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O que a economia dos anos 1980 pode ensinar sobre hoje

Cenário em que o Banco Central americano eleva juros parece estar no horizonte — e o impacto no Brasil pode ser significativo
Por  Felippe Hermes
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Em junho de 1981, o Federal Reserve, o banco central americano, fez aquilo que hoje parece impossível. A instituição elevou a taxa de juros americana para 21,5% ao ano, em um dos momentos mais dramáticos da economia mundial.

Até pouco tempo antes, economistas acreditavam que inflação e desemprego possuíam uma correlação negativa. Ou seja, quando o desemprego cresce, a inflação cai.

A lógica é que com mais pessoas desempregadas haverá menos consumo. O problema, como sempre, foi a realidade, que insiste em ser diferente dos modelos.

O surgimento da chamada “estagflação”, que combina estagnação econômica com inflação elevada, assombrou os EUA, que decidiram então promover um ajuste severo.

A alta de juros por lá começou em 1979, em meio ao segundo choque do petróleo, quando a Revolução Iraniana fez o preço do barril sair de US$ 15 para US$ 60 em questão de meses (considerando valores atuais).

Paul Volcker, o presidente do Fed, foi o responsável pelo ajuste, e ele se tornaria um dos mais celebrados nomes da política monetária. Volcker foi “duro” no combate à inflação.

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Mais duro ainda seria o impacto no Brasil e no restante da América Latina.

Por aqui, a farra de crédito dos anos 1970 fez o governo brasileiro se endividar para realizar investimentos em indústrias como química e siderúrgica.

O país virou um canteiro de obras. De norte a sul, hidrelétricas, indústrias, rodovias e pontes, como a Rio-Niterói, foram erguidas com dinheiro estrangeiro. Em uma dessas obras, a de Itaipu, a previsão é de que devemos terminar de pagar em 2023.

Com o ajuste por lá, e os juros em alta, a dívida brasileira foi se tornando salgada.

Entramos por aqui em um pesado ajuste, ainda no fim da ditadura militar, que impôs uma desvalorização da moeda. O intuito era garantir que as exportações crescessem as custas do consumo interno, além de diminuir as importações.

O plano “deu certo”, em partes, pelo menos até o México declarar sua moratória em 1983 e o restante do mundo olhar para o Brasil com desconfiança.

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O termo “década perdida” surgiu justamente no México, e teve remakes por toda região.

Por aqui, ele virou sinônimo de baixo crescimento e do início da hiperinflação.

Foi, ao menos até a década de 2010, o período de menor crescimento na história brasileira.

Nossa dívida externa, que era de US$ 3 bilhões em 1964, chegaria aos US$ 100 bilhões em 1987. Um legado que atormentou o país nos anos seguintes.

Como em todos os casos, é possível dizer que a política brasileira pautada em endividamento tenha sido a causa. A decisão de Volcker foi apenas a fagulha que gerou a crise.

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Dizer o contrário seria como culpar o garçom pelos excessos de um cliente alcoólatra. Não fomos obrigados a nos endividar e construir grandes obras.

Para além da mera moral histórica, é importante notar o papel que os juros americanos exercem no mundo.

De maneira simplificada, quando a taxa de juros americana sobe, fica mais atrativo levar o dinheiro para lá. Por sua vez, isso drena recursos de países emergentes, ou ainda, obriga os emergentes a elevarem seus juros para “competir” pelos dólares.

É uma situação bastante “injusta”, se é que essa palavra se aplica na economia entre países.

Os EUA imprimem dinheiro, desvalorizando os dólares ao redor do mundo e atraindo bens e produtos que demandam trabalho. Quando a inflação cresce, o mesmo Fed aumenta os juros, levando os dólares de volta para o país.

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Deixando a discussão moralista de fato, é inegável que a política de juros do governo americano voltará a ter impacto no Brasil.

O Fed sinalizou que deve subir os juros ao menos três vezes em 2022. Além disso, a previsão é de que entre em ação o Quantitative Tightening, uma expressão que pode ser traduzida como “sugar recursos de volta”.

Se, ao longo dos últimos 13 anos, o Fed expandiu seu balanço criando dinheiro novo, a ordem agora deve se inverter. O BC americano prevê diminuir o seu total de ativos e passivos, drenando recursos do mercado.

O impacto disso nas Bolsas é imediato. Os juros, porém, têm impacto a longo prazo.

Com a economia atordoada por duas recessões próximas uma da outra, a “grande depressão” de 2015/2016 e a pandemia em 2020, o Brasil se encontra hoje em um cenário que faz forte alusão aos anos 1980.

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Como cereja do bolo, temos ainda as tensões eleitorais.

São inúmeros fatores que, em teoria, deixariam qualquer Investidor assustado. Afinal, a possibilidade de uma nova recessão em 2022 não é pequena (uma hipótese ainda mais provável com a alta de juros iniciada em 2021 pelo BC do Brasil).

Na outra ponta, porém, há a boa e velha ideia da “profecia auto-realizável”: a ideia de que algo possa acontecer leva isso a de fato acontecer.

A Bolsa brasileira muito provavelmente já precificou estes problemas, da mesma maneira que o mercado americano há anos aposta em uma contração por parte do Fed.

Isso explicaria os motivos de a Bolsa por aqui estar barata, em torno de sete vezes o lucro das empresas contra cerca de 20 vezes no final do ano.

Convém estudar a história para entender as possibilidades, mas não abstrair da realidade por completo.

Para os “gringos”, esse cenário, e mesmo a instabilidade política, tem representado uma oportunidade. Enquanto o investidor brasileiro foge para a Renda Fixa, os investidores estrangeiros bateram recorde de investimentos por aqui em 2021.

Nesse caso, a lição histórica é de que muito provavelmente o caminho será turbulento. Mas, sabendo as causas, não será tão difícil se prevenir.

Felippe Hermes Felippe Hermes é jornalista e co-fundador do Spotniks.com

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