CVM anuncia novas regras para fundos com efeito direto para investidores; o que vai mudar na prática?

Para os investidores de varejo, mudanças envolvem principalmente a responsabilidade dos cotistas e a flexibilização da alocação no exterior

Bruna Furlani

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Após um ano difícil com captações negativas para os fundos de investimentos no Brasil, a virada de ano pode reservar boas novas para investidores pessoas físicas que preferem aplicar em produtos com a gestão de um profissional por trás. O motivo está nas alterações anunciadas nesta sexta-feira (23) pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que prometem mudanças na regra geral de fundos de investimento com a chegada da instrução CVM 175 – que entra em vigor no dia 3 de abril de 2023.

Na prática, a regra vai abarcar – de forma mais ampla – os fundos de investimentos e transformar em anexos a instrução CVM 555, que trata sobre fundos de investimento em geral, e a instrução CVM 356, que aborda especificamente sobre fundos que aplicam em direito creditório (FIDCs).

Para os investidores de varejo, as maiores mudanças envolvem três temas: a responsabilidade dos cotistas, a flexibilização da alocação no exterior, além da liberação do investimento em FIDCs para investidores de varejo.

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André Mileski, sócio da área de fundos de investimentos do escritório Lefosse, explica que, se o patrimônio líquido do fundo, porventura, ficar no negativo, o investidor não será mais obrigado a fazer aportes adicionais, como ocorre hoje. “É um conceito parecido com o investimento em sociedades, em que a exposição do investidor, como regra geral, está limitada ao capital subscrito”.

Para isso, o regulamento do produto deve dizer que a responsabilidade do cotista estará limitada ao capital subscrito. Ou seja, se o investidor  se comprometeu a alocar R$ 1 mil em determinado fundo, o capital que ficará comprometido dele é de R$ 1 mil, mesmo se o fundo quebrar e declarar insolvência.

Na avaliação de Carolina Oliveira, coordenadora de análise de fundos da XP, a nova regra busca equiparar a regulação brasileira com práticas já feitas atualmente no mercado internacional. “Lá fora, o fundo declara insolvência e os cotistas têm responsabilidade limitada. Eles não são pegos de surpresa”, conta.

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Outra alteração envolve a flexibilização para que os fundos locais invistam no exterior. Atualmente, produtos voltados para o varejo só podem alocar até 20% do patrimônio no exterior, enquanto opções voltadas para investidores qualificados (que possuem mais de R$ 1 milhão investido) estão autorizadas a alocar até 40% do capital no exterior. Com a nova regra, os fundos para investidores de varejo poderão ter estruturas em que é possível aplicar até 100% do capital no exterior, observa Mileski.

Mudanças também com a liberação do investimentos em FIDCs por parte de investidores de varejo. Atualmente, a alocação em fundos do tipo só é permitida para investidores qualificados, na maior parte dos casos, e para profissionais (com mais de R$ 10 milhões em aplicações financeiras), no caso de FIDCs não padronizados.

“O grande diferencial é a possibilidade do investidor menor, de varejo, ter acesso a estruturas mais sofisticadas de investimento”, afirma. “Os FIDCs entram como um investimento alternativo [na carteira]”, completa o sócio do Lefosse.

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Na prática, os FIDCs funcionam como um investimento em renda fixa que aplica em créditos a receber de uma empresa. Um exemplo simples é a “venda”, com algum nível de desconto, dos valores a prazo que uma loja tem a receber. Como as companhias têm dívidas, os recebíveis são convertidos em títulos de valores futuros, que são repassados a um fundo de investimento por meio de securitização.

Carolina, da XP, lembra que os FIDCs têm captação positiva neste ano, ao contrário de outros fundos da indústria, como multimercados e ações. No acumulado de janeiro até o dia 14 de dezembro, os depósitos líquidos (descontados os resgates) nos FIDCs chegam a R$ 26 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A especialista da corretora afirma que uma das grandes vantagens do produto é que FIDCs oferecem uma estrutura de proteção subordinada. Ao aplicar no fundo, a maior parte dos investidores passa a deter uma cota sênior, que tem preferência no recebimento de juros, amortizações e no valor de resgate. Já os donos das cotas subordinadas, que costumam ser adquiridas pela empresa que origina os recebíveis, é que tendem a assumir um maior risco, em caso de inadimplência.

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“Ou seja, o investidor não é o primeiro colchão de segurança do fundo. Tem sempre uma primeira ponta que pode ser afetada se ocorrer um evento de crédito”, argumenta Carolina.

Para Ricardo Binelli, sócio-diretor da Solis Investimentos, gestora de recursos especializada em FIDCs com mais de R$ 12 bilhões sob gestão, outra grande vantagem dos FIDCs está na baixa oscilação. A razão, explica, é que a volatilidade está mais concentrada nas cotas subordinadas. Logo, quem adquire cotas seniores acaba sofrendo menos com a variação de preços.

Na visão do gestor, o crescimento desses produtos está associado ao aumento da oferta de crédito por instrumentos não-bancários, ou seja, da desbancarização, que tem sido bastante incentivada pelo Banco Central.

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Binelli acredita que o patamar de juros mais elevado, juntamente com o aumento da oferta de crédito via mercado de capitais, e o aumento da demanda com a liberação para investidores de varejo, ajudam a tornar as perspectivas bastante positivas para esses tipos de fundos nos próximos meses.

Outras mudanças nas regras

Para além de alterações com foco nos investidores de varejo, a nova regra apresenta mudanças para administradores e gestores por meio de uma minuta que trata sobre a prestação de serviços essenciais. Nesse caso, uma das implicações é que a contratação de outros prestadores não ficará a cargo apenas dos administradores.

Carolina, da XP, afirma que hoje o ônus fica canalizado na figura do administrador e que isso deve mudar com a minuta. A profissional explica que agora as responsabilidades de contratação vão ser divididas. “Na prática, a mudança traz o gestor para também ser protagonista do processo”, resume.

Mileski, do escritório Lefosse, vai na mesma linha e acredita que o gestor ganhará mais responsabilidade. Para ele, outro benefício da nova regra é que a atuação de cada um dos participantes ficará mais clara do ponto de vista regulatório.

Ele explica que, no passado, muitas instituições financeiras optaram por deixar o cargo de administrador porque toda a responsabilidade recaía sobre elas. Com a medida, casas que saíram do mercado poderão retornar.

Outra novidade está na possibilidade de criar uma única estrutura contemplando diversas classes e subclasses, de forma que um mesmo fundo tenha diferentes estratégias, sem que uma interfira no patrimônio da outra.

Mileski, do Lefosse, explica que, atualmente, quando o investidor aloca em um fundo multimercado, ele possui uma cota que dá direito a ter uma parte de todo o patrimônio do fundo, independentemente de qual seja o ativo.

Com a nova regra, seria possível poderia segregar o patrimônio e criar subclasses de fundos. Ou seja, o investidor poderia ser cotista do multimercado, mas garantir que só iria correr o risco da parte de renda fixa do fundo. “Isso diminuiria custos e ofereceria a possibilidade de que o cliente optasse por correr apenas determinado risco, o que daria flexibilidade maior ao fundo e ao investidor”, completa o executivo do Lefosse.

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Criptoativos

O novo marco regulatório divulgado hoje pela CVM também cita os criptoativos e os inclui na definição de ativo financeiro, ou seja, produtos que podem fazer parte do portfólio de um fundo de investimento – desde que respeitados alguns critérios.

“Desde que negociados em entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou pela CVM, ou, em caso de operações no exterior, por supervisor local”, diz o documento. “[As entidades devem possuir] competência legal para supervisionar e fiscalizar as operações realizadas, inclusive no que tange a coibir práticas abusivas no mercado, assim como a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa”, completa o texto.