Teich: “Percebi que não teria a autonomia necessária”; veja os destaques da oitiva na CPI da Pandemia

Em 6 horas de depoimento, ex-ministro expõe divergências com Bolsonaro em relação à cloroquina, mas evita críticas ao presidente

Marcos Mortari

O ex-ministro da Saúde Nelson Teich em oitiva na CPI da Pandemia do Senado Federal (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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SÃO PAULO – O ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestou depoimento, nesta quarta-feira (5), à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado Federal, que investiga ações e omissões do governo federal no enfrentamento à Covid-19 e o uso de verbas federais na crise sanitária.

A sessão marcou a segunda oitiva do colegiado com autoridades convocadas e ocorre na data em que estava previsto depoimento do general Eduardo Pazuello – sucessor do oncologista no comando da pasta –, que, por ter alegado contado com duas pessoas diagnosticadas com Covid-19, teve participação adiada para 19 de maio.

Antes de Teich, os senadores ouviram o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Veja os destaques do depoimento.

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Durante a sessão, Teich, ouvido na condição de testemunha, afirmou que pediu demissão do Ministério da Saúde menos de 30 dias após assumir o cargo por não ter tido autonomia para realizar as ações que julgava necessárias no enfrentamento ao novo coronavírus.

Segundo o médico oncologista, a situação ficou evidente nas divergências com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao uso da cloroquina no tratamento de pacientes com a doença. Interpelado pelos senadores, ele narrou uma série de episódios em que o mandatário defendeu a ampliação do uso do medicamento sem eficácia científica comprovada – o que ele era contra.

“As razões da minha saída são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19″, afirmou.

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“Enquanto minha convicção pessoal, baseada nos estudos, de que naquele momento não existia evidência de eficácia para liberar, existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, e até do Conselho Federal de Medicina, que, naquele momento, autorizou a extensão do uso. Isso foi o que motivou minha saída”, complementou.

Teich citou episódio em que Bolsonaro disse que o ministro da Saúde precisava estar “afinado” com ele. Ele lembrou ainda de notícia sobre uma fala do presidente a empresários defendendo a necessidade de expansão do uso da hidroxicloroquina, para além de casos graves de Covid-19. E, por fim, aponta live em que o mandatário diz esperar que a ampliação ocorresse no dia seguinte.

“Aquela sequência mostrou que eu não teria autonomia para conduzir [o ministério]. Não havia sentido eu continuar. E até em respeito ao presidente, à posição dele, ele que me colocou lá, ele que foi eleito pela sociedade, era até uma posição natural… O natural, já que não havia autonomia, e isso era pré-requisito básico para eu continuar, na minha opinião, naquele momento, o certo seria eu sair”, pontuou.

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Ao contrário do antecessor, Luiz Henrique Mandetta (ouvido na véspera pela comissão), Teich evitou críticas diretas a Bolsonaro. O ex-ministro, porém, deu novas evidências da defesa do presidente ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da Covid-19 e apresentou justificativas para sua oposição à postura.

Durante a sessão, Teich tratou das estratégias adotadas no Ministério da Saúde para o enfrentamento da crise sanitária durante sua curta passagem, opinou sobre políticas de distanciamento social e a contestada tese da imunidade de rebanho a partir de um número crescente de infecções, analisou a situação das vacinas e comentou a atuação de Eduardo Pazuello como secretário-executivo da pasta.

Veja as principais falas por temas:

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1. Estratégias
“Durante minha gestão, iniciamos um programa de controle de transmissão, que previa dois projetos, iniciados no período em que estive: um programa de testagem e um que avaliava distanciamento. A ideia era a elaboração de um protocolo nacional que realmente trabalhasse a transmissão – os países que realmente tiveram sucesso no controle foram aqueles que, de início, controlaram a transmissão. E a ideia era mesmo trabalhar a parte de testagem, isolamento, rastreamento. Isso envolveria não só o Ministério da Saúde, mas outros ministérios. Também discutimos o início da revisão do diagnóstico e tratamento da doença – e aí não estou falando do tratamento com remédio, mas em oxigênio e começar precocemente fisioterapia… Estabelecemos um programa de visita aos hospitais e às cidades para entender exatamente o que estava acontecendo no lugar e entender a realidade, não só da situação da doença mas dos profissionais de saúde. A gente promoveu medida de auxílio a estado e município, habilitação de leito, fornecimento de respiradores e EPIs, liberação das verbas. No âmbito da vacinação, trouxe a vacina de Oxford, da AstraZeneca, para o Brasil, através dos estudos clínicos. Comecei a abordagem com a empresa Moderna e fiz uma conversa inicial com a Jansen, para iniciar a etapa de estudo também”.

“Há três blocos na parte da transmissão. Uma coisa são os suscetíveis, infectados e recuperados – com a variante, você pode ter um problema, porque o recuperado pode voltar a ser suscetível. Mas a outra coisa é: o que está acontecendo hoje e nas próximas duas semanas é uma consequência da transmissão que já aconteceu. Daqui pra frente, você vai ver, em algum momento nas semanas futuras, que o que fizer hoje vai fazer a diferença. O distanciamento é importante. São três coisas fundamentais: o tempo que a pessoa transmite; durante o tempo em que ela transmite, quão intensa é a transmissão – e a variante pode ser mais transmissível; e com quantas pessoas ela interage. Quando você faz a restrição, você diminui o contato, e naturalmente faz os casos e mortes caírem. O problema prático é como você consegue sair disso? E aí temos uma opção agora, que é a vacina, mas está um pouco lenta”.

“Enquanto a gente não tinha vacina, a minha sugestão na época era justamente um controle da transmissão, que envolveria testagem, isolamento, rastreamento, quarentena. Qual é o problema prático? Você precisa ter não só um sistema de saúde funcionando, mas um sistema social que consiga abraçar as pessoas que não conseguem se afastar. Esse isolamento é necessário, ele trava os casos e as mortes, diminui a carga do sistema, mas esse planejamento não é simples. (…) O ideal hoje é: enquanto você faz o isolamento, começa a vacinar. Em algum momento, você tem uma proteção e consegue sair do distanciamento. (…) O que é inegável é que, quando você só tem a opção do distanciamento e da máscara, essa é a opção que tem que seguir”.

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“Temos que fazer escolhas [em relação ao investimento na capacidade de desenvolvimento de vacinas], não há uma coisa certa ou errada. Quando você depende da China ou da Índia, onde tem 90/94% do seu insumo ou equipamento vindo de lá, você naturalmente fez uma escolha econômica, porque achou que deste lugar vai trazer mais barato e isso vai liberar recurso para você usar em outras áreas da saúde. Quando você tem uma situação como essa, você vê o risco que é depender tanto de um país, de outros países. Qual é nossa estratégia? Qual é o equilíbrio ideal entre desenvolver no Brasil e buscar maximização do custo? Essa é uma decisão que vai ter que ser tomada. Mas isso, para mim, é uma decisão que é uma escolha estratégica que o país tem que tomar”.

2. Vacinas
“Não [havia medida em andamento para a produção ou importação de vacinas no período em que estive no cargo]. A vacina podemos separar em três pontos: 1) os estudos clínicos, quando está começando o desenvolvimento dela; 2) quando há produção e começa a ter uma venda antecipada; 3) quando há os resultados e já se sabe que ela funciona. No meu período, não havia ainda vacina sendo comercializada. Era o começo do processo da vacina, e foi quando eu trouxe a vacina da AstraZeneca para o estudo ser realizado no Brasil, na expectativa de que tivéssemos uma facilidade na compra futura”.

“Realmente começamos um mês depois, tivemos algumas coisas que foram ruins, porque tivemos aquele atraso da AstraZeneca em relação àquele erro que cometeram na Inglaterra, quando deram metade da dose e fizeram parar o estudo – isso atrasou a liberação do medicamento. E houve um período em que as vacinas eram compradas sob risco. Como acontece? Há um momento em que você não sabe se a vacina funciona, mas compra a dose no risco de, se ela não funcionar, poder perder aquilo. Nesse período, os países mais ricos investiram pesado na compra. O número que vi na mídia foi que os Estados Unidos investiram US$ 18 bilhões. Isso equivale a mais ou menos R$ 100 bilhões. Se olharmos o Orçamento do Ministério da Saúde para 2021, que é de R$ 131 bilhões, dá para ver a diferença de poder que os países têm para tentar antecipar e entrar nesse tipo de contrato de risco. Acho que vale a pena entrar no contrato de risco, mas são cenários. Depois, quando as vacinas já têm os resultados, tem muitas doses já compradas, e, quando você entra comprando, vai para o final da fila. Isso vai explicar por que temos tanta dificuldade neste momento de receber as doses compradas – fora todas as incertezas”.

“Neste momento, pela Organização Mundial da Saúde, há quatro vacinas em fase 4. Mas temos que atentar que, só em fase 3, há 26 vacinas. E essas vacinas mais novas já vão sendo preparadas para as novas variantes. Temos que entender que a mesma incerteza que tínhamos lá atrás temos hoje. Então, hoje, a gente tem que parar e ver também as vacinas que estão sendo desenvolvidas, além das que temos, porque pode ser que elas podem ser as melhores opções no futuro”.

“Eu acredito que sim [seria possível ter acesso a mais vacinas do que o Brasil dispõe hoje], se tivéssemos entrado nas compras de risco. (…) São duas coisas distintas. Uma é o consórcio Covax Facility, que a gente poderia ter adquirido doses em maior quantidade. E a outra é a fase em que você pode fazer compras no risco, em que, se a vacina não der certo, você perde. Esse tipo de posição acho que tem que ser uma posição Brasil, porque é um grande volume de dinheiro que você coloca no risco. (…) Mas a gente, tendo uma estratégia mais focada em vacina, provavelmente teríamos tido mais vacina. Essa é a minha posição. Mas temos que lembrar que as vacinas demoravam, em média, 10 anos para serem desenvolvidas, a mais rápida levou quatro, e o que aconteceu com a Covid foi totalmente fora do padrão. Mas acho que, em uma estratégia em que a gente tivesse foco na vacina, provavelmente teríamos um acesso maior e mais precoce à vacinação”.

“O contrato original com a AstraZeneca, se não me engano, é um contrato de risco”.

3. Medicamentos sem eficácia comprovada
“Se aconteceu alguma coisa, foi fora do meu conhecimento (sobre produção de cloroquina por parte do laboratório clínico e farmacêutico do Exército)”.

“Eu tinha uma posição muito clara em relação não só à cloroquina, mas a qualquer medicamento. Não sou a favor ou contra um medicamento”.

“Que eu vivi naquele período, a gente nem falava de cloroquina”.

“Nunca me foi passado que estava sendo distribuída cloroquina para a população indígena. Se aconteceu a distribuição sem eu saber, ela pode ter acontecido, mas nunca sob a minha orientação. Minha orientação era contrária”.

“É uma conduta que, para mim, tecnicamente é inadequada. Isso não é para a cloroquina, é para qualquer medicamento. Existe uma metodologia para você incorporar um medicamento. (…) O que eu colocava era que, se tivesse que se estudar ou fazer algum medicamento, que isso deveria ser feito através de estudo clínico. No estudo clínico, as pessoas são monitoradas de perto. Até o estudo nos hospitais era mais seguro. Quando você extrapola isso para o ambulatório, esse nível de cuidado normalmente, se não for em um estudo clínico, não é acompanhado”.

“É um medicamento que tem efeitos colaterais de risco. O problema era a gente não ter ainda dados concretos do benefício, mas essencialmente a preocupação do uso indevido. Isso vale para qualquer medicamento. Era mais uma discussão de condução do que do remédio especificamente”.

“Não sei dizer por que os médicos prescrevem já que existe hoje, dentro das instituições de referência mundial, um consenso em relação aos medicamentos. Não posso falar por eles, mas eu colocaria como inadequada ou errada essa prescrição”.

“O presidente tem a posição dele de defender a cloroquina. Eu saí em função disso e ele mantém a posição dele”.

“Na prescrição médica em que você compra o remédio, embora eu questione a posição técnica, isso é um direito do paciente, seja por que motivo for, comprar o remédio. Quando você fala em dinheiro público e como a gente não tem volumes grandes de recursos comparados ao que a gente precisa, aí acho que você não pode usar em coisas que você sabe que não funcionam”.

“Em relação ao uso off-label (fora da bula), a gente não pode misturar as coisas. Uso off-label é aquela situação em que você vai usar, embora não esteja na bula. Mas isso só se aplica em remédios sabidamente que funcionam. (…) Um grupo neutro tem que avaliar tecnicamente a metodologia desses estudos. Há instituições que são referência mundial e eu me baseio nelas. Ainda mais quando essas instituições conduzem para a mesma orientação, fico mais confortável e seguro em segui-la”.

4. Tratamento
“Naquele momento, a gente não tinha uma droga específica para Covid. A minha preocupação, na época, era justamente tentar antecipar, de alguma forma o tratamento. (…) Existia uma ideia, o tempo todo, de tentar fazer um diagnóstico mais precoce possível, para poder começar a tratar com coisas que podiam funcionar – e aquilo, obviamente, sempre baseado em acompanhamento e avaliação clínica”.

5. Eduardo Pazuello
“Ele foi indicado para mim pelo presidente [ao cargo de secretário-executivo]”.

“Embora ele não tivesse a experiência em Saúde, eu contava que, sob a minha orientação, ele executasse de forma adequada o que fosse definido na minha estratégia e planejamento”.

“Eu parei para pensar, ouvi o que ele tinha para falar, ouvi da experiência dele, ouvi os pontos que ele colocou. Me pareceu que, naquele momento, em que eu precisava de uma agilidade muito grande na parte de distribuição (…), que ele poderia atuar bem. Agora, o fato de tê-lo nomeado não significa que ele iria continuar caso não performasse bem”.

“Naquele momento, o mais importante para mim era conseguir atender aos estados e municípios as dificuldades que eles viviam diante da pandemia. Estava relacionado à distribuição e obtenção dos EPIs, dos respiradores. (…) A qualificação dele era como alguém que tinha experiência em estruturar operações complexas rapidamente”.

“Ele contribuiu, fez o papel dele [enquanto secretário na pasta]”.

“Na posição de ministro, acho que seria mais adequado um conhecimento maior sobre gestão em Saúde”.

“O Pazuello entrou na secretaria-executiva, mas as outras secretarias foram mantidas em nível técnico. Eu tinha uma preocupação grande de que o trabalho que havia sido iniciado fosse continuado”.

“Se ele tivesse sido imposto [para o cargo de secretário-executivo pelo presidente], eu saía com uma semana em vez de um mês”.

6. Interferência de Bolsonaro
“Isso não. A única coisa que tinha uma discussão era sobre a cloroquina. Nunca teve uma coisa específica sobre tentar interferir no que eu fazia”.

7. Saída do ministério
“As razões da minha saída são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19. Enquanto minha convicção pessoal, baseada nos estudos, de que naquele momento não existia evidência de eficácia para liberar, existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, e até do Conselho Federal de Medicina, que, naquele momento, autorizou a extensão do uso. Isso foi o que motivou minha saída”.

“Com a experiência que tive na gestão, com a formação que tinha, achei que era uma pessoa que tinha o preparo para conseguir conduzir o país na pandemia e depois dela – e é uma honra você poder ajudar seu país, principalmente em um momento tão difícil. Era uma combinação de eu achar que tinha o preparo e a condição e o momento que achei que ajudar o Brasil seria uma coisa importante”.

“Eu diria que, ao final, percebi ao longo daquele período, que eu não teria a autonomia necessária para conduzir como acreditava que fosse a forma mais correta”.

“Se existiu alguma tentativa de interferência [de Bolsonaro nos trabalhos da pasta], pode ter sido essa [ampliação do uso da cloroquina]”.

“Naquela semana [que culminou no pedido de demissão], teve uma fala do presidente na saída do [Palácio da] Alvorada, onde ele (Bolsonaro) fala que o ministro tem que estar afinado e cita meu nome especificamente. Na véspera, teve uma reunião com empresários em que ele fala que o medicamento ia ser expandido. À noite tem uma live onde ele coloca que espera que no dia seguinte vá acontecer isso, uma expansão do uso. E aí, no dia seguinte, eu peço minha exoneração”.

“Aquela sequência mostrou que eu não teria autonomia para conduzir. Não havia sentido eu continuar. E até em respeito ao presidente, à posição dele, ele que me colocou lá, ele que foi eleito pela sociedade, era até uma posição natural… O natural, já que não havia autonomia, e isso era pré-requisito básico para eu continuar, na minha opinião, naquele momento, o certo seria eu sair”.

“Eu não tinha autonomia e liderança. Em situações como a Covid, em que você tem uma situação Brasil, você precisa de liderança e coordenação”.

8. Isolamento social
“Economia e saúde não são coisas distintas. Quando você avalia uma sociedade e o nível de saúde dela, há o cuidado em saúde, mas também o que são as determinantes sociais da saúde: economia, educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas. Uma ou duas décadas atrás, achava-se que a educação era o principal fator de saúde de uma sociedade. E a economia é um fator muito importante para a sociedade. O que aconteceu que eu achei que foi muito ruim? A economia foi tratada como dinheiro e empresa, e a saúde como vidas, sofrimento e morte. Mas, na verdade, tudo é gente. (…) Quando você tem um atraso econômico, esses problemas vão acontecer mais na frente, você vai ter problemas ligados à educação, à economia, a recurso financeiro das famílias, e é muito difícil medir isso. E no presente você tem as mortes, o sofrimento, tudo. É muito difícil você comparar os dois impactos, embora eles existam. Então, quando você discute distanciamento, você não está discutindo distanciamento de dinheiro ou liberar a economia, você está falando da vida das pessoas”.

“A economia e os determinantes sociais da saúde têm que ser percebidos como coisas que vão afetar a vida das pessoas, a mortalidade, uma série de coisas. É difícil medir isso. O que sempre tentei trazer era isso: quando falava em economia, eu falava em pessoas, não falava em dinheiro ou empresa. Isso que eu queria dizer que era uma coisa só”.

“O que tínhamos que fazer era um programa em que a gente trabalhasse distanciamento como uma das ferramentas de uma estratégia de redução da transmissão. Teria testagem, teria o distanciamento, que seria ajustado de acordo com as necessidades, e, além disso, tem que ter o rastreamento, quarentena de contato. Esse tipo de estratégia foi o que deu mais certo [no mundo]”.

“Essas medidas de testagem, isolamento, rastreamento e quarentena se aplicam em qualquer momento”.

“Esse programa em que temos que buscar de isolamento, testagem, rastreamento, é importante que, mesmo que não tenha sido feito antes, que seja feito agora. Porque, quando os casos começarem a acabar, nada impede que surja uma outra variante, você não sabe o que vai acontecer e pode voltar para o momento inicial”.

“A gente fala em testagem em massa… Os lugares que tiveram melhor resultado… Só para vocês terem uma ideia: Taiwan fez 23 mil testes por milhão, o Brasil fez 217 mil. São dados de hoje. Esses lugares fizeram pouco teste. Então, na verdade, não é o teste que faz diferença, é um programa de controle da transmissão, da qual o teste faz parte. É a forma correta de usar, dentro de um ciclo de controle, que vai fazer a diferença. Isso vale para qualquer dia, inclusive para hoje. Felizmente, as curvas parece que estão diminuindo no Brasil, e é a hora de você ficar mais atento ainda, porque nunca sabemos se surge uma variante nova, o que pode estar acontecendo no futuro próximo”.

9. Imunidade de rebanho
“Essa tese de imunidade de rebanho, onde você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina, e não através de pessoas sendo infectadas. Isso não é um conceito correto. O que acabou acontecendo é que você teve nos lugares uma sobrecarga do sistema, porque você teve muito mais casos do que o sistema podia receber. É mais um item que deixa claro como é importante estar preparado gerencialmente para poder enfrentar uma pandemia”.

10. Uso de máscara
“Em relação ao uso de máscara e à postura do presidente, naturalmente minha posição é diferente, porque a proposta ali era outra. Agora, naquele momento, o que estou fazendo ali é uma política, tentando construir uma forma de condução. Então, neste momento, estou fazendo o que acho correto que é tentar buscar essa condução e forma de levar aquela situação naquele momento. Mas, obviamente, minha posição em relação ao distanciamento e em relação à máscara é clara. Existe uma necessidade de usar máscara, de fazer distanciamento em situações em que você tem um aumento de transmissão”.

11. Deficiências do sistema
“Qual é o problema que você tem quando tem uma pandemia como a Covid? Ela sobrecarrega o sistema, e eles não são feitos para trabalharem com ociosidade, eles são feitos para trabalharem com eficiência. Por isso que o controle da transmissão é tão importante. Se você deixa os casos crescerem, começa a ter dificuldade. Países com grande qualidade de cuidado, como o Japão, tiveram isso. O sistema de saúde brasileiro foi se ajustando ao longo de anos e governos. Não foi uma coisa que aconteceu da noite para o dia. O sistema não consegue se preparar da noite para o dia para se preparar para uma pandemia quando é sobrecarregado”.

“Tem que ser um enfrentamento Brasil, não só Ministério da Saúde. Porque temos pessoas pobres, pessoas que vivem em locais aglomerados no seu dia-a-dia, várias pessoas que vivem em um único cômodo em um lugar com pouco espaço… Quando você faz um programa desses, é um programa que vai envolver você fazer o teste, você vai ter que isolar, vai ter que dar condição para quem não tem de se isolar, vai ter que rastrear, talvez tenha que fazer uso da telefonia para conseguir acompanhar quem esteve do lado, para fazer quarentena. É muito complexo conseguir fazer um sistema funcionar a ponto de regredir significativamente as mortes que tivemos. Nosso sistema foi eficiente? Não. Por que posso dizer isso? Porque sei que alguns tiveram muito sucesso. Agora, é óbvio que, em condições ideais, a realidade seria diferente. Talvez um dos grandes momentos que temos hoje, a CPI, é a gente mapear as fragilidades e ineficiências do sistema para que a gente consiga enfrentar situações futuras. Nada é mais importante do que estar preparado. Ninguém consegue estar preparado da noite para o dia para uma situação como esta”.

“Não é só dinheiro que faz diferença, é a eficiência com que o sistema funciona. Hoje, o país que mais gasta com saúde são os EUA e eles tiveram um cenário muito ruim. Se pegar Luxemburgo, o país mais rico do mundo em termos de PIB per capita, chegamos a ter 1.260 mortes. Por que estou falando isso? É uma combinação de recurso financeiro, obviamente, mas com eficiência na condução do sistema”.

12. Autorização para ampliação do uso de cloroquina pelo Conselho Federal de Medicina
“Acho que é uma postura inadequada [a autorização para médicos prescreverem cloroquina para pacientes com sintomas leves e moderados de Covid-19], porque ela pode estimular o uso de um remédio que a gente não tem comprovação em condições em que o paciente pode estar mais exposto a não ter os cuidados necessários para o uso do medicamento”.

13. Papel do governo federal no combate à pandemia
“Tínhamos uma relação tripartite [entre governo federal, estados e municípios], mas sem uma condição de liderança e coordenação do ministério naquele momento. Isso me parece uma situação de como o sistema se ajustou e que essa era a realidade do momento. Eu acredito que, em uma situação em que você precisa de liderança e coordenação, esse papel deve ser exercido pelo ministério, mas isso é uma coisa que você não consegue construir da noite para o dia, você precisa construir isso trabalhando junto com as outras partes”.

“A liderança tem que ser do Ministério da Saúde, e, indiretamente, tem que ser do governo como um todo”.

“Grande parte dos pontos da saúde são resolvidos em nível estadual e municipal. Só que a Covid traz uma sobrecarga que demanda realmente liderança e coordenação, e você tem que ter uma definição de estratégia e planejamento. Isso não aconteceu porque o sistema não tinha uma preparação prévia para atuar desta forma. Neste momento, não estou dizendo que é culpa deste governo ou de um governo anterior, eu digo que é como o sistema se colocou”.

14. Prognósticos
“A mensagem que fica é que a gente não sabe como [a pandemia] vai evoluir. Vemos o mundo alternando os epicentros da doença entre os diferentes países. É pouco provável imaginar que isso vai acabar agora, então não sabemos exatamente onde vai acabar. Vemos as vacinas surgindo. Vemos vacinas que, quando são testadas em países que tem cepas, algumas mostram eficácia menor. Então, existe ainda um grande grau de incerteza. Hoje temos que nos comportar como deveríamos ter nos comportado desde o começo. E ainda temos alguns agravantes, a necessidade de informação aumenta, porque agora você tem que conhecer quais são as variantes, como elas evoluem, como elas estão sendo distribuídas, como elas respondem à vacina, como elas respondem à reinfecção e como elas podem caminhar. E a gente passa ter a necessidade de uma coisa que vai ter que ser uma rotina daqui para frente que é um laboratório de avaliação genética para podermos fazer o mapeamento genético até para ver como essas variantes e essas evoluções vão acontecer”.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.