Por que estrategistas estrangeiros recomendam comprar ações brasileiras

Profissionais de instituições como UBS, BlackRock e J.P. Morgan apontam preocupação com reforma da Previdência, mas têm olhar positivo sobre a bolsa. Títulos de dívida corporativa também estão em algumas carteiras

Beatriz Cutait

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SÃO PAULO – O que vai acontecer com os mercados se a votação da reforma da Previdência for adiada para 2020? O Banco Central deverá reduzir a taxa Selic mais uma vez neste ano? A direção do dólar é para baixo ou para cima? A decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na política de preços de combustível da Petrobras vai se repetir?

Se não anda nada fácil para os grandes investidores brasileiros entender o atual cenário econômico para tomar decisões acertadas – em março, a maior parte das categorias de fundos de ações perdeu mais que o Ibovespa –, você consegue imaginar o que pensam os estrangeiros do Brasil?

Em um ambiente de nova política e de um governo que se elegeu com uma plataforma liberal, amparado pelo mercado financeiro em grande parte pelas expectativas em torno do nome forte na Economia (Paulo Guedes), há ainda muitas incertezas depois de 100 dias de atuação.

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E a principal fonte de preocupação, ainda que não isolada, corresponde à aprovação da reforma da Previdência, tida como o gatilho necessário para a retomada de interesse do investidor estrangeiro no Brasil. Mas qual é o olhar dos “gringos” em relação ao Brasil para além da questão previdenciária?

O InfoMoney conversou com estrategistas de bancos estrangeiros para entender sua avaliação sobre o contexto atual do País e dos mercados emergentes como um todo, e as perspectivas em termos de investimentos. Embora o mercado corporativo brasileiro permaneça atrativo, a reforma da Previdência segue vista como um empecilho para o interesse do estrangeiro, que ainda observa atentamente sinais de desaquecimento da economia americana.

O UBS tem visão “overweight” (acima da média do mercado) para a bolsa e o mercado de fundos imobiliários brasileiros, “underweight” (abaixo da média) para títulos de renda fixa prefixados e neutra para títulos indexados à inflação, pós-fixados, ativos internacionais e fundos multimercados.

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Ronaldo Patah, estrategista do UBS Wealth Management, diz trabalhar com a perspectiva de que a reforma da Previdência saia esse ano, dada a ausência de alternativas do governo.

“O tempo está passando e isso é uma bomba relógio. Aumentou muito a urgência da reforma e há um alinhamento dos astros para a aprovação, com uma equipe econômica alinhada e focada”, diz Patah, preocupado especialmente com a situação dos estados.

Mesmo mantendo-se otimista, o estrategista admite que já diminuiu a expectativa com relação ao tamanho da reforma. Para ele, a chance de a reforma ser robusta diminuiu pela própria desorganização política do governo. “Antes pensava em R$ 700 bilhões, mas agora acho que vai ser, no máximo,de R$ 600 bilhões”, aponta.

Para o estrategista, o investidor estrangeiro ainda não voltou ao Brasil por conta do ceticismo com a gestão do presidente Jair Bolsonaro, muito associado ao americano Donald Trump, e pela desconfiança com a reforma da Previdência, dada a frustração prévia, no governo de Michel Temer.

Ainda assim, se fosse analisar a situação do Brasil em relação aos emergentes como bloco, o país estaria bem posicionado. Com uma relação preço/lucro de 11,5 vezes, a bolsa estaria negociando perto do PL histórico de 10 anos e pode ser considerada barata, caso a reforma aconteça.

Os economistas do UBS, contudo, já cortaram a previsão de crescimento do PIB de 2019 de 2,8% para 2,4%, e seguem com projeção de expansão de 2,9% para 2020.

Reforma ambiciosa

Axel Christensen, estrategista-chefe para América Latina da BlackRock, avalia que os investidores estrangeiros têm atualmente uma “percepção mista” sobre os ativos brasileiros, o que tem alimentado a recente volatilidade.

“Por um lado, eles são encorajados pelos crescentes sinais de crescimento econômico que, apesar de estarem ligeiramente abaixo das expectativas iniciais, continuam a reforçar a trajetória de recuperação da severa recessão de 2015-2016. No entanto, os investidores estrangeiros estão cada vez mais preocupados com a evolução da ambiciosa agenda de reformas econômicas, que está se mostrando muito mais desafiadora do que se esperava inicialmente”, afirma Christensen.

A preocupação com as reformas é o que mais pesa, segundo o estrategista, por ser um passo crítico necessário para permitir que a tendência econômica positiva se mantenha sustentável por um longo período de tempo. Na avaliação do estrategista, a probabilidade de outra recuperação das ações brasileiras é atualmente muito sensível à percepção dos avanços da agenda de reformas, mais do que os fundamentos econômicos e empresariais.

No fim de março, a gestora estava com classificação overweight em Brasil no portfólio de ações da América Latina, com foco especial no setor de serviços financeiros, que tende a se beneficiar mais claramente da tendência de crescimento econômico, ao lado dos setores varejista e imobiliário.

“Em relação à sua própria história, os valuations das ações brasileiras estão caros. No entanto, quando comparadas aos valuations de outros países da América Latina (México e Chile, por exemplo) e mercados emergentes (por exemplo, Ásia), as ações brasileiras estão em um nível justo a pouco caro, mas apoiadas por um maior crescimento esperado nos lucros”, pontua Christensen.

Já no mercado de dívida emergente, a BlackRock está ligeiramente underweight em Brasil (nos títulos denominados em dólar, principalmente soberanos), em meio à percepção de que o cenário econômico mais positivo deixou as taxas menos atrativas do que as de outros emissores de mercados emergentes.

Em reais, contudo, a gestora tem posição ligeiramente “overweight”, e tem visão positiva sobre o mercado de dívida corporativa, uma vez que o ambiente econômico deve melhorar as condições financeiras e a qualidade de crédito das empresas brasileiras.

O J.P. Morgan Asset Management enxerga hoje oportunidades nos mercados de ações e de crédito tanto no Brasil quanto nos emergentes de maneira geral. Gabriela Santos, estrategista de mercados globais, destaca que a agenda econômica brasileira tem sido observada pelos investidores estrangeiros, que têm mostrado visão mais positiva sobre os emergentes neste ano em relação ao fim do ano passado, diante de uma melhora no apetite a risco.

“A política econômica tem sido um fator importante para investidores globais que olham o Brasil, pois afeta a perspectiva de crescimento econômico e de lucro e a perspectiva de risco-país. Especificamente, os investidores globais olham bem a agenda econômica do governo, mas querem ver sua entrega, incluindo a reforma da previdência, mas também outras reformas fiscais e econômicas”, comenta.

No caso de bolsa, Santos assinala que os valuations ainda estão abaixo de sua média histórica e ressalta que a estabilidade nas economias emergentes deve ajudar o crescimento de lucro das companhias. Na América Latina, o destaque seria para o Brasil, ainda que esperando certa volatilidade relacionada à reforma da Previdência, enquanto China e Índia estão no foco na Ásia emergente.

No mercado de dívida, a gestora do J.P. Morgan considera que a dívida de países na América Latina, como México e Brasil, segue se destacando por seu rendimento elevado.

“Continuamos com uma visão positiva de mercados emergentes no longo prazo, com um foco nos setores que irão se beneficiar da continuação do crescimento da classe média em muitos países. Isso inclui os setores de consumo, tecnologia e financeiro. Para investidores de países desenvolvidos, com economias com um potencial de crescimento e retorno baixo no longo prazo, é crítico manter uma alocação a ativos emergentes que irão oferecer um premium de retorno em um horizonte de 10 a 15 anos”, observa Santos.

Em termos de visão tática, a gestora diz ter uma perspectiva melhor para ativos emergentes esse ano na comparação com alguns meses atrás, associada à pausa no ciclo de alta de juros do Fed, o banco central americano, à melhora no tom das discussões comerciais entre Estados Unidos e China, e aos sinais de estabilidade na economia chinesa. “Esses fatores ajudam a melhorar a perspectiva para as economias e companhias emergentes, e também ajuda a melhorar o apetite de risco do investidor global”, diz a estrategista.

Um olhar sobre os riscos

Embora o avanço das reformas esteja no centro das atenções no Brasil, é o exterior que concentra a maior parte das preocupações para o horizonte, ainda que os riscos não façam parte do cenário-base das instituições.

O estrategista da BlackRock faz menção a uma desaceleração econômica global mais rápida e mais pronunciada e, por outro lado, um choque inflacionário (ou qualquer outro evento) que poderia pressionar os bancos centrais a restringir a liquidez.

O receio com o eventual fim do ciclo econômico americano é igualmente mencionado pela estrategista da gestora do J.P. “Vemos como a principal preocupação o ciclo econômico americano, com investidores diminuindo na margem o risco de suas carteiras para se preparar para um eventual fim do ciclo.” As tensões comerciais entre Estados Unidos e China também estão no horizonte da instituição.

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.