PEC dos Precatórios: após acordo, Câmara instala comissão especial com relator governista

O relator Hugo Motta (Republicanos-PB) prometeu "dialogar de forma excessiva" com as partes envolvidas no processo e trabalhar com "prazos mínimos"

Marcos Mortari

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) no plenário da Câmara (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

Publicidade

SÃO PAULO – A Câmara dos Deputados iniciou, nesta quarta-feira (22), os trabalhos pela comissão especial criada para analisar a Proposta de Emenda à Constituição que trata dos precatórios (PEC 23/2021) – dívidas do poder público com decisão judicial definitiva. O texto foi encaminhado pelo governo federal em agosto e já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Na primeira sessão, os membros indicados pelas bancadas elegeram o deputado Diego Andrade (MG), líder do PSD na Casa, como presidente do colegiado. O parlamentar designou Hugo Motta (PB), líder do Republicanos, como relator da proposta, que, pelo regimento, terá um prazo de 10 a 40 sessões para apresentar seu parecer. A comissão tem 34 membros titulares e igual número de suplentes.

Os parlamentares têm até 10 sessões para protocolar emendas à proposta, sendo necessária a coleta de ao menos 171 assinaturas para que as sugestões de modificações possam tramitar e ser apreciadas pelos congressistas. O outro caminho seria o convencimento do relator de incluir as alterações em seu substitutivo – já que o relator pode realizar as mudanças que desejar até o momento da votação do texto.

Continua depois da publicidade

Depois de superada a análise na comissão especial, o texto ainda precisa seguir para o plenário, onde depende do apoio de pelo menos 3/5 dos deputados (ou seja, 308 dos 513) em dois turnos de votação. Caso aprovada, a PEC segue para o Senado Federal, onde é submetido a outros dois turnos de votação em plenário, com a mesma exigência proporcional de quórum (49 dos 81 senadores).

Se aprovada sem modificações, a PEC é finalmente promulgada pelo Congresso Nacional, sem possibilidade de veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Se houver alterações de mérito, o texto volta à Câmara dos Deputados. Ao contrário do que ocorre em outros tipos de proposição, para que emendas constitucionais entrem em vigor, é necessário que as duas casas legislativas votem o mesmo texto.

A escolha de Andrade e Motta representa uma vitória para o governo federal, tendo em vista a boa interlocução como os dois líderes. O movimento também indica poder de influência do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sobre o processo.

Continua depois da publicidade

Caso os trabalhos na comissão especial se arrastem, existe a possibilidade de Arthur Lira antecipar a tramitação, trazendo o texto direto para o plenário. No entanto, dada a complexidade da matéria, este é considerado um caminho menos provável pelos congressistas.

Em seu primeiro discurso como relator, Hugo Motta prometeu “dialogar de forma excessiva” com as partes envolvidas no processo e trabalhar com “prazos mínimos”. A ideia dele é apresentar já na próxima terça-feira (28) o plano de trabalho.

“Estamos tratando de um tema extremamente sensível. Desde que o governo apresentou essa PEC à casa, sabemos o quanto isso teve de repercussão, seja no mercado e com a preocupação principal que pautará nossa relatoria, que é podermos resolver o problema das famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social”, afirmou.

Publicidade

“Esse será nosso principal foco, respeitando a segurança jurídica que nosso país precisa, não perdendo a credibilidade que nosso país tem. Ou seja, procuraremos aqui defender uma proposta que não coloque em xeque a credibilidade do Brasil. Nós queremos poder garantir, através do nosso relatório, o espaço fiscal necessário para que a gente possa estender a mão do governo a quem precisa”, complementou.

Acordo construído

Ontem (21), o governo e o Congresso Nacional acertaram uma proposta para solucionar o pagamento de precatórios em 2022, em encaminhamento diverso ao do parcelamento originalmente proposto pela equipe econômica.

A saída, anunciada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estabelece um “subteto” para tais despesas – que no ano que vem seria de R$ 39,9 bilhões. O excedente passaria por um processo de negociação extrateto, ao passo que o montante em que não haveria acordo seria adiado para 2023.

Continua depois da publicidade

A proposta de criação de um limite específico para o pagamento de precatórios, anualmente reajustado pela inflação acumulada (como as demais despesas sujeitas ao teto de gastos), vinha sendo costurada por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas travou em meio à percepção de risco de insegurança jurídica.

Pelo entendimento, haveria até sete possibilidades de negociação das dívidas judiciais que seriam roladas para o ano seguinte (o que significa que poderiam ser pagos fora do teto de gastos, havendo consenso entre as partes):

Segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, a ideia é que todos os pagamentos feitos dentro dessas alternativas ocorram à margem do teto de gastos. Na prática, a medida permitiria a ampla negociação dos precatórios. Caso não haja acordo entre as partes, o pagamento será feito no Orçamento dos anos seguintes, respeitando a regra fiscal.

Publicidade

“Haveria alternativas [para o saldo não pago dentro do limite] inseridas na PEC, que seriam possibilidades de encontro de contas, de compensações, de realização com ativos, de negociação entre partes”, afirmou Pacheco após a reunião com Lira e Guedes ontem.

“Essa liquidação nessas modalidades não significaria romper o teto de gastos públicos, porque seriam alternativas fora do Orçamento corrente e da despesa corrente que tem a limitação do teto de gastos”, disse.

O que está em jogo?

A PEC dos Precatórios foi encaminhada há mais de um mês pela equipe econômica ao Congresso Nacional e passou a ser uma das prioridades em termos de agenda legislativa do ministro Paulo Guedes. O texto é parte da estratégia para liberar recursos orçamentários no ano que vem e viabilizar a execução de políticas públicas.

Integrantes do governo argumentam que as despesas com precatórios deverão sofrer um crescimento real (ou seja, acima da inflação) de 102% de 2018 a 2022. As despesas sairiam, em um intervalo de 12 anos, do patamar de 11% de todos os gastos discricionários do governo para 90%. Ou seja, sobraria pouca margem de manobra para os gestores alocarem recursos.

Os gastos oriundos de sentenças judiciais estão estimados em R$ 89,1 bilhões no ano que vem, um salto de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021 ‒ montante que consumiria quase toda a “sobra” projetada para o teto de gastos por conta do descasamento de indexadores inflacionários. O que levou Guedes a chamar as despesas de “meteoro” para as contas públicas.

Desde que foi informado sobre o montante projetado para 2022, o governo vem estudando alternativas para restringir o impacto da explosão dos precatórios sobre o orçamento público. É nesse contexto que surge a polêmica PEC 23/2021, que abre novas possibilidades de parcelamento dessas dívidas em que não é mais possível recorrer na Justiça.

A Constituição Federal já prevê situações específicas para o parcelamento dos precatórios. Tal possibilidade, no entanto, está condicionada a precatórios com valores superiores a 15% do montante de precatórios apresentados.

Neste caso, 15% do valor desses precatórios poderá ser pago até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos cinco exercícios subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária, ou mediante acordos diretos, com redução máxima de 40% do valor do crédito atualizado, “desde que em relação ao crédito não penda recurso ou defesa judicial e que sejam observados os requisitos definidos na regulamentação editada pelo ente federado”.

Mas integrantes da equipe econômica argumentam que as regras hoje são “inócuas”, já que enquadrariam apenas dois precatórios em 2022. Com a PEC, eles falam em “modernizar” o dispositivo criando regras adicionais para o parcelamento, reduzindo a pressão de tal despesa para a gestão orçamentária.

A proposta preserva as chamadas requisições de pequeno valor (RPVs), que sempre estariam fora do parcelamento e seriam pagos à vista de forma integral. Integram o grupo peças que não ultrapassem 60 salários mínimos (ou seja, R$ 66 mil).

Na outra ponta, os chamados “superprecatórios” poderiam ser pagos em dez parcelas, sendo 15% à vista e o restante em parcelas anuais. O montante seria corrigido pela taxa Selic (o que também provocou críticas, já que nem sempre o indicador cobre os impactos da inflação), hoje fixada em 5,25% ao ano. Integram este grupo peças com valor superior a 1.000 vezes 60 salários mínimos (ou seja, R$ 66 milhões).

O restante dos precatórios, localizados na faixa intermediária entre os de pequeno valor e os “superprecatórios”, estariam sujeitos a uma regra temporária, que irá até 2029. Neste caso, seria permitido o parcelamento quando a soma desses precatórios superar 2,6% da receita corrente líquida da União nos 12 meses anteriores à apresentação pelo Judiciário.

O texto também prevê a criação de um fundo de Liquidação de Passivos da União, cujos recursos poderão ser utilizados para pagamento da dívida pública federal interna e externa e o pagamento antecipado de precatórios parcelados.

Ao longo da tramitação da PEC será possível observar o que será preservado da proposta original do governo e em que medida os parlamentares exigirão alterações na nova solução costurada nesta semana.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.