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Embora seja cada vez mais tratada abertamente, a depressão ainda é cercada por conceitos errôneos, que vão do estigma à glamorização nas redes sociais.
Alguns grupos são ainda mais afetados por certos preconceitos, como os homens, os adolescentes e os idosos, preocupando especialistas. O psiquiatra Luiz Zoldan, gerente médico do Espaço Einstein de Saúde Mental e Bem-Estar, explica um pouco mais sobre como a doença é vivida tanto social quanto individualmente.
Hoje já se fala da depressão de forma mais aberta. O senhor acredita que a doença está deixando de ser um tabu?
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Não há dados que messam estigma populacional pós-pandemia, mas temos uma impressão subjetiva de que sim, há uma redução do estigma relacionado principalmente à depressão e à ansiedade, o que não parece ter acontecido com outros transtornos psiquiátricos, como o transtorno de personalidade borderline, bipolaridade, por exemplo. Acreditávamos que o legado da pandemia seria essa conversa mais aberta sobre saúde mental, que vem de fato acontecendo. Entretanto, a ainda percebemos, principalmente em locais como, por exemplo, o próprio mercado corporativo, que a principal barreira ao tratamento ainda é o estigma. Hoje as pessoas falam muito mais sobre o outro que teve a depressão, aquele colega que teve a depressão, mas falar sobre si, sobre os seus problemas, ainda parece um desafio, e ainda traz um prejuízo à busca pelo tratamento, porque esse é, no final, o principal problema do preconceito.
Esse preconceito às vezes está dentro do paciente mesmo, certo?
Há dois tipos de estigma: o social, que é como a sociedade enxerga, muitas vezes vendo a doença como falha de caráter, e o estigma internalizado, que é a forma como o indivíduo enxerga a doença. E esse estigma internalizado, que decorre do social, é um dos principais fatores que impede que a pessoa busque ajuda, porque acaba negando a doença. Então isso é um problema.
Há uma certa banalização? Uma ‘brincadeira’ de dizer que está em depressão?
Tem tanto uma banalização quanto também, num outro aspecto, uma glamorização, a espetacularização disso nas redes sociais. Gente tratando a depressão como se fosse o pior dos problemas do mundo e “nossa, eu superei”. Calma, né? Ninguém fala de quebrar o braço assim. A depressão pode ser muito grave, mas pode ser uma depressão leve, facilmente tratada e curada. A desinformação causada pelas redes sociais, tanto relacionada à banalização quanto à espetacularização também afetam as pessoas e o tratamento.
É importante também aceitar que certas tristezas fazem parte da vida, como um luto.
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Com certeza, né? Eu acho que a gente vem de um movimento de uma sociedade que escolheu a positividade tóxica como caminho, infelizmente. E isso está relacionado às redes sociais e a essa publicização de tudo. E atrapalha, realmente, o tratamento. Por quê? Quando a gente tem essa demanda social por estar sempre bem, sempre feliz, sempre com prazer, esse imediatismo nosso… Isso tudo traz uma pressão por algo que é inatingível. Ninguém tem prazer a todo tempo. E aí isso faz com que a gente tenha dificuldade de criar estratégias para lidar com a frustração. E a função da tristeza e da frustração é justamente essa. Nos ajudar a construir estratégias, ferramentas, aumentar a nossa resiliência, o nosso arsenal. A gente precisa aprender a tolerar as frustrações, a lidar com a tristeza do dia a dia. Ninguém vai estar 100% bem a todo tempo.
Um assunto que está em alta hoje é a depressão nos homens. O estigma é ainda maior entre eles?
Sim, nos homens, o estigma é ainda maior. E isso é bastante comprovado e corroborado por literatura científica. O que acontece? As mulheres já têm uma tradição maior de autocuidado e de falar sobre sentimentos. É mais aceito também socialmente que a mulher fale sobre as suas emoções. O que, de fato, não acontece tanto com os homens. Ele tem que ser forte, tem que dar conta, tem que ser o arrimo. Apesar de a nossa sociedade estar mudando isso ainda faz com que o homem acabe sendo mais vítima deste estigma social. Porque ele carrega aí uma marca, uma imagem de que tem que dar conta e de que não pode adoecer.
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Quais as consequências disso na prática?
As mulheres têm mais tentativas de suicídio, mas os homens têm mais suicídios efetivados. Eles tentam com mais agressividade e com mecanismos mais letais, muitas vezes, de forma mais agressiva e impulsiva. O que também, aparentemente, é algo característico da biologia masculina. Então, essa coisa de saúde mental ou depressão como fraqueza de caráter pega, sim, mais para o homem. Eles chegam menos aos consultórios, buscam menos ajuda e mais tardiamente. Por isso, também, essa gravidade maior dos casos nos homens. O que não significa que as mulheres não sejam mais submetidas do que os homens a uma sobrecarga mental, claro, enfrentando dupla, tripla rotina, machismo estrutural, fazendo com que tenham mais estresse para lidar.
A depressão acontece de forma diferente para os homens?
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Tem uma questão de características biológicas distintas. Na mulher, os sintomas se confundem muito com questões relacionadas a ciclo menstrual, menopausa, disforia pré-menstrual, o que não acontece nos homens. Os homens chegam muito mais com queixas como falta de energia, cansaço. Enquanto as mulheres chegam mais com tristeza, choro, eles vêm por essa via do cansaço, do esgotamento. O homem não pode dizer que está triste, porque o homem não pode dizer que tem sentimentos negativos. É mais tolerável dizer que está exausto, que não aguenta mais.
Temos falado muito da questão da saúde mental dos jovens. Está havendo um aumento no diagnóstico de depressão em adolescentes?
Sim, um aumento inclusive maior proporcionalmente do que acontece nos adultos. As duas faixas etárias que têm um aumento epidemiológico mais abrupto, são adolescentes e idosos. Adolescentes acredita-se que muito por essa questão das redes sociais e da diminuição do contato social. Tem um estudo que mostra que crianças de décadas atrás eram expostas a 15 mil horas de interações sociais, em média, ao longo da adolescência. Essas interações faziam com que elas desenvolvessem habilidades socioemocionais. As crianças de hoje são expostas a 1.500 a 5.000 horas de interação social, o que faz com que elas tenham muito mais dificuldade de desenvolver essas habilidades e vivam presas às telas. E as telas são, justamente, um outro fator que faz com que desenvolvam esse imediatismo, essa necessidade de prazer constante. Assim há aumento de diagnósticos, de casos, e aumento do suicídio. Não é que antes os adolescentes sofriam da mesma forma e não eram diagnosticados. Eles não sofriam da mesma forma. Eles sofrem muito mais hoje.
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O senhor falou também da depressão em idosos.
Sim, há um aumento da epidemiologia na depressão e principalmente no suicídio entre idosos, principalmente por uma questão relacionada à solidão. Também à falta de uma rede de proteção, de uma garantia de cuidado e proteção que tem feito com que esses idosos desenvolvam mais problemas relacionados a transtornos de humor, principalmente depressão. A gente aumenta a longevidade para chegar num ponto em que se mata porque não tem sentido continuar.