Questões políticas, econômicas e sanitárias: os desafios de Tóquio para sediar a Olimpíada

Cerimônia de abertura está marcada para o dia 23 de julho; realização do evento divide opiniões e prejuízo é grande

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Depois de muitas idas e vindas, os Jogos Olímpicos de Tóquio vão começar. A cerimônia de abertura está marcada para o dia 23 de julho, mas as competições serão iniciadas dois dias antes, com provas de softbol e futebol.

O pontapé inicial será, na verdade, um arremesso inicial, já que a primeira disputa será entre Austrália e Japão no softbol às 9h do dia 21 (21h do dia 20 no Brasil). Com ele, o grande desafio do governo japonês em levar adiante o evento dentro de condições nunca experimentadas, uma aposta política e econômica que só o tempo vai dizer se valeu a pena ou não.

A organização caminhava normalmente desde 2013, quando Tóquio foi escolhida como sede. O novo Estádio Olímpico, por exemplo, foi emblematicamente inaugurado no dia 1º de janeiro de 2020 abrigando a final da Copa do Imperador de futebol. Foi erguido no mesmo lugar do antigo, utilizado nos Jogos Olímpicos de 1968.

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Passadas algumas semanas, porém, tudo começou a mudar. Notícias vindas da China davam conta de uma nova ameaça à saúde pública, ainda chamada de novo coronavírus, e em 11 de março a Organização Mundial da Saúde declarou a já denominada Covid-19 como uma pandemia.

Logo a crise sanitária se mostraria a mais grave desde a da gripe espanhola do final dos anos 1920 e a manutenção do calendário dos Jogos ficou inviável. Não houve outra saída a não ser adiar o evento esportivo em um ano.

Passado esse tempo, a Olimpíada que caminhava em velocidade de cruzeiro rumo a um sucesso absoluto criou imprevistos de grande envergadura. Vale dizer que os Jogos nunca haviam sido adiados. Cancelados, sim, três vezes por conta das duas grandes guerras. A de 1940, inclusive, seria em Tóquio.

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O primeiro grande desafio foi o custo, aumentado em US$ 3 bilhões para bater na cifra de US$ 15,4 bilhões, o dobro os US$ 7,5 bilhões previstos lá em 2013. Parte desse montante poderia ser coberto com a venda de ingressos, porém, a receita precisou ser abdicada quase que por completo.

Primeiro foram vetados torcedores estrangeiros, depois, já a poucos dias do início das competições, o veto praticamente total já que o governo se viu forçado a voltar a capital e mais algumas localidades a um estado maior de restrições por conta da dificuldade em conter a transmissão do coronavírus.

Sendo assim, por ora, há aberta ainda apenas a possibilidade de público local na Paralimpíada, ainda assim com restrição de 10 mil pessoas ou 50% da capacidade das arenas, o que for menor. A receita estimada com ingressos era de quase US$ 5 bilhões.

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Importante ressaltar, porém, que a empresa controladora da NBCUniversal, a Comcast, concordou em pagar US$ 4,38 bilhões pelos direitos de mídia dos Estados Unidos para quatro Olimpíadas, de 2014 a 2020, e a Discovery Communications, controladora do canal de televisão Eurosport, fechou por € 1,3 bilhão a transmissão para o Velho Continente dos Jogos de 2018 a 2024. Há, ainda, cotas de patrocínios vendidos a 60 empresas japonesas em um total de US$ 3 bilhões.

Aposta política

O abalo que a pandemia causou nos Jogos não se resume ao campo econômico. Há, também, consequências políticas de difícil previsão. A começar pela popularidade das autoridades, como a do chefe do governo, o primeiro-ministro Yoshihide Suga.

Ele assumiu o cargo em agosto do ano passado, após renúncia de Shinzo Abe por conta de uma doença inflamatória intestinal. Certamente Suga terá dificuldades em colher frutos dos Jogos, já que ele enfrenta insatisfações dos dois lados. Seja da grande maioria, cerca de 70% em abril, que se posicionou contra a realização, seja daqueles que queriam assistir às competições in loco, mas não poderão mais.

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Segundo a imprensa japonesa, a intenção de Suga seria apostar no argumento de que organizar a Olimpíada e a Paraolimpíada representaria o triunfo da humanidade sobre a pandemia. Porém o estado de emergência que foi obrigado a decretar a menos de quinze dias do início dos Jogos praticamente enterra o discurso.

Além disso, os casos de coronavírus na capital e sede do evento insistem em permanecer em patamares altos para os padrões deles. Na quarta-feira (14), exata uma semana antes do início das disputas, Tóquio reportou 1,148 novas infecções, maior número desde 13 de maio.

A cerimônia de abertura, um dos pontos mais marcantes do esporte como um todo, vai passar longe de representar qualquer renascimento da humanidade. Serão menos de mil pessoas que vão sumir em meio ao Estádio Olímpico e sua capacidade para quase 70 mil espectadores.

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A resistência aos Jogos não dá descanso ao governo. Duas semanas antes da abertura, um grupo de quatro cidadãos buscou na Justiça um mandado de segurança para interromper os Jogos argumentando que a manutenção viola o direito de viver garantido constitucionalmente.

A petição exige o cancelamento dizendo que os organizadores não oferecem garantias de que o evento possa ser realizado de forma segura. A iniciativa ganhou repercussão e até uma coletiva de imprensa foi realizada para que os quatro pudessem detalhar o movimento jurídico.

Um deles, Satoshi Horiuchi, disse ser que a vida é mais importante do que uma medalha de ouro, “por isso quero pressionar (os organizadores) para que cancelem os Jogos”. Se obtiverem o improvável sucesso, vão impor perdas de US$ 16,4 bilhões, ou 0,33% do PIB, segundo recente relatório do Instituto de Pesquisa Nomura.

Do outro lado da moeda, dentre aquelas que querem os Jogos, também há muita frustração, mas com o confirmado veto à presença de público. “Estou muito desapontado”, disse Masamichi Tamai, morador de Tóquio que tinha entradas para cinco eventos, incluindo atletismo e tênis.

Kyoko Ishikawa, outro residente da capital japonesa, expressou decepção após ser sorteado para a compra de bilhetes do wrestling. “É uma pena (meus planos) terem sido interrompidos, apesar de o local ser tão perto de casa. Deve haver algo que possamos fazer juntos porque são as Olimpíadas. Eu gostaria de pensar em uma forma de apoiar (os atletas) online com pessoas de todo o mundo”, acrescentou.

E assim seguem os inéditos Jogos Olímpicos de Tóquio, já na história por serem únicos diante do contexto mundial imposto pela pandemia. Os problemas, econômicos, políticos e sanitários, acumularam-se no curto espaço de um ano e ainda deixam incertas as consequências nas três áreas.

No dia 23 de julho, após cinco anos e com a provável honorável presença do imperador Naruhito, os Jogos serão oficialmente abertos. Resta saber como ele deixará o Japão. Se renascidos, repetindo a história recente de um país marcado pela resiliência, ou sucumbido por um vírus que já mostrou causar danos sistêmicos, não apenas ao corpo humano.

**Por André Rossi

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