Stellantis, da Fiat e Jeep, investe em matérias-primas na América do Sul para garantir a produção de carros no futuro

Primeiro passo da empresa na estratégia de verticalização foi dado em fevereiro, com compra de participação em mineradora de cobre na Argentina

Mariana Amaro Raquel Balarin

Antonio Filosa, presidente-executivo da Stellantis para a América do Sul. (Foto: Leo Lara/Studio Cerri/Divulgação)

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A Stellantis, quarto maior grupo automotivo do mundo e fabricante de marcas como Fiat, Jeep e Peugeot, está colocando em prática uma nova estratégia para a América do Sul: a verticalização das suas operações, com investimentos que podem chegar à produção de matérias-primas. O primeiro passo nesse sentido foi dado há pouco mais de um mês, com a aquisição de uma fatia de uma mineradora na Argentina. Outras operações de verticalização, inclusive no Brasil, devem ser anunciadas ainda no primeiro semestre.

“Nosso negócio é automotivo, mas precisamos assegurar o fornecimento da matéria-prima”, diz Antonio Filosa, presidente-executivo do grupo para a América do Sul, ressaltando a importância da região na produção dos materiais básicos.

Os planos são grandes para a América do Sul. O valor de investimentos da companhia para a região é de R$ 16 bilhões entre 2018 e 2025. Serão 43 lançamentos de veículos no período 2021 a 2025. Nos dois primeiros anos (2021 e 2022) já foram feitos 24 e há previsão de outros 12 este ano. A marca Fiat, por exemplo, que tinha carros para o segmento de entrada e picapes, começa 2023 com dois modelos SUV, o Fastback e o Pulse.

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Além da operação automobilística, fazem parte do plano de investimentos os novos negócios na cadeia de valor. Na Argentina, que registrou recentemente inflação superior a 100% ao ano, a montadora optou por investir US$ 155 milhões na compra de uma participação de 14,2% na McEwen Copper, uma mineradora de cobre no país. “Isso é importante para o futuro da empresa”, diz Filosa, em entrevista ao InfoMoney.

O cobre é um material estratégico para a produção de veículos elétricos que, segundo estimativas do setor, podem carregar até 80 quilos do minério. Com o investimento, a Stellantis garante a cobertura de sua própria demanda e abre espaço para novos negócios. “Queremos assegurar a nossa cota de cobre primeiro e olhar o mercado para o futuro”, diz Filosa.

Com o investimento, a Stellantis passou a ser a segunda maior acionista da mineradora argentina e deu mais um passo em direção ao seu plano de descarbonização que, na maior parte do mundo, prioriza veículos elétricos.

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No Brasil, o cenário é outro. “Aqui, os custos impedem que exista um carro de entrada 100% elétrico. E o Brasil já tem a indústria do etanol. Por isso, nosso foco será nos híbridos, combinando o etanol e o elétrico”, afirma, sem dar uma data específica para lançamentos.

Para colocar o plano em prática, Filosa tem buscado conversas com fornecedores de etanol e busca defender uma agenda em torno da produção nacional. Em outra frente, visitará, nesta quinta-feira (6), uma grande usina de cana-de-açúcar de São Paulo. Além disso, a empresa está acompanhando um grande projeto de mineração de lítio em Minas Gerais, mais de 80 na Argentina e outros nove no Chile. “O Brasil é uma potência e a América do Sul é o berço do futuro. No final, estamos atentos a toda possibilidade de verticalização do ponto de vista estratégico, para assegurar as matérias-primas que precisamos”, diz.

A matriz energética brasileira, em que se destacam os biocombustíveis e a energia gerada por fontes renováveis, é uma vantagem competitiva do Brasil. Em testes realizados pela Stellantis em parceria com a Bosch, foi constatado que, quando considerado o saldo total de emissões do ciclo energético completo, o veículo movido a etanol no Brasil apresenta vantagens inclusive na comparação com um veículo elétrico abastecido com energia gerada na Europa. Na conclusão, o etanol reduz em mais de 60% a pegada de carbono do automóvel na comparação com veículo movido a gasolina. “O resultado coloca o Brasil na frente do debate de descarbonização na cadeia de mobilidade”, diz.

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Corrida elétrica

A Stellantis não é a única do setor automotivo em uma corrida para garantir os componentes que precisa para a produção dos veículos elétricos. A montadora, em conjunto com a BMW, estaria em negociações com a Panasonic para construir fábricas para veículos na América do Norte. Enquanto isso, a GM anunciou, em fevereiro de 2023, um investimento de US$ 650 milhões em um projeto de mineração de lítio nos Estados Unidos. Já a Tesla, do bilionário Elon Musk, estaria sondando a mineradora brasileira Sigma Lithium, com produção no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.

Esses investimentos em verticalização aparecem ao mesmo tempo em que Stellantis, Hyundai, Volkswagen e GM anunciam paralisação de produção para ajustar o volume à demanda e à oferta de componentes.

As rupturas no fornecimento de uma série de peças e materiais afetam a indústria em nível global desde meados de 2021, como uma das consequências da pandemia que desarranjou as cadeias logísticas. Segundo a AutoForecast Solutions (AFS), 1,25 milhão de automóveis deixaram de ser fabricados no mundo por falta de componentes. A verticalização, portanto, seria uma forma de mitigar esse risco no futuro.

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A rota da Stellantis

A Stellantis reúne marcas centenárias, mas é uma empresa nova: foi desenhada em 2020 e nasceu em 2021, da união de dois grandes grupos, PSA e FCA, e agrega 14 marcas entre Fiat, Alfa Romeo, Chrysler e Peugeot até Citroën, Maseratti e Jeep (8 delas em operação na América do Sul). “Com a união das empresas, buscamos sinergias em todos os pontos. Um exemplo foi o uso de motores GSE Turbo no Peugeot 208, que levou a um aumento nas vendas”, diz Filosa. Para o executivo, as sinergias e a busca de eficiências industriais têm contribuído para minimizar o impacto de um cenário macroeconômico de juro alto e de alto endividamento dos consumidores.

Líder no mercado nacional com um market share de 34%, a montadora planeja um lançamento por mês para 2023 e têm alta expectativa. “O ano começou ruim, mas março já veio com números mais fortes. Esperamos que, se abril e maio mantiverem essa tendência, teremos um ano bom”, afirma Filosa.

Com três fábricas no país, a Stellantis, também vai investir na reciclagem de veículos. Até o fim do ano, segundo Filosa, um projeto de do tipo será oficializado no Brasil, inclusive para reciclar produtos de concorrentes. O novo negócio não tem o objetivo específico de geração de receita – ainda–, mas pode ajudar a compor o caixa da montadora.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.