Mercado de crédito privado esboça recuperação, após fortes perdas de março

Indústria ainda sofre, contudo, com resgates de investidores em busca de liquidez, com reflexo especialmente sofre fundos com carência inferior a cinco dias

SÃO PAULO – Investidores de fundos de crédito privado têm experimentado um novo teste de fogo ao patrimônio alocado em renda fixa. Depois da perda registrada nas cotas no fim de 2019, a crise desencadeada pela epidemia de coronavírus voltou a pressionar as taxas e atingiu em cheio o mercado.

Dados da JGP apontam resgates de R$ 17,5 bilhões na indústria de fundos de crédito em 2020 até o dia 16 de abril, equivalente a cerca de 21% dos fundos locais dedicados a essa classe de ativos. Dos resgates acumulados no período, 70% estiveram concentrados em fundos com carência inferior a cinco dias, reduzindo sua participação na indústria de fundos dedicados a crédito de 43%, em dezembro de 2019, para 38%, em abril.

A derrocada dos mercados financeiros com a epidemia do coronavírus levou a uma forte reprecificação no mercado de títulos privados a partir de uma pressão vendedora com investidores em busca de liquidez, gerando forte queda dos preços em março. Fundos de crédito com prazos de resgate mais curtos tiveram perdas expressivas.

“O mercado perdeu a referência. Ativos de qualidades diferentes estão sendo negociados a níveis parecidos”, disse André Fadul, gestor do Credit Agricole, durante live promovida pela XP Investimentos no dia 13 de abril, citando como exemplo papéis emitidos pelo Bradesco, que negociavam a cerca de 105% do CDI antes da crise, e registraram um salto para quase 200% do benchmark nas últimas semanas.

Em abril, contudo, o mercado começa a apontar para uma recuperação.

Após registrar queda de 4,9% em março, o Índice de Debêntures atreladas aos juros DI (IDA-DI) – que mede o comportamento de uma carteira de debêntures indexadas ao CDI e é calculado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) – cai 1,2%, neste mês.

O Idex-CDI, índice de debêntures calculado pela JGP que leva em consideração debêntures líquidas, indexadas ao CDI e com critérios mínimos de negociabilidade no mercado secundário, já sobe 2,7% neste mês, após queda de 7,7%, em março.

Gestores de fundos de crédito privado vêm desde o início da crise apontando para a expectativa de recuperação do mercado, após movimento tido como “irracional”, que levou as taxas de títulos “high grade” (maior qualidade de crédito) a níveis bem acima da normalidade.

Na visão da JGP, a recuperação de preços reflete a atração de compradores marginais e a expectativa de atuação direta do Banco Central após a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “Orçamento de Guerra”.

Entre as medidas, o Banco Central foi autorizado a comprar dívidas de empresas (na forma de debêntures, carteiras de créditos e CDBs, por exemplo) durante a crise, de forma secundária, isto é, comprando os papéis de bancos e fundos de investimentos, não diretamente das empresas. Pela PEC, o BC também poderá comprar e vender títulos do Tesouro Nacional em mercados secundários.

Em relatório, a JGP assinala que o IDA-DI parece atrasado em termos de recuperação comparado ao Idex-CDI, calculado a partir de preços executáveis de compra de debêntures no mercado secundário.

“As cotas dos fundos são calculadas a partir dos preços indicativos Anbima e também podem estar refletindo de forma mais lenta a recuperação do mercado de crédito local. Atualmente, poucas corretoras têm concentrado as ordens de compra e venda de debêntures. Acreditamos que, com mais corretoras novamente contribuindo para formação de preços, a amostra indicativa da Anbima voltará a mostrar melhor aderência aos preços de mercado secundário”, destacou a gestora.

A gestora Sparta também diz acreditar que o movimento de fechamento de spreads de crédito, isto é, de redução das taxas, já começou. “Alguns títulos que conseguimos comprar a mais de CDI +4% agora estão saindo no patamar de CDI +3%. As cotas devem começar a refletir essa melhora em breve”, afirmou a casa, a clientes.

A atuação do Banco Central também é vista com boas olhos e como indutora da normalização das taxas do mercado. Ainda que a retomada não deva ser linear, a gestora disse ter a expectativa de que o retorno para os próximos 12 meses possa ser maior que CDI +5%.

Oportunidades

Em termos de alocação, a JGP ressalta ainda enxergar oportunidades em títulos de grandes empresas que sofreram na primeira onda de vendas forçadas, ainda que a execução tenha se tornado um componente mais crítico para aquisições de títulos em mercados secundário.

E uma segunda onda de oportunidades poderá surgir em grandes empresas de setores mais expostos ao lockdown, diz a gestora, como restaurantes, companhias de turismo e locadoras de veículos. “Para essas empresas, nossa estratégia consiste em estudar profundamente o potencial de retomada de negócios para emissores cujos títulos estão em posse de investidores que precisam vender a preços muito descontados”, afirmou a JGP.

A Quasar tem aproveitado o aumento dos prêmios para comprar bons ativos a preços que não condizem com o risco de crédito. “Compramos Arteris com taxa de 5%”, disse o gestor Carlos Maggioli, durante live promovida pela XP no dia 13 de abril.

“Esse é o preço de um ativo duplo B de risco muito maior”, acrescentou o profissional, que demonstra otimismo com as perspectivas para os ativos de maior risco do mercado. “Quando a crise passar, os investidores terão de retomar o movimento de diversificação da carteira em um mundo com muita liquidez e juros próximos de zero ou negativos”, ponderou.

De toda forma, como reflexo da crise, Maggioli prevê algumas mudanças na forma de atuação da Quasar em nome da prudência, como aumentar os níveis de caixa dos fundos de liquidez mais curta. “Carregamos em média 25% de caixa nos fundos e talvez tenhamos de elevar para níveis entre 30% a 40%”, afirmou o gestor.

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Orientação para investidores

Ainda que a recuperação possa estar tendo início, cabe ao investidor tomar alguns cuidados daqui para frente. Embora considere que há boas oportunidades com a abertura recente de taxas, Guilherme Anversa, sócio e gestor da XP Advisory, disse em entrevista ao InfoMoney no último dia 13 que não estava aumentando sua exposição ao nicho agora.

“Ainda temos alguma preocupação quanto à liquidez desses ativos”, afirmou. Ele ressaltou, no entanto, que a atuação prevista do Banco Central na compra de ativos deveria contribuir para a normalização da situação no setor.

Em teleconferência realizada pelo escritório de agentes autônomos InvestSmart, no dia 24 de março, Paulo Corchaki, CEO e fundador da Trafalgar Investimentos, destacou ser perigoso apostar em fundos com liquidez diária. “Ao mesmo tempo que dá o conforto de poder resgatar a qualquer momento, vai ser o primeiro fundo que todo mundo vai resgatar se houver uma piora do cenário.”

Segundo ele, neste cenário de grandes incertezas, é preferível escolher um fundo com uma regra de liquidez que proteja o investidor, como D+30. “Se o objetivo é de longo prazo, prefira fundos com menor liquidez. E se comprar crédito diretamente, o ideal é carregar até o vencimento”, afirmou.

Em termos de retorno, por mais que bancos pequenos possam emitir papéis com taxas adicionais de 1% a 2% do CDI, Carlo Moratelli, diretor da gestora de patrimônio More Invest, sugere que o investidor prefira emissões de grandes bancos, que também podem oferecer prêmio. “É melhor escolher de bancos maiores e mais sólidos. Ao contrário de 2008, hoje eles não estão alavancados.”

O trabalho de escolha, contudo, deveria ficar a encargo de um gestor profissional, alerta. Isso porque, dado o cenário incerto e a dificuldade de prever o futuro da liquidez desses ativos, o investidor pessoa física poderia errar a mão ao tentar investir diretamente. Na avaliação de Moratelli, se a pessoa deseja investir por conta própria, o melhor é via títulos públicos. “Se o Tesouro está oferecendo prêmio, não tem porque correr risco em crédito.”

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