Após aprovada, vacina da Covid ainda passa por longo processo até chegar em você; entenda

Seis vacinas estão na fase final de testes clínicos, segundo a OMS; veja o que acontece depois que uma delas for aprovada

Allan Gavioli

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SÃO PAULO – Mesmo que uma das seis vacinas na última fase de testes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), se mostre eficaz no combate ao novo coronavírus, até que uma dose chegue à sua casa, há um longo processo, que envolve testes clínicos, regulamentação, produção, logística e distribuição.

Para entender todos passos pelos quais o medicamento precisa passar até atingir o objetivo final de imunizar a população, o InfoMoney conversou com especialistas da área de saúde.

E eles foram unânimes: mesmo com notícias promissoras no radar, as medidas de restrição e distanciamento para evitar o contágio do novo coronavírus devem e precisam continuar, visto que as estimativas de quando a vacina estará pronta para uso ainda são um tanto nebulosas.

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De forma geral, segundo os especialistas ouvidos, é improvável que tenhamos uma vacina pronta para distribuição no país este ano. Na melhor das hipóteses, se uma vacina for aprovada até novembro – mesmo que seja uma das duas candidatas testadas no Brasil-, as estimativas apontam que o medicamento só começaria a chegar à população no primeiro trimestre de 2021.

Ainda sim, esse prazo seria um recorde para a história humana. Em média, o processo inteiro entre os estudos, o desenvolvimento e a distribuição de uma vacina em escala nacional leva cerca de dez anos. O mais provável, portanto, é que alguns anos se passem até que a população brasileira esteja praticamente toda imunizada.

“Mesmo com a vacina aprovada, ela não estará disponível na quantidade suficiente para imunizar a população toda de uma vez, então será necessária uma priorização e um faseamento. Por isso, essa primeira vacina não vai substituir de imediato as medidas de proteção que temos hoje”, diz Cristiana Toscano, membro da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), professora e pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG).

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Mayra Moura, diretora da SBIm e mestre em Tecnologia de Imunobiológicos pela Fiocruz, diz que, neste primeiro momento, entregar a vacina para todos os brasileiros é uma “missão impossível” e que o objetivo é, por ora, amenizar e mitigar, da melhor maneira, os casos e as mortes em decorrência da Covid-19.

“Como em um primeiro momento será impossível vacinar todo mundo, o grande objetivo com a vacina do coronavírus se torna reduzir o número casos graves, internações e mortes. Erradicar a doença está muito longe ainda”, explica Mayra.

Cristiana, que é a única pesquisadora brasileira que integra o Grupo de Trabalho de Vacinas para Covid-19 da OMS, explica que o Brasil tem um amplo histórico de sucesso organizacional em programas de imunização e isso pode favorecer o país na distribuição da potencial vacina contra a Covid-19.

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“O programa de vacinação brasileiro é forte e está estruturado no SUS [Sistema Único de Saúde], que tem uma capilaridade muito grande no Brasil inteiro. Então, se ou quando a vacina de Covid estiver disponível, ela vai se valer dessa estrutura que já existe”, explica a pesquisadora.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil, vinculado ao SUS, é referência internacional em termos de política pública de saúde. Ele busca erradicar doenças por meio da vacinação universal e gratuita, por meio de planejamento e de campanhas de vacinação pelo país.

Porém, para que essa vacina seja efetivamente usada nas campanha de vacinação em massa, existe um longo caminho pela frente. O InfoMoney preparou uma infográfico com o passo a passo da trajetória de uma vacina no Brasil, desde a regulamentação até a ampla distribuição nacional. Confira:

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(Leo Albertino/InfoMoney)

Conservar a vacina é uma ‘fria’

Citada como uma das questões mais complexas envolvendo o transporte dos medicamentos, a cadeia de frio é o processo logístico para conservar as vacinas, desde o laboratório produtor até a entrega ao usuário, permeando todas as etapas de recebimento, armazenamento, distribuição e transporte.

O objetivo final da cadeia de frio é assegurar que todos os imunobiológicos administrados mantenham suas características iniciais.

“Como as vacinas são feitas a partir de micro-organismos vivos, elas são hipersensíveis à amplitude térmica e podem se deteriorar se expostas a temperaturas inadequadas à sua conservação”, explica Evelin Placido, enfermeira e membro da Comissão de Ética, Vacinação do Viajante e Informação da SBIm

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O calor – ou o congelamento – acelera a inativação dos componentes imunogênicos. Segundo o PNI, a temperatura de conservação dos imunobiológicos é, via de regra, entre +2°C e +8°C. “Desde a fabricação até a manipulação efetiva do medicamento, ela deve ser conservada. Qualquer quebra nessa cadeia de frio pode gerar um prejuízo real na eficácia da vacina”, argumenta Mayra.

Ainda que o Brasil conte com uma rede historicamente estável e funcional de distribuição das vacinas, as especialistas defendem que a estrutura da cadeia de frio deveria ser repensada para que regiões mais afastadas dos grandes centros possam receber os medicamentos de forma segura.

“Isso precisa acontecer para que essa vacina seja acondicionada adequadamente para todos – e todos mesmo, já que nosso sistema é universal”, explica Evelin.

Ela trabalha na imunização de populações indígenas no Parque do Xingu, no Mato Grosso, e relata a dificuldade de manter a cadeia de frio operante e os profissionais de saúde seguros nas regiões mais afastadas do Brasil: “Estamos falando de lugares remotos, de muitas horas sentados em barcos até chegar na comunidade, muitas horas de caminhada no meio da mata. Manter as equipes e os medicamentos nesses territórios é muito difícil”.

Evelin diz ainda que os desafios são enormes porque existe uma carência muito grande de serviços de saúde. “Nesses interiores do Brasil falta assistência médica integral e contínua.”

Expectativa x realidade

Depois que uma vacina é desenvolvida, o teste de eficácia do medicamento se divide em duas grandes etapas. A primeira delas é a pré-clinica, na qual são realizados testes em animais para comprovação dos dados obtidos em experimentações in vitro. E a segunda é a etapa dos testes clínicos em seres humanos, que é subdividida em três fases.

A primeira testa o medicamento em um menor número de voluntários (entre 20 e 80). Na segunda, esse número já chega a centenas de testados. Já a última etapa do teste clínico – a fase três – testa a eficácia do medicamento em um maior contingente de pessoas, que chega na casa dos milhares. Passada essa fase, a vacina é aprovada e pode ser produzida em larga escala.

Atualmente, a OMS aponta que 139 vacinas estão em desenvolvimento. Outras 26 já estão na etapa de testes clínicos, sendo seis delas na fase três. Dessas seis vacinas em fase final, duas estão sendo testadas no Brasil, a da Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca e a da chinesa Sinovac.

Cristiana diz que as vacinas em fase três de testes são, sim, muito promissoras, mas devemos ter cuidado com expectativas irreais. “É importante lembrar que o sucesso das fases um e dois não são garantia de sucesso na fase três”, explica a pesquisadora. Por isso, ela alerta que a vacina não substitui as medidas de proteção e prevenção que temos hoje.

O cenário geral, porém, é sim de esperança. “Só o fato de termos 26 vacinas diferentes em fase de testes clínicos é uma prova de que estamos caminhando”, comenta Cristiana.

Se no começo da pandemia muitos países enfrentaram dificuldades para conseguir respiradores e equipamentos de proteção individual por conta da demanda altíssima e da oferta concentrada em poucos locais – principalmente na China -, o fato de diversos países estarem desenvolvendo vacinas simultaneamente pode ajudar a superar possíveis gargalo na demanda pelo medicamento.

Guerra pelas vacinas

Em uma crise como essa, porém, os desafios logísticos se somam às questões geopolíticas e econômicas. Países mais ricos e influentes no comércio mundial estão comprando os primeiros lotes em sua totalidade, como os EUA fizeram com os primeiros lotes da vacina da Pfizer.

Ao menos 1,3 bilhão de doses estão garantidas para um grupo de nações que inclui Estados Unidos, Reino Unido e Japão, além de membros da União Europeia.

Tanto Cristiana quanto Mayra defendem a importância de órgãos como a OMS e de fundos rotatórios, que compram vacinas e distribuem para países com menor poder de aquisição e de negociação.

É nesse intuito que surge o Covax, iniciativa que conta com o apoio da OMS. O Covax é um esforço coletivo de vários países para acelerar o desenvolvimento, a produção e a distribuição de vacinas contra o coronavírus e garantir sua distribuição para países em desenvolvimento.

Quando uma vacina eficiente existir, a plataforma fará negociações em nome dos países-membros diretamente com os produtores, para tentar garantir que a definição do preço e a distribuição das doses ocorram de maneira justa.

Mayra, porém, não vê o Brasil como um desses países que podem sofrer com a falta das vacinas por conta das disputas geopolíticas entre as nações mais ricas  – ainda que a demanda do país seja altíssima, tanto por conta do contingente populacional, quanto pelo patamar ainda elevado de contaminações por aqui.

“Eu não vejo o Brasil nesse bolo. Apesar das nossas questões políticas, e de sermos um país em desenvolvimento, estamos vivenciando um esforço conjunto dos laboratórios, pesquisadores e profissionais da saúde e isso mostra que temos outros caminhos que não dependem exclusivamente da política internacional”, explica. “Os acordos firmados com antecedência entre laboratórios nacionais e farmacêuticas estrangeiras é um sinal desse progresso”.

Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.