Lula tem nova batalha no STF após vitória sobre a prisão em 2ª instância

Segunda Turma pode retomar, nas próximas semanas, julgamento de pedido de suspeição de Sérgio Moro; caso pode tornar Lula elegível

Marcos Mortari

(Ricardo Stuckert)

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SÃO PAULO – Superada a pauta do “Lula livre”, com a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal para a prisão após condenação em segunda instância, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já se prepara para novas batalhas no Poder Judiciário. O líder petista deixou a prisão na última sexta-feira (8), depois de cumprir 580 dias de prisão na carceragem da Polícia Federal em Curitiba (PR).

Condenado a 8 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP), Lula deve responder ao processo em liberdade até a conclusão do julgamento. O caso já passou pela Justiça Federal, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e agora está em fase de embargos no Superior Tribunal de Justiça.

Ainda haveria um longo caminho até o chamado “trânsito em julgado”, ou seja, o esgotamento de todos os recursos disponíveis ao réu. Isso indica que Lula deverá permanecer solto por um prazo mais longo e desloca a batalha do petista para outros campos, em consequência de sua tentativa de reverter decisões desfavoráveis advindas de três instâncias.

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Por já ter sido condenado por órgão colegiado, Lula está enquadrado na Lei da Ficha Limpa — e, portanto, impossibilitado de disputar eleições e ocupar cargos públicos. A inelegibilidade pode ser a próxima fronteira a ser testada pelo ex-presidente, que também responde a outros sete processos na esfera penal.

Teoricamente, há dois caminhos possíveis para Lula tentar recuperar o direito de disputar eleições: 1) uma contestação da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa; 2) a anulação da condenação no caso do tríplex.

Lei da Ficha Limpa

No primeiro caso, a Lei da Ficha Limpa poderia ser confrontada com o princípio da presunção da inocência, reafirmado pela decisão do Supremo que impediu a possibilidade de réus começarem a cumprir suas penas antes do trânsito em julgado. Antes, a condenação em segunda instância já poderia levar um réu à prisão.

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A legislação em discussão impede que réus condenados em segunda instância possam participar de eleições. Críticos dizem que a exigência seria uma sanção antecipada, já que o réu ainda teria a oportunidade de provar sua inocência em outras etapas do processo. Defensores da iniciativa alegam que este seria um pré-requisito para exercício de determinada função pública.

O caminho da modificação de entendimento sobre a Lei da Ficha Limpa é considerado improvável por advogados eleitorais. Para Cristiano Vilela, advogado especialista em direito eleitoral e sócio de Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados, a aplicabilidade da lei já foi exaustivamente discutida pelo Supremo. Ele acredita que o fato novo é insuficiente para ensejar um novo debate.

“Esses dois assuntos (Ficha Limpa e prisão em segunda instância) não devem se comunicar neste momento. É uma discussão que não cabe ressurreição, já está pacificada”, observa o especialista, que pessoalmente mantém posição crítica à legislação.

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Visão similar tem Fernando Neisser, sócio de Rubens Naves Santos Jr. Advogados e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral. Ele também é contrário à Lei da Ficha Limpa, mas acredita que o entendimento sobre a validade da regra hoje conta com ampla maioria no tribunal.

“O STF e a maioria que se consolidou para entender que inelegibilidade não é pena é muito sólida, mesmo com alguns que votaram na questão penal. A maioria do Supremo entende que inelegibilidade é a mesma coisa que as regras estabelecidas para participar de um concurso público”, explica.

Independentemente da viabilidade, o caminho tende a ser testado por outros candidatos nas eleições municipais do ano que vem. Isso pode forçar a Justiça Eleitoral a revisitar o tema, o que naturalmente gera precedentes para a situação de Lula.

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Suspeição de Moro

O segundo caminho que poderia beneficiar Lula advém de julgamento na Segunda Turma do STF. Após conseguir suspender o cumprimento da pena, Lula naturalmente tenta reverter as decisões que culminaram em sua condenação em três instâncias. Mais do que em sua situação jurídica e imagem como figura pública, os esforços do ex-presidente nesse sentido têm impactos políticos diretos.

Nas próximas semanas, o colegiado poderá analisar um habeas corpus no qual a defesa do ex-presidente sustenta que o ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro (PSL), atuou sem a imparcialidade necessária no processo do tríplex do Guarujá.

Neste caso, a defesa do líder petista quer que os magistrados anulem o processo inteiro. Se o pedido for atendido, a condenação de Lula é invalidada e o caso volta à etapa inicial, nas mãos do Ministério Público para apresentação de denúncia.

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Do ponto de vista eleitoral, Lula voltaria ao jogo — mesmo com o risco de novos tombos com os outros processos que responde. O pedido está parado após vista concedida ao ministro Gilmar Mendes. As expectativas são que o magistrado libere o caso nas próximas semanas.

A suspeição de Moro é considerada o caminho mais promissor para Lula. O pedido ganhou força em junho, após as revelações, pelo site The Intercept Brasil, de conversas mantidas pelo ex-juiz com procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato.

A Segunda Turma do tribunal é composta pelos ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Hoje acredita-se em um empate, ainda com dúvidas sobre qual vai ser a decisão do decano — o fiel da balança no caso. O lado favorável à suspeição do ex-juiz tem se mostrado mais confiante com um eventual apoio de Celso de Mello.

Com a soltura de Lula, o caso perdeu prioridade na pauta do colegiado. Isso tem feito a ala contrária à suspeição de Moro tentar um adiamento do julgamento. A última sessão da turma antes do recesso do Judiciário ocorre em 16 de dezembro. O caso é complexo e envolve, além da questão da possível suspeição de Moro, um debate sobre o papel de provas ilícitas (neste caso, as mensagens divulgadas) em processos.

A inelegibilidade do líder petista hoje é mantida pelo caso do tríplex. Se for determinada a suspeição de Moro e a condenação for anulada, o caso é devolvido para a fase de denúncia e Lula fica elegível novamente. A situação poderia ser novamente revertida se o ex-presidente fosse condenado em segunda instância neste ou em outro processo penal.

O caso mais avançado, em tese, é o do sítio de Atibaia (SP), com julgamento marcado pelo TRF-4 para 27 de novembro. A expectativa é que seja remetido à fase de considerações finais na primeira instância, em linha com o que foi decidido pelo STF no caso de Aldemir Bendine, quando foi debatida a tese do direito de resposta em processos envolvendo réus delatores.

Fatores políticos

“Lula provavelmente permanecerá fora da prisão por um período mais longo, dado o novo entendimento do Supremo, elevando a polarização política”, observam os analistas da consultoria especializada em risco político Eurasia Group.

A nova condição do presidente naturalmente desloca o debate para a esfera eleitoral. Na avaliação dos especialistas, as chances de êxito de Lula no julgamento da suspeição de Moro cresceram, mas a elegibilidade do líder petista no pleito de 2022 continua sendo um cenário improvável.

“Embora as chances de o STF derrubar [as decisões no caso tríplex] estejam crescendo, a probabilidade de Lula estar apto a disputar nas eleições locais de 2020 ou nas gerais de 2022 continua baixa. Se a corte alterar seu caso, é provável que ele seja condenado após um novo julgamento”, pontuam.

Eles lembram que Lula também responde a outros processos e já foi condenado em primeira instância no caso do sítio de Atibaia. Para ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, basta uma condenação por órgão colegiado.

A equipe de análise política da XP Investimentos vê “chances importantes” de Lula ser beneficiado por uma decisão que ateste para uma suposta parcialidade de Moro. O caminho para o pleito de 2022, porém ainda seria longo e incerto ao petista.

De qualquer forma, do ponto de vista político, o debate tem consequências internas para o PT. Lula solto e com um debate em curso sobre elegibilidade — a despeito das chances de isso se confirmar futuramente — ajuda a controlar as disputas dentro do partido e a aglutinar forças.

Com Lula em liberdade, disputas precoces por posições de destaque no partido são abafadas. Na avaliação de aliados, o ex-presidente tem maior capacidade de reorganizar parte importante da oposição, alterar o xadrez da governabilidade e o próprio jogo eleitoral.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.