Publicidade
HEFEI, China — Em um campus arborizado no leste da China, equipes trabalham dia e noite para concluir uma imensa estrutura circular com dois braços na extensão de porta-aviões.
Em antigos arrozais no sudoeste do país, um enorme prédio em forma de X está sendo construído com igual urgência e sob grande segredo. A existência dessa instalação só foi amplamente conhecida depois que pesquisadores a identificaram em imagens de satélite há cerca de um ano.
Juntos, esses projetos colossais representam os esforços mais ambiciosos da China para dominar uma fonte de energia que pode transformar a civilização: a fusão nuclear.
Continua depois da publicidade
A fusão, união de átomos para liberar uma energia extraordinária, utiliza combustíveis abundantes, não apresenta risco de derretimento e não gera resíduos radioativos de longa duração. Ela promete uma energia quase ilimitada, capaz não só de suprir a crescente demanda por eletricidade para alimentar a inteligência artificial, mas também de acabar com a dependência dos combustíveis fósseis que estão aquecendo perigosamente o planeta.
Há um século, cientistas começaram a imaginar a fusão, a energia das estrelas. Nas últimas décadas, avançaram muito para reproduzir o processo em laboratório usando ímãs e lasers. Mas forçar átomos indisciplinados a se unirem é muito mais difícil do que dividi-los, como ocorre na fissão que gera a energia nuclear atual.
Um reator de fusão precisa primeiro aquecer o hidrogênio a temperaturas mais altas que as do sol, transformando-o em plasma, o quarto estado da matéria. Depois, deve manter esse plasma violento confinado tempo suficiente para que os átomos se fundam e liberem energia. China, Estados Unidos e outros países correm para desenvolver máquinas capazes de realizar esse feito repetidamente, com confiabilidade para alimentar uma rede elétrica.
As duas superpotências globais disputam acirradamente o domínio do futuro energético. Sob a administração Trump, os EUA focaram em produzir petróleo, gás e carvão para exportação. Seu principal rival econômico, a China, tornou-se líder mundial em energia limpa, fornecendo painéis solares, baterias e veículos elétricos.
A fusão pode mudar o jogo para ambos e para o mundo. Quem a dominar poderá construir usinas globalmente e formar novas alianças com países sedentos por energia. Mas americanos e chineses têm estratégias muito diferentes para chegar lá.

Os EUA apostam na iniciativa privada e na inovação americana, com apoio governamental pontual. De costa a costa, startups aceleram a busca com urgência e criatividade.
Continua depois da publicidade
- Leia também: Alphabet comprará desenvolvedora de energia limpa Intersect por US$ 4,75 bilhões
- Leia também: Energia limpa cresce, mas alguns setores continuam parados, diz relatório da COP30
Do outro lado do mundo, o governo chinês fez da fusão uma prioridade nacional, mobilizando recursos em ritmo impressionante. Recentemente, uma startup de Xangai igualou um avanço da Commonwealth Fusion Systems, a empresa de fusão mais bem financiada dos EUA, em muito menos tempo. No verão, governo e investidores privados chineses injetaram US$ 2,1 bilhões em uma nova empresa estatal de fusão — 2,5 vezes o orçamento anual do Departamento de Energia dos EUA para fusão.
O progresso dos dois países pode ser testado em breve.
A Commonwealth afirma que, até 2027, seu dispositivo experimental em Massachusetts produzirá mais energia do que consome — um marco que indicaria que a fusão poderá gerar eletricidade para data centers, siderúrgicas e outros.
Continua depois da publicidade
O principal laboratório chinês de física de plasma espera que sua nova máquina, chamada BEST, instalada no prédio de braços gêmeos no leste do país, alcance essa meta nos próximos anos.
“É um cronograma apertado”, disse Lian Hui, cientista do laboratório. Mesmo assim, “estamos muito confiantes de que alcançaremos os objetivos de pesquisa do BEST”, afirmou.
Uma prioridade nacional
O compromisso da China com a ciência e a fusão vem do mais alto escalão.
Continua depois da publicidade
O novo plano quinquenal do governo, para 2026-2030, promete “medidas extraordinárias” para garantir avanços em fusão e outras áreas. A estatal nuclear chinesa prepara propostas detalhadas de pesquisa em fusão, chamando-a de “a principal pista de corrida na competição científica e tecnológica entre as grandes potências”.
Há duas décadas, a China era um peixe pequeno na fusão e cresceu colaborando com outros países. Trabalhou com a França para desenvolver seu tokamak mais moderno — uma máquina de fusão em forma de rosquinha. Tornou-se um colaborador-chave do experimento ITER, envolvendo 33 nações. Na última década, pesquisadores americanos e chineses fizeram experimentos conjuntos e exaltaram a “amizade de longo prazo” entre os países na física do plasma.
Agora, laboratórios e empresas chinesas constroem instalações de ponta próprias. O Instituto de Física de Plasma da Academia Chinesa de Ciências ergue o tokamak BEST e um complexo de 40 hectares para desenvolver e testar componentes que suportem as condições extremas da fusão. Cientistas também projetam outro tokamak para uma usina piloto na década de 2030 ou 2040.
Continua depois da publicidade

Richard Pitts, físico britânico-francês do ITER, visitou o local do BEST em janeiro do ano passado, quando era só uma plataforma vazia. Hoje, está pela metade.
A China aprendeu muito com o ITER e agora aplica esse conhecimento para avançar, disse Pitts. “Cada vez que vou lá, fico impressionado com o número de pessoas e a eficiência com que as coisas são feitas.”
Mesmo que a tecnologia central funcione, reatores de fusão só vão alimentar o mundo quando empresas conseguirem construí-los e operá-los de forma econômica e em escala industrial.
Nesse ponto, a expertise chinesa em engenharia e construção dá vantagem, disse Jimmy Goodrich, pesquisador da Universidade da Califórnia. “O risco para os EUA é criar o caminho técnico viável primeiro, mas a China ser quem o escala e implementa antes.”
Recentemente, a Commonwealth teve uma amostra da velocidade chinesa.
No ano passado, cientistas da empresa publicaram artigos sobre seus grandes ímãs em forma de D para o tokamak em Massachusetts, feitos com materiais que conduzem eletricidade com resistência muito baixa, gerando campos magnéticos superfortes.
No verão, uma startup de Xangai, Energy Singularity, publicou artigo sobre um ímã muito parecido.
Para Dennis Whyte, cofundador da Commonwealth, isso não foi só engenharia reversa. Mobilizar cadeias de suprimentos e expertise para fabricar e testar um ímã assim tão rápido mostrou “habilidade impressionante”.

O caminho do laser
No sudoeste, outra frente da fusão chinesa avança com menos alarde.
Cientistas da Academia Chinesa de Engenharia Física, em Sichuan, acompanharam atentamente o trabalho do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, que em 2022 conseguiu uma demonstração promissora: lasers fizeram uma peça de hidrogênio “acender”, produzindo mais energia do que a consumida.
Um cientista sênior da academia chinesa logo pediu que o país seguisse o exemplo.
O feito de Livermore foi “uma grande conquista científica que ficará na história”, disse Zheng Wanguo em entrevista no início de 2023. A China deve “fortalecer investimentos e pesquisas” em fusão, “tendo a ignição por laser como principal abordagem técnica”.
Em um ano e meio, uma enorme instalação em forma de X surgiu perto de Mianyang.
Relatórios da indústria laser chinesa, artigos científicos e pedido de patente indicam que o local abrigará o Shenguang IV, nova instalação de ignição a laser. Propostas para essa instalação, cujo nome significa “Luz Divina”, existem há mais de 15 anos, mas o sucesso de Livermore acelerou o projeto.
A velocidade da construção em Mianyang é “de tirar o fôlego”, disse Kimberly Budil, diretora do laboratório de Livermore, que levou 20 anos para construir sua instalação. Ainda assim, “operar o sistema com confiabilidade exige habilidades que a China terá que aprender”, afirmou.
Os cientistas da Academia Chinesa de Engenharia Física mantêm segredo porque, como muitos em Livermore, trabalham com pesquisa de armas nucleares. A fusão a laser permite estudar explosões nucleares sem detonar armas reais.

Com o rápido crescimento do arsenal nuclear chinês sob Xi Jinping, o Exército busca formas de manter e talvez melhorar ogivas sem violar a proibição global de testes, dizem especialistas.
Nos últimos meses, a academia anunciou planos para outra instalação de ignição a laser em Chengdu, capital de Sichuan — uma versão menor e mais comercial da de Mianyang.
E Peng Xianjue, antes um projetista anônimo de armas, virou empreendedor de energia, promovendo um reator experimental que combinaria fusão e fissão. Em proposta deste ano, Peng defende que a China “mire na aplicação comercial até 2040”.
Colaborar ou se separar
A divisão EUA-China na fusão chamou atenção de Alain Bécoulet, físico francês, quando esteve em Chengdu em outubro para conferência da Agência Internacional de Energia Atômica. Não havia americanos, disse.
O Departamento de Energia dos EUA, sob Trump, desencorajou cientistas americanos a participarem, relataram três pesquisadores ao The New York Times. O departamento não comentou.
“Hoje a China é inovadora”, disse Bécoulet, cientista-chefe do ITER. “Não está só copiando.”
O Instituto de Física de Plasma da China anunciou em novembro que recebe parcerias com cientistas estrangeiros para seu tokamak BEST. “A porta está sempre aberta”, disse Dong Shaohua, responsável pelas colaborações internacionais.
Mas, com a segurança energética cada vez mais vital para setores como inteligência artificial, muitos no governo e indústria americanos veem a fusão como campo de batalha decisivo pela influência global.
“Quem vencer e conseguir dominar estabelece a base para o século”, disse Ylli Bajraktari, chefe do Special Competitive Studies Project, organização de pesquisa em Washington.
Em outubro, o Departamento de Energia dos EUA lançou um novo plano para ajudar a indústria da fusão a crescer e se comercializar na década de 2030. O documento prevê construção e modernização de várias instalações científicas, mas abandonou a iniciativa anterior de liderar o projeto de uma usina piloto até os anos 2040.
Segundo o departamento, startups americanas já avançam rápido para erguer essa usina.
Para alguns cientistas, o governo dos EUA precisa fazer mais.
Investidores já aplicaram cerca de US$ 14 bilhões em empresas de fusão no mundo, sendo US$ 7,6 bilhões para firmas americanas. “É muito dinheiro, mas vai precisar de muito mais para cruzar a linha de chegada”, disse George Tynan, cientista de plasma do MIT.
Chang Liu trabalhou anos como físico no Laboratório de Física de Plasma de Princeton, do Departamento de Energia dos EUA. Recentemente tentou recrutar jovens cientistas, mas o laboratório alegou falta de orçamento, disse ele. Experiências assim, somadas a motivos familiares, o levaram a se mudar para a Universidade de Pequim, uma das melhores da China. Um porta-voz de Princeton disse que o laboratório não comenta assuntos de pessoal.
Nos EUA, a falta de apoio governamental é uma das razões para tantos pesquisadores migrarem para startups, disse Liu.
Por outro lado, autoridades chinesas investem pesado numa possível “solução definitiva” para as necessidades energéticas da humanidade, afirmou. “Eles realmente investem no que é importante.”
c.2025 The New York Times Company