MPT de SP ajuiza ação para que Uber, 99, Rappi e Lalamove reconheçam vínculo empregatício de seus motoristas no país

Para procuradores do trabalho, empresas do ramo vêm fazendo "manipulação de jurisprudência" para não registrar prestadores de serviço; Uber nega prática

Dhiego Maia

Logo do aplicativo da Uber em celular (Shutterstock)

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GONÇALVES (MG) – O Ministério Público do Trabalho de São Paulo ingressou com uma ação para que a Justiça exija de 99, Uber, Rappi e Lalamove o reconhecimento de vínculo empregatício aos motoristas e entregadores de mercadorias vinculados aos aplicativos no país.

A ação do MPT engrossa um movimento que busca, pela via judicial, o vínculo trabalhista de prestadores de serviço no segmento de transporte de passageiros e mercadorias por app no país.

Levantamento do órgão aponta a existência de ao menos 625 inquéritos civis em tramitação pelo país e outras oito ações civis públicas ajuizadas na Justiça do Trabalho sobre a obrigatoriedade do vínculo trabalhista. Ações semelhantes já obtiveram sucesso nas instâncias do Judiciário do Reino Unido e do estado americano da Califórnia, por exemplo.

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Os procuradores do trabalho pedem, na ação ajuizada nesta segunda-feira (8), que os aplicativos garantam o registro na carteira de trabalho aos profissionais sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, em cada constatação.

Também são exigidos os demais direitos securitários e previdenciários, além da melhoria das condições de trabalho dos profissionais que exercem a atividade.

No caso dos motoboys, a referida ação também pede à Justiça do Trabalho de São Paulo o controle de jornada de trabalho para a proteção da vida da categoria diante de um trânsito cada vez mais violento.

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Para José Lima, procurador-geral do Trabalho, há uma relação de trabalho, não convencional, com vínculo empregatício, no segmento de aplicativos de transporte. “É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho”, diz.

Tadeu Henrique Lopes da Cunha, titular da Conafret (Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho), afirma que as empresas do ramo têm construído em seu favor um posicionamento jurisprudencial mediante “a proposição de acordos manipulatórios”.

Segundo Cunha, as decisões favoráveis às empresas são maiores em número do que as contrárias a elas por causa da formalização de acordos judiciais que impedem o revolvimento da matéria pelas instâncias judiciais trabalhistas, o que coloca obstáculos à formação de jurisprudência contrária a seus propósitos.

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Cunha, que também é procurador do Trabalho, vê dois movimentos nos processos: as decisões favoráveis e estratégicas às empresas formam jurisprudência. As desfavoráveis, em alguma das fases de tramitação processual, são substituídas por acordos homologados judicialmente e sem o reconhecimento do vínculo de emprego.

Pandemia

O MPT-SP também destacou em suas alegações que, ao longo da pandemia de Covid-19, os motoristas e entregadores de mercadorias continuaram na função, apesar dos riscos de contaminação envolvidos.

O órgão afirmou que as empresas do setor “não forneceram, de forma suficiente, insumos para higienização das mãos e máscaras de proteção.

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“Tampouco ofereceram apoio financeiro de forma a permitir o isolamento necessário dos trabalhadores integrantes dos grupos de risco ou daqueles que se contaminaram, em prejuízo aos trabalhadores e à sociedade consumidora”, disse o MPT-SP.

O Ministério Público do Trabalho salientou que, durante a pandemia, o ajuizamento de 12 novas ações civis públicas nas esferas trabalhistas da Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Fortaleza abriram investigações contra as empresas por supostas irregularidades na vigência da crise sanitária.

Entregador do Rappi (Divulgação)
Entregador do Rappi (Divulgação)

O que dizem as empresas

O Rappi informou ao InfoMoney que não se posicionaria sobre a ação judicial interposta pelo MPT-SP. A 99 disse que se manifestaria por meio da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), da qual é associada.

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A Amobitec informou, por nota, que os apps fazem uma intermediação entre consumidores, estabelecimentos comerciais e profissionais parceiros, motoristas e entregadores que atuam de forma independente e sem a subordinação trabalhista às plataformas.

“Na contramão da ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, a grande maioria desses profissionais têm repetido que não deseja ter vínculo com uma plataforma”, disse a entidade, ao citar os resultados de uma pesquisa sobre o tema.

“Segundo o Instituto Locomotiva, dois em cada três entregadores preferem o modelo de trabalho autônomo e flexível ao registro em carteira, resultado semelhante ao identificado em estudo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento com motoristas”, afirmou a associação.

A Abimotec também salientou que as decisões proferidas tanto pelo Tribunal Superior do Trabalho, como pelo Superior Tribunal de Justiça já afirmaram, em diferentes processos, que “os parceiros de aplicativos são autônomos, sem vínculo de emprego com as plataformas”.

A Lalamove afirmou que não foi formalmente notificada pelo MPT-SP e tomou ciência da ação por meio da imprensa. “A empresa reitera seu compromisso com a verdade, as autoridades locais e com seus motoristas parceiros, e permanece à disposição para compartilhar toda e qualquer informação solicitada”, disse.

A Uber afirmou que também não teve acesso à ação e, assim que for notificada, apresentará todos os elementos necessários “para demonstrar que as alegações e pedidos do MPT-SP são baseados em entendimento equivocado sobre o modelo de funcionamento da empresa e da atividade dos motoristas parceiros”.

Segundo a Uber, diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo “sólida jurisprudência” sobre o fato de não haver relação de emprego entre o aplicativo e os motoristas parceiros. “Em todo o país, já são mais de 1.450 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber”.

Sobre a afirmação do MPT-SP de que a Uber está entre as empresas que fazem “manipulação da jurisprudência”, o app disse que tal afirmação não se sustenta. “Do total de ações contra a Uber finalizadas até 2020, cerca de 10% resultaram em acordos, índice que representa menos da metade da média de toda a Justiça do Trabalho no mesmo ano (23%)”, afirma a Uber ao citar, como fonte dos dados, o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça.

O resultado de um julgamento recente, da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a Uber, afirma a empresa. No entendimento do colegiado, o profissional de app pode “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quiser” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejar”.

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Dhiego Maia

Subeditor de Finanças do InfoMoney. Escreve e edita matérias sobre carreira, economia, empreendedorismo, inovação, investimentos, negócios, startups e tecnologia.