ainda menos favorável à atividade produtiva. O empresário que dispõe de capital passa a comparar o resultado incerto de uma nova operação com a previsibilidade de uma renda fixa que remunera mensalmente.
Nesse cenário, a renda fixa vira, na prática, um piso de retorno exigido pelo investidor. Se um título público entrega mais de 1% ao mês, qualquer projeto produtivo precisa superar esse patamar. No caso de um restaurante, o montante necessário é alto: adequações do imóvel, equipamentos, equipe e capital de giro para o período inicial, geralmente deficitário.
Crédito caro: a trava da expansão
Quando a expansão depende de crédito, o quadro é ainda pior: linhas para capital de giro e investimento operam com juros acima da taxa básica, e incorporar esse custo à precificação muitas vezes é incompatível com o poder de compra do público-alvo.
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Em ambiente de juros mais baixos, muitos projetos seriam viáveis, mas, com o juro atual, a conta não fecha. Como consequência, ocorre redução da abertura de novos estabelecimentos, da expansão de operações existentes e do ritmo de criação de empregos.
Levantamentos setoriais e relatos de empresários têm apontado um quadro incômodo: a demanda por alimentação fora do lar é presente, mas convive com períodos de retração de vendas, elevação de custos e alta rotatividade de pessoal. Com juros altos, o empresário que antes aceitava um retorno intermediário compara essa perspectiva com a alternativa simples de manter o capital em renda fixa.
Quando os retornos são parecidos, a opção de menor risco tende a prevalecer – e investimentos que poderiam gerar renda e postos de trabalho para a comunidade local deixam de sair do papel.
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Falta de liberdade e o custo da formalização
Em relação ao trabalho, o setor de bares e restaurantes mantém relevância econômica e figura entre os principais geradores de emprego formal nas grandes cidades, com forte capacidade de absorver mão de obra pouco qualificada. Mesmo com os avanços tecnológicos, esse setor ainda é muito dependente de mão de obra.
O valor que o funcionário leva para casa (salário líquido) é só uma parte do custo. Quando se somam o salário bruto registrado, 13º, férias, FGTS e encargos patronais, o desembolso equivalente da empresa costuma ficar algo entre 50% e 100% acima do líquido, a depender do regime tributário e das regras internas. Em operações com muitos funcionários e margem limitada, essa estrutura transforma a folha em um dos principais elementos de rigidez.
O aumento do custo da formalização – que inclui impostos, encargos e provisões para eventuais ações trabalhistas – reduz o espaço para salários mais elevados, desestimula novas contratações e eleva a exigência de produtividade por pessoa.
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Diante desse quadro, parte desse custo acaba sendo repassada ao trabalhador por meio de salários mais baixos. Para preservar a viabilidade da operação, o empresário é levado a enxugar o quadro ao mínimo indispensável, concentrar funções em menos pessoas e recorrer com mais frequência a arranjos flexíveis, como trabalho intermitente, prestação de serviços por autônomos ou contratação por pessoa jurídica.
Por parte do trabalhador, muitos profissionais também passam a preferir esses modelos, ao enxergarem a possibilidade de obter renda maior no curto prazo distribuindo sua agenda entre diferentes empresas, ainda que à custa de menor proteção e maior volatilidade de ganhos.
O resultado é um mercado com alta rotatividade, dificuldade de retenção de talentos e pouco estímulo a investimentos em qualificação de longo prazo, impactando diretamente a experiência do cliente.
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Efeito em cadeia na economia local
Em ambientes de juro real mais baixo, há incentivo para que recursos migrem para investimentos produtivos, como abertura de novas operações, modernização de cozinhas, adoção de tecnologias de gestão e programas de capacitação. Em cenários de juro real elevado, observa-se o movimento oposto: investidores e empresários tendem a adotar postura mais conservadora, privilegiando a preservação de capital e a liquidez. No segmento de alimentação fora do lar, isso se traduz em menos projetos novos, expansão mais contida e foco em manter a operação existente.
Para quem observa a economia e os mercados, acompanhar a dinâmica de bares e restaurantes oferece um retrato concreto de como o custo do dinheiro e da formalização impacta a economia real.
Por trás de cada unidade cuja abertura é cancelada ou adiada, há menos investimento em obras, equipamentos e serviços, menos oportunidades para jovens ingressarem no mercado de trabalho e menor demanda para toda uma cadeia de fornecedores – toda a economia é impactada negativamente.
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Enquanto o juro real e o custo da contratação formal permanecerem elevados, abrir ou expandir um restaurante será especialmente difícil para o pequeno empreendedor, que vê seu projeto competir em desvantagem com a renda fixa e com grupos mais capitalizados.
No fim, não é apenas o salão que deixa de abrir as portas: é a própria geração de empregos – e, com ela, a renda na base da economia – que fica trancada do lado de fora.