Moraes vê Bolsonaro como chefe de organização e cita Abin como “célula clandestina”

Relator aponta que ex-presidente incentivou milícias digitais e manteve alinhamento com planos de Heleno e Ramagem para deslegitimar eleições

Marina Verenicz

Julgamentos da Ação Penal 2668 - Núcleo 1 (Manhã).   Foto: Gustavo Moreno/STF
Julgamentos da Ação Penal 2668 - Núcleo 1 (Manhã). Foto: Gustavo Moreno/STF

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O ministro Alexandre de Moraes reforçou nesta terça-feira (9) a tese de que Jair Bolsonaro (PL) atuou como chefe de uma organização criminosa responsável por articular a tentativa de golpe após as eleições de 2022.

Ao iniciar o voto de mérito no julgamento do ex-presidente e outros sete réus, Moraes afirmou que as provas reunidas mostram uma atuação estruturada desde 2021, com uso do aparato estatal, de auxiliares diretos e de campanhas de desinformação para corroer a confiança nas urnas.

“O réu Jair Messias Bolsonaro deu sequência a essa estratégia golpista estruturada pela organização criminosa, sob a sua liderança, para já colocar em dúvida o resultado das futuras eleições, sempre com a finalidade de obstruir o funcionamento da Justiça Eleitoral, atentar contra o poder Judiciário e garantir a manutenção do seu grupo político no poder”, disse o relator.

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Discurso replicado em 8/1

Para Moraes, Bolsonaro foi o principal incentivador das chamadas milícias digitais, que propagavam ataques ao Judiciário e ao sistema eletrônico de votação. Ele destacou que o discurso do ex-presidente em uma live de julho de 2021 foi idêntico ao entoado pelos manifestantes que invadiram a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

“O mesmo discurso que levou pessoas à prisão naquele dia foi antecipado pelo então presidente em transmissão pública, ao lado de seus ministros Anderson Torres e Augusto Heleno”, ressaltou.

A “célula clandestina” da Abin

Moraes também retomou os indícios da chamada Abin paralela, esquema de monitoramento ilegal sob comando de Alexandre Ramagem, ex-diretor da agência e hoje deputado. Segundo o ministro, a estrutura funcionou como “célula clandestina”, espionando quatro integrantes do STF — ele próprio, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli — além de parlamentares e jornalistas.

“Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro. É uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República”, afirmou Moraes, ao destacar diálogos entre Ramagem e Bolsonaro sobre as urnas.

O ministro citou ainda documentos apreendidos pela Polícia Federal que, em sua visão, comprovam a convergência entre as anotações de Augusto Heleno, os relatórios de Ramagem e as falas de Bolsonaro. “Convergência total”, resumiu.

Ao comentar esse alinhamento, Moraes fez referência ao fato de que Bolsonaro não compareceu ao julgamento, decisão justificada por seus advogados como recomendação médica.

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O julgamento em andamento

A Primeira Turma do STF, presidida pelo ministro Cristiano Zanin, retomou na terça-feira (9) a análise da denúncia contra o chamado “núcleo crucial” da suposta trama golpista, apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como responsável por articular medidas para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a eleição de 2022.

O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, rejeitou todas as preliminares arguidas pelas defesas e agora apresenta seu voto com relação ao mérito. O julgamento terá sessões extraordinárias até 12 de setembro.

Quem são os réus

Além de Bolsonaro, respondem na ação:
• Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor-geral da Abin;
• Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
 Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, candidato a vice-presidente em 2022.

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Os oito réus são acusados de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, parte das acusações foi suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.