Mercado de crédito passa por ajuste técnico e exige cautela dos investidores

Apesar da turbulência, especialistas garantem que o cenário não representa um risco sistêmico.

Osni Alves

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O mercado de crédito privado voltou ao centro das atenções nos últimos meses, após uma das maiores compressões de spreads da história recente. Impulsionado pela Medida Provisória 1.303 — que gerou uma corrida por isenção fiscal — o setor agora passa por um período de correção, com abertura dos spreads e realocação de fluxos. Apesar da turbulência, especialistas garantem que o cenário não representa um risco sistêmico.

“Estamos acompanhando um ajuste técnico nos spreads de crédito e, principalmente, de liquidez”, explicou Clara Sodré, analista de fundos da XP, durante o podcast Expresso Outliers, do InfoMoney. Segundo ela, o momento pede calma, seletividade e diligência por parte dos investidores, que devem buscar oportunidades de carrego e diversificação.

Nos últimos meses, a desvalorização nas cotas de fundos de crédito — especialmente os de infraestrutura — levantou dúvidas entre investidores. No entanto, como lembra Clara, “as movimentações de spreads são naturais”, e períodos de volatilidade fazem parte do ciclo desse mercado.

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Spreads voltam a abrir após compressão histórica

O movimento atual marca uma virada depois de anos de compressão dos spreads. Desde 2019, o mercado passou por fases de abertura, impulsionadas por crises como a pandemia e eventos corporativos de crédito, seguidas de períodos de fechamento. Em 2024, a MP 1.303 trouxe uma distorção ao levar os spreads incentivados a níveis negativos — um comportamento que agora começa a se reverter.

Quando há abertura dos spreads, o preço dos títulos cai e as cotas dos fundos sofrem desvalorização temporária. “Muitos fundos mais conservadores, que investem em infraestrutura, estão pagando abaixo do CDI neste momento. Isso é ruim? Depende do ponto de vista”, ponderou Clara. Ela reforçou que essas correções de preço “fazem parte do processo” e não devem ser interpretadas como sinal de crise.

Ainda assim, o momento pede cautela. “É importante que o investidor não resgate em momentos de pânico”, orientou a analista. Segundo ela, o foco deve estar em entender se os fundamentos que justificaram o investimento permanecem válidos.

Gestores veem risco contido, mas alertam para volatilidade

O CEO da Esparta Investimentos, Ulisses Nehmi, reconheceu que o movimento recente gera preocupação. “Os investidores e gestores estão muito mais alocados e longos do que esperávamos”, disse. “Boa parte dos fundos de debêntures incentivadas hedgeadas deve ficar negativa neste mês de outubro. Nossa preocupação é com o impacto disso nos resgates e no comportamento dos spreads daqui para frente.”

Nehmi defende, porém, que o momento pode oferecer boas oportunidades de médio prazo. “Para o investidor de longo prazo, talvez seja até uma alavanca. A pior coisa que ele pode fazer agora é se mexer — tem que confiar na estratégia do gestor.”

Ele acrescentou que os fundos atrelados à inflação ou prefixados estão particularmente atrativos.

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“Com o nível de taxa de juros que temos hoje, as oportunidades fora do CDI são maiores e podem gerar ganhos de capital interessantes”

— Ulisses Nehmi, CEO da Esparta Investimentos.

Liquidez e fundamentos pesam sobre os spreads

O gestor de crédito da JGP, Alexandre Miller, reforçou que a recente abertura dos spreads tem causas múltiplas. Segundo ele, parte do movimento é técnico, mas há influência de eventos específicos, como a recuperação judicial da Ambipar, que abalou a confiança do mercado. “A sensação é de que há um pouquinho de cada componente: fundamentos, liquidez e sentimento”, explicou.

Miller lembrou que a abertura de spreads — de 12 pontos-base no índice CDI e de 30 pontos-base no índice de infraestrutura — mantém o mercado dentro de um padrão controlado, “longe dos gaps vistos na pandemia ou na crise da Americanas”. Ainda assim, alertou que os bancos erraram na precificação de ofertas primárias recentes, o que pode gerar pressão adicional.

“Isso criou um sentimento de que haveria deságio no secundário e mais abertura à frente”

— Alexandre Miller,gestor de crédito da JGP.

Ajuste é natural e reforça papel da diversificação

Na visão de Rodrigo Sgavioli, head de alocação da XP, o mercado de crédito vive um “momento tradicional de ciclo”, sem sinais de crise generalizada. “O Brasil passou por um ciclo de Selic elevada por mais de três anos. É normal vermos algum aumento de inadimplência ou reprecificação dos spreads”, afirmou.

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Sgavioli destacou que a reprecificação atual é “um movimento saudável” e recomendou aos investidores que evitem decisões precipitadas. “Recalibre sua exposição a crédito, diversifique setorialmente e conte com gestores profissionais para atravessar períodos de estresse”, aconselhou.

Para ele, o foco deve estar em preservar o capital no longo prazo.

“Quem mantém disciplina e gestão ativa passa por momentos de volatilidade sem comprometer o principal do portfólio”

— Rodrigo Sgavioli, head de alocação da XP.

Seletividade é a palavra de ordem

Ao final do episódio, Clara Sodré reforçou o recado principal: “A abertura dos spreads faz parte de um ajuste após um período de forte captação. O que diferencia os bons fundos agora é a seletividade”. Escolher bem os emissores, setores e prazos é o que determinará a performance daqui em diante.

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A analista lembrou que a gestão ativa continua sendo o caminho mais eficiente e seguro para navegar no mercado de crédito privado. “Movimentos de correção são desconfortáveis no curto prazo, mas naturais. O importante é manter a diversificação e confiar em quem está preparado para gerir em momentos assim”, concluiu.