Morte de pet por comer planta tóxica em jardim: de quem é a responsabilidade civil?

Juiz condenou banco por negligência; especialistas dizem que toxicidade da planta Cycas revoluta era conhecida e indica falha no dever de cuidado, gerando responsabilidade civil

Anna França

O labrador Pudim (Foto: Reprodução Instagram/@pudim_e_tina)
O labrador Pudim (Foto: Reprodução Instagram/@pudim_e_tina)

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A 1ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo condenou o Bradesco a pagar R$ 25 mil em danos morais à designer Fabiana Amaral após a morte do seu cão labrador, Pudim, intoxicado pelas sementes de uma planta altamente tóxica presente no jardim de uma agência da instituição, na zona Oeste da capital paulista. O caso ocorreu em março deste ano e reacende discussões sobre responsabilidade civil, dever de cuidado em áreas semipúblicas e a proteção jurídica aos animais de estimação.

A planta Cycas revoluta encontrada no local, conhecida também como palmeira-sagu, é considerada extremamente tóxica para animais e humanos. Em algumas cidades, como Rio de Janeiro e Uberaba, seu cultivo é proibido por lei. Em São Paulo, normas antigas que impediam o plantio de espécies tóxicas em áreas públicas foram revogadas em 2022, o que volta a colocar em debate a regulação da arborização urbana.

Para saber mais sobre a responsabilidade civil nesses casos, o InfoMoney ouviu advogados especializados no assunto.

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Responsabilidade civil

Segundo Yuri Fernandes Lima, sócio do Bruno Boris Advogados, a sentença se apoia em fundamentos consolidados do Direito Civil. “A posição do juiz está correta. Quem causar dano a outrem deve repará-lo, e os danos foram devidamente comprovados. No caso, o magistrado considerou essencialmente a função que o cão exercia para a tutora.”

Pudim, que tinha 16 mil seguidores nas redes sociais, atuava como doador de sangue para outros cães e desempenhava também uma função terapêutica para sua tutora, que é autista. Tais fatores influenciaram a quantificação do dano moral, como citado em reportagem da Folha de S.Paulo.

Do ponto de vista do Direito Animal, Lima ressalta que o entendimento também evolui. “O cão era um indivíduo, ser senciente, sujeito de direitos e integrante de uma família multiespécie. O dano não se resume ao aspecto patrimonial.”

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Para a advogada Daniela Poli Vlavianos, do escritório Arman Advocacia, o caso ilustra de maneira clara o dever de cuidado que estabelecimentos privados devem observar ao manter jardins acessíveis ao público. “O estabelecimento tem o dever jurídico de zelar pela segurança dos frequentadores e de seus animais. Quando há falha na escolha de plantas perigosas, falta de contenção ou ausência de sinalização, configura-se descaso nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil”, explica.

Segundo ela, a jurisprudência brasileira, incluindo decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconhece que animais domésticos fazem parte do núcleo afetivo familiar. A morte por conduta negligente de terceiros tem gerado indenizações pelo dano moral, especialmente quando se trata de animais utilizados como cães de serviço, apoio emocional ou com relevância terapêutica.

Negligência

A toxicidade da Cycas revoluta é conhecida e amplamente divulgada por veterinários, órgãos de zoonoses e especialistas em paisagismo urbano e isso reforça a previsibilidade do dano, segundo Daniela. “Manter uma planta desse tipo em área acessível, sem proteção adequada, caracteriza negligência. Alguns municípios já proibiram seu plantio justamente pelo risco à saúde pública.”

Ela destaca ainda que a responsabilidade do estabelecimento pode existir mesmo sem culpa direta comprovada. “Basta demonstrar que o risco foi criado ou tolerado sem medidas preventivas. A conduta negligente, somada ao dano e ao nexo causal, é suficiente para gerar o dever de indenizar.”

Embora a decisão ainda possa ser objeto de recurso, especialistas apontam que o Judiciário tende a manter condenações quando há evidências de negligência e relação clara entre o risco criado e o dano sofrido.

Casos como o de Pudim devem estimular discussões sobre regulamentação paisagística e políticas de prevenção em áreas urbanas, especialmente diante da presença de espécies perigosas em jardins, canteiros e praças, muitas vezes sem qualquer sinalização.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro