O colapso invisível de Napoleão: DNA revela que doenças mataram mais que a guerra

Estudo mostra que tropas enfrentaram surtos simultâneos de infecções bacterianas durante invasão à Rússia; descoberta amplia compreensão sobre colapso militar de Napoleão

Marina Verenicz

Estátua de Napoleão, do escultor Charles-Pierre-Victor Pajol, construída em 1867, em Montereau-Fault-Yonne, na França Foto: SARAH MEYSSONNIER / REUTERS
Estátua de Napoleão, do escultor Charles-Pierre-Victor Pajol, construída em 1867, em Montereau-Fault-Yonne, na França Foto: SARAH MEYSSONNIER / REUTERS

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Mais de dois séculos depois da desastrosa campanha de Napoleão Bonaparte na Rússia, cientistas conseguiram identificar novas causas biológicas que contribuíram para o colapso do exército francês.

Um estudo publicado na sexta-feira (24) na revista Current Biology, e divulgado pela CNN Internacional, revelou que os soldados enfrentaram múltiplas doenças infecciosas, não apenas o tifo, como se acreditava até então.

Os pesquisadores analisaram amostras de DNA preservadas nos dentes de soldados encontrados em uma vala comum em Vilnius, capital da Lituânia, e detectaram duas bactérias até então não associadas ao episódio: Salmonella enterica, causadora da febre paratifoide, e Borrelia recurrentis, responsável pela febre recorrente.

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“Antes acreditávamos que o tifo havia sido o único responsável pela dizimação do exército de Napoleão”, explicou Rémi Barbieri, ex-pesquisador do Instituto Pasteur e atual integrante da Universidade de Tartu, na Estônia. “Mas encontramos indícios de um cenário bem mais complexo, com várias infecções agindo ao mesmo tempo.”

Colapso das tropas

Quando Napoleão iniciou a invasão da Rússia em 1812, seu exército contava com cerca de 500 mil soldados. Seis meses depois, apenas algumas dezenas de milhares retornaram à França. As mortes foram atribuídas às batalhas, ao frio extremo e à fome, mas as novas evidências indicam que as doenças também desempenharam papel decisivo.

Ao chegarem a Moscou, as tropas encontraram uma cidade vazia, plantações incendiadas e falta de alimentos e roupas limpas, um ambiente propício à propagação de infecções. “Foi um verdadeiro caldeirão de doenças”, resumiu Barbieri.

Tecnologia e descoberta

A pesquisa utilizou sequenciamento genético de alta precisão, capaz de identificar fragmentos de DNA extremamente degradados. Esse avanço tecnológico permitiu aos cientistas reconstruir o microbioma dos soldados e detectar patógenos invisíveis em estudos anteriores.

“Essas máquinas poderosas nos permitem compreender com muito mais clareza o cenário das doenças infecciosas do passado”, afirmou Nicolás Rascovan, supervisor do estudo e chefe da Unidade de Paleogenômica Microbiana do Institut Pasteur.

Apesar de a equipe não ter encontrado vestígios de tifo nas amostras analisadas, Rascovan ressaltou que a amostra pequena — apenas 13 indivíduos — não é suficiente para descartar a presença da doença em outras partes do exército.

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Lições para o presente

Para cientistas, o estudo vai além da curiosidade histórica. Ele mostra como o DNA antigo pode revelar interações entre guerras e epidemias e ajudar a compreender a evolução de patógenos que ainda circulam hoje.

“Estamos em um momento em que o DNA antigo nos oferece uma nova lente para enxergar a história”, avaliou Cecil Lewis, à CNN, pesquisador de microbiomas históricos da Universidade de Oklahoma. “Esses dados ajudam a entender como doenças evoluem e persistem, o que é vital para antecipar ameaças futuras.”

Atualmente, tanto a febre paratifoide quanto a febre recorrente ainda existem, mas são menos comuns e menos letais. Já o desastre de 1812 deixou um legado duradouro: o exército dizimado de Napoleão marcou o início de sua queda política e militar na Europa.

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“É impressionante ver como o avanço da tecnologia nos permite descobrir hoje o que era inimaginável há 20 anos”, concluiu Rascovan.