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Quando o OneFootball firmou a primeira parceria com Casimiro em 2022, o foco da divulgação tratava o streamer como a grande estrela. No banner do anúncio oficial ainda não havia qualquer menção à CazéTV.
Em 8 de outubro daquele ano, o criador fez uma transmissão ‘watch along’ ao vivo do clássico da Bundesliga entre Borussia Dortmund e Bayern de Munique.
Na contrapartida da colaboração, o OF passou a oferecer à sua base os jogos avulsos do Athletico como mandante no Campeonato Brasileiro por R$ 27,90. Essas partidas também eram exibidas na Twitch do Cazé.
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Pouco menos de três anos depois, a maior plataforma de futebol do planeta volta a fazer uma parceria com a CazéTV, agora um player totalmente consolidado na mídia digital. O reencontro confirmado há um mês, por sua vez, acontece em circunstâncias totalmente distintas para a empresa alemã.
De 2020 para cá, o OneFootball acelerou sua transformação para uma plataforma multiproduto e agregadora, enquanto os direitos foram relegados. Hoje, 98% do conteúdo do OneFootball é de terceiros.
A revelação foi feita por Yannick Ramcke, gerente geral de OTT da OneFootball, durante o Retention Zone LIVE 2025, realizado em Amsterdã há 15 dias.
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Essa transição de editor de conteúdo para agregador de plataformas permitiu que o OneFootball conectasse fãs de futebol a uma ampla gama de serviços, incluindo produtos, venda de ingressos, apostas e streaming OTT. É um modelo que processa mais de mil SKUs simultâneos em mais de 100 jurisdições.
Para entender como o D2C ganha escala e prospera na economia de assinaturas e do streaming, é preciso olhar dois pilares: distribuição (leia-se alcance ) e monetização do conteúdo ligado a produtores e detentores de direitos.
A busca por receita recorrente é quase um mantra que move o negócio, como repetiu Murilo Lima, diretor de parcerias do OF no Brasil e Portugal, durante a conversa que tive com ele e com Ramcke.
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Juntos, buscamos decifrar um sistema complexo e robusto, que tem o Brasil como segundo maior mercado global. O tamanho exigiu até a contratação da US Media para operar a máquina de anúncios.
Os highlights viraram moeda de valor
No fim do ano passado, o OneFootball devolveu os direitos de highlights em tempo real que havia negociado em 2022 com a Conmebol. Esse pacote com jogos da Libertadores, Sul-Americana e Recopa permite a exibição de gols e lances três minutos após acontecido no campo. Ele foi absorvido pela CazéTV.
O golaço de Flaco López para virar o jogo para o Palmeiras contra o River, na quinta (25), e que acumulava mais de 109 mil views no Instagram do canal menos de 12 horas após a classificação, é um destes momentos distribuídos a publishers brasileiros como CNN, Gazeta e Globo Esporte por meio do player de vídeo do OF.
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“Em vez de pegar conteúdo do YouTube, onde clube e publisher não ganham nada, eles preferem usar nossa solução”, explicou Lima.
O formato foi incorporado ao negócio a partir de 2020 após a aquisição [onefootball.com] da Dugout, uma plataforma agregadora de vídeos que tinha como clientes mais de 110 clubes mundiais. Entre eles, Real Madrid, Paris Saint-Germain, Barcelona, Flamengo e Corinthians.
A MLS entrou [mlssoccer.com] no portfólio de parcerias no ano passado, o que direciona o foco também para os EUA, e não só para a América Latina.
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Todos são sócios de um modelo que tem na divisão de receitas de publicidade sua principal engrenagem.
O motor publicitário
Com clientes como VEVO e Tinder, a US Media chega de vez no futebol através do OneFootball. A missão é maximizar a receita publicitária que será repartida entre todos os stakeholders que utilizam o player de vídeo da plataforma. Os percentuais exatos permanecem confidenciais.
Como bem colocou Bruno Belardo, VP de vendas da empresa, o novo cliente traz um ecossistema peculiar: o anunciante não está necessariamente no app do OF, mas encontra-se em uma rede esportiva que se conecta com vários publishers.
Em Amsterdã, Ramcke ressaltou a necessidade de uma estrutura tecnológica modular e robusta para gerenciar essa complexidade. A estratégia repousa sobre três pilares:
- Integração modular: conectar vários serviços de terceiros
- CRM robusto: gerenciar dados do usuário com eficiência
- Transferência de dados perfeita: fluxo entre sistemas D2C e B2B, pagamentos locais e parcerias
Além da ultra segmentação possibilitada por essa infraestrutura, Belardo destaca outro trunfo: o movimento editorial promovido pelo OF. A publicidade acompanha a jornada do torcedor, que começa 24 horas antes dos jogos.
Guilherme de Luca, Sales Director das Américas OF/US Media, detalha como essa rota vira um ativo de valor: o app dispara notificações durante todo esse período, destacando conteúdo relevante sobre a partida.
Só no pré-jogo entre Palmeiras e River, mais de 20 artigos relacionados ao confronto foram publicados na página customizada do clube.
E os números mostram a adesão: a cada dez usuários que se cadastram no OF, nove aceitam notificações push. Metade da base já interage com o app nas 24h que antecedem o jogo, estatística que salta para 75% durante a transmissão.
Alcance ou atenção? O dilema que redefine a guerra publicitária
Em 2025, a US Media prevê um faturamento de R$ 230 milhões, aumento de 35% em relação ao ano anterior.
No Brasil, o OneFootball registra 3 milhões de usuários únicos mensais no app, número que salta para 35 milhões/mês quando somadas todas as plataformas (web, CTV e player de vídeo).
Lima compara o OF a uma rede social verticalizada exclusiva para o futebol, pensada para o fã, onde ele encontra conteúdos somente sobre o tema.
Surge então a pergunta: a plataforma compete diretamente com as big techs pelo mesmo orçamento publicitário?
“Indiretamente, sim. O dinheiro é o mesmo e disputamos uma fatia. Mas diretamente, não! Quando uma marca anuncia em uma gigante como Meta ou Google, é como jogar uma pedra no oceano. Já em um nicho como o nosso, não há dispersão de atenção”, analisou Belardo.
Ou seja, é uma escolha que se resume a alcance amplo e disperso versus atenção segmentada e exclusiva.
Esse dilema entre visibilidade e eficiência é um desafio para propriedades esportivas globais. O foco da OF está na aquisição de usuários, e clubes e ligas usam a plataforma como ferramenta de CRM, criando um funil natural. Uma vez dentro do ecossistema, o objetivo é converter.
Um dado ilustra o potencial: 40% das vendas de categorias (ingressos, merchandising) ocorrem durante as transmissões das partidas.
Um novo modelo que desafia as emissoras
O acordo fechado com a Serie A em 2024 para distribuir conteúdo digital e OTT da liga italiana no Reino Unido e Irlanda em parceria com a TNT Sports consolidou-se como um caso de distribuição híbrida. O movimento reforça o posicionamento do OneFootball como plataforma D2C que apoia detentores de direitos.
Ramcke define o “Home of Serie A” como um exercício de branding. Trata-se de um produto para o “superfã”, operado pela própria liga (com todos os jogos fornecidos diretamente), disponível internacionalmente em paralelo aos acordos tradicionais com emissoras locais que transmitem apenas partidas selecionadas.
Outros exemplos na loja de canais da plataforma incluem Bundesliga Pass, UPL.TV e AFC Live.
“O conceito segue o modelo do NBA League Pass: um produto não exclusivo, operado diretamente pelos detentores dos direitos.”
Aqui ressurge o embate entre alcance e receita. Como destacou Ramcke, sejam ligas, clubes ou empresas de mídia, todos são agora broadcasters donos de conteúdo com os mesmos desafios: alcançar, engajar e monetizar audiência.
No curto prazo, o objetivo é reduzir a lacuna em relação às receitas de licenciamento tradicional, usando o acesso a dados identificáveis dos consumidores para negócios complementares como fantasy sports e merchandising.
O benchmark francês
Em agosto, a Ligue 1+ foi lançada com 600.000 assinantes no fim de semana de abertura, com preço de €14,99/mês (metade dos €29,99 anteriores do DAZN). O serviço precisa de 1 milhão de assinantes até o final da temporada e 2,5 milhões até o quarto ano para atingir as metas de receita.
O podcast Unofficial Partner descreveu o modelo de negócios como uma “batalha difícil”, uma vez que a liga combina os desafios da autoexploração dos direitos de mídia com a difícil economia do streaming OTT.
Entre os obstáculos apontados estão a ausência de um jogo-chave no sábado (transmitido exclusivamente pela beIN Sports) e restrições de distribuição como o Canal+.
Diante do benchmark europeu, o UP levanta questões: quais números de assinantes representariam um “sucesso” replicável por outras ligas, e quais configurariam um “fracasso” que as afastaria do modelo DTC (direct-to-consumer)?
Ao analisar o papel do DTC para ligas e federações no ecossistema do OneFootball, Ramcke posiciona os canais da plataforma como parte do mix de distribuição de um broadcaster. Ou seja, um canal com acesso à nova geração de fãs, que reduz barreiras de descoberta, custo e complexidade técnica.
“Os canais são um complemento para que um broadcaster ofereça um portfólio mais granular e capture uma fatia maior da curva de demanda do consumidor. Não existe mais modelo de ‘tamanho único’”.
DTC: complemento sim, aposta única não
Ramcke enxerga o DTC como uma escolha estratégica que depende de dois fatores: custo de oportunidade e utilidade real dos dados do cliente.
O primeiro ponto envolve um cálculo preciso: quando as taxas de direitos caem (como ocorreu com a Serie A no Reino Unido) ou quando se tenta incluir um serviço de streaming próprio sem reduzir o valor pago pelas emissoras (caso da NBA internacional). O segundo exige não só coletar informações, mas ter um plano para monetizá-las.
A previsão é que o DTC seja introduzido gradualmente como complemento aos acertos tradicionais, fechando aos poucos a lacuna de receita e dando mais poder aos detentores de direitos. Mas há um alerta:
“Adotar DTC exclusivamente hoje provavelmente não é sinal de um negócio saudável”.
É bom lembrar que o OneFootball foi um dos primeiros 1.000 aplicativos da App Store, em 2009, quando começou como uma empresa de publicação de mídia.
A história da empresa mostra que, à medida que o esporte se move para uma economia de dados e assinaturas, a tecnologia deixa de ser suporte e se torna a espinha dorsal do negócio.