Bolsonaro avança sobre Congresso, de olho em Orçamento engessado

Novo episódio reforça ciclo de tensão institucional às vésperas de votação sobre vetos de Bolsonaro no parlamento

Marcos Mortari

(Marcos Corrêa/PR)

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SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) compartilhou com aliados pelo celular, na última terça-feira (25), ao menos dois vídeos convocando seus apoiadores às ruas em 15 de março para defender seu governo. As informações foram dadas pelo jornal O Estado de S.Paulo.

Os atos são críticos ao Congresso Nacional e ocorrem após acusações feitas pelo general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) de que parlamentares estariam “chantageando” o governo através do chamado Orçamento impositivo.

Uma das peças compartilhadas por Bolsonaro mostra a facada sofrida em Juiz de Fora (MG) durante a campanha eleitoral de 2018 e diz que o mandatário “quase morreu” para defender o País, e agora precisa de apoio.

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Os atos estão sendo organizados por movimentos conservadores simpatizantes do atual governo. Um dos cartazes compartilhados leva fotos de militares com postos na administração, como o próprio Heleno e o vice-presidente, Hamilton Mourão.

As reações ao vídeo foram imediatas no mundo político, com lideranças de diversos partidos, como Rede, PT, PCdoB, PDT, PSOL, PSL, Cidadania e MDB, e membros dos três Poderes.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que Bolsonaro e seu ministro “estão provocando manifestações contra a democracia, a constituição e as instituições, em mais um gesto autoritário de quem agride a liberdade e os direitos todos os dias”.

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“É urgente que o Congresso Nacional, as instituições e a sociedade se posicionem diante de mais esse ataque para defender a democracia”, disse pelo Twitter.

Também pelas redes sociais, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que, em se confirmando o compartilhamento por Bolsonaro, “estamos com uma crise institucional de consequências gravíssimas”. “Calar seria concordar. Melhor gritar enquanto de tem voz, mesmo no Carnaval, com poucos ouvindo”, afirmou.

De acordo com a coluna da jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse que a conclamação feita por Bolsonaro, “se confirmada”, revela “a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!!!”.

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“O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República”, complementou, de acordo com a colunista.

Em resposta às manifestações no meio político, Bolsonaro chamou de “tentativas rasteiras de tumultuar a República” as interpretações sobre o compartilhamento de um vídeo em apoio a atos contra o Congresso. Por meio de seu perfil no Twitter, o presidente criticou as reações, mas não negou ter enviado a amigos a peça.

O episódio ocorre quatro meses após a polêmica gerada pelo compartilhamento de um vídeo com hienas e leões publicado nas redes sociais do presidente. No vídeo, divulgado em outubro, Bolsonaro é comparado a um leão acossado por hienas que o atacam, representando partidos políticos, grupos da sociedade civil e instituições, como o STF e até mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU). Um dia depois do caso, o presidente admitiu o erro e pediu desculpas.

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Um dia após a revelação sobre os vídeos, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se manifestou em tom moderado: “Criar tensão institucional não ajuda o País a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir”.

Para o analista político Leopoldo Vieira, da consultoria Idealpolitik, o novo caso “corresponde aos períodos alternados de maior e menor tensão institucional” que marcam o governo Bolsonaro, que segue lógica diversa à do presidencialismo de coalizão. Desta vez, o assunto em disputa seria o chamado Orçamento Impositivo.

“O vídeo [compartilhado por Bolsonaro] e as manifestações convocadas para 15 de março são uma trincheira governista contra o Orçamento Impositivo, que já é uma realidade. Trata-se apenas de um aprofundamento do semiparlamentarismo e do rufar dos tambores eleitorais da disputa municipal deste ano”, observa.

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“O expediente repete também o que se viu em maio de 2019, em certa medida. Ao se ver acossado pelo Legislativo (antes, na distribuição de espaços no governo; agora, no Orçamento) Bolsonaro recorre ao discurso antipolítica que o elegeu em 2018”, pontuam os analistas políticos da XP Investimentos.

Cabo de guerra orçamentário

A nova ofensiva do governo contra o parlamento ocorre às vésperas de o Congresso Nacional discutir vetos presidenciais a trechos do Orçamento da União de 2020 aprovado no ano passado. Se derrubadas as modificações feitas pelo Poder Executivo, a alocação de recursos torna-se ainda mais engessada, reduzindo a margem de manobra do governo.

Considerando a rubrica de investimentos, este ano poderá ter, pela primeira vez, o Legislativo desempenhando papel de mais destaque que o próprio governo federal, dispondo de R$ 22,1 bilhões — uma diferença de R$ 2,8 bilhões a favor dos congressistas.

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Em uma tentativa de conter danos, um acordo havia sido construído entre o governo e os parlamentares, garantindo ao Executivo o controle de parte dos recursos para despesas discricionárias dos ministérios e eliminando a exigência de 90 dias para o emprenho de emendas parlamentares.

Mas o próprio governo recuou e desfez o acerto, o que levou a votação sobre os vetos para depois do Carnaval. Sem um acordo, Bolsonaro corre riscos de ver seus vetos derrubados pelos congressistas.

Recuperação nas pesquisas

Simultaneamente ao movimento de esticar a corda com o Congresso Nacional, Bolsonaro convoca seus apoiadores às ruas em um momento de maior apoio popular em comparação com meses atrás, o que pode ajudar em seu poder de mobilização de curto prazo.

A mais recente edição da pesquisa XP/Ipespe, realizada entre 17 e 19 de fevereiro, mostra que o atual governo é considerado ótimo ou bom por 34% dos eleitores. Outros 36% avaliam a administração como ruim ou péssima – melhor marca desde julho do ano passado.

Na avaliação dos analistas da consultoria de risco político Eurasia Group, os resultados, consoantes com outros levantamentos divulgados recentemente, mostram uma tendência de estabilidade positiva para Bolsonaro, “que continua capaz de manter sua base de apoio engajada apesar do ciclo de notícias negativas”.

Os especialistas também lembram de edição recente da pesquisa Veja/FSB, que além de um crescimento de 31% para 36% nas avaliações positivas do governo em dois meses, apontou para uma melhora no desempenho eleitoral de Bolsonaro se a corrida presidencial fosse hoje.

Os números podem incentivar uma nova investida do mandatário contra obstáculos impostos pelo parlamento.

Possíveis consequências

A nova crise com o Congresso também ocorre nove meses após o presidente Jair Bolsonaro compartilhar um texto sobre as dificuldades de seu mandato, que dizia que o Brasil “é ingovernável” sem os “conchavos” que ele se recusa a fazer.

O episódio também ocorreu às vésperas de manifestações em apoio ao presidente. Naquela ocasião, o presidente, às vésperas, decidiu ficar de fora e recomendar a seus ministros a ausência dos atos.

Para a equipe de análise política da XP Investimentos, o novo episódio traz dois caminhos possíveis para Bolsonaro: 1) dobrar a aposta no discurso contra o Legislativo; ou 2) trabalhar para abrandar a mensagem dos atos e seu envolvimento neles, como já fez no passado.

Do lado do Congresso, também há duas alternativas: 1) redobrar a aposta no protagonismo da agenda, para mostrar que o Palácio do Planalto está errado ao taxá-lo de vilão (ainda que siga trabalhando para reduzir os poderes de Bolsonaro nos bastidores); ou 2) comprar a briga pública com o presidente, o que pode acirrar ainda mais os ânimos.

Para eles, há uma tendência de “calibragem” das duas partes, com o parlamento não comprando briga pública e Bolsonaro não reafirmar a convocação aos atos nem desdizer que tenha feito o chamado.

Na avaliação do analista político Thiago Vidal, da Prospectiva Consultoria, as reações do parlamento tendem a se dar em três frentes: 1) defesa institucional; 2) manutenção da agenda parlamentar; 3) retaliação por meio de proposta em tramitação.

Ele acredita que, ainda que os parlamentares decidam recuar em relação aos vetos do orçamento, o saldo da equação não tende a ser zero. Respostas podem vir de outros temas de interesse do governo em tramitação no Legislativo, como a PEC dos Fundos, com votação prevista para a próxima semana na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal.

Vidal acredita, contudo, que, a médio e longo prazos, os movimentos serão balizados de acordo com de acordo com o resultado das eleições municipais, que darão uma dimensão da força do bolsonarismo.

Mesmo com as sinalizações de um confronto moderado, o episódio tem potencial de desgastar ainda mais as relações entre os dois Poderes. Os analistas da XP Política acreditam que o caso pode incentivar uma nova rodada de protagonismo do Legislativo na condução da agenda econômica, mas é indicativo de que uma relação mais profícua é cada vez menos provável para este mandato.

“Juntando com o episódio da semana passada — de ruídos na relação entre Bolsonaro e Paulo Guedes –, o ambiente de tensão é pior para o ministro, que vive de ver sua agenda avançar no Congresso, e não do crescimento da popularidade pelo enfrentamento à classe política”, concluem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.