Petrobras privatizada: economista diz que estatal poderia triplicar de valor

Rodrigo Constantino defende em livro que o setor privado é mais eficiente e que o Governo assuma a função apenas de regulador

Fernando Ladeira

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SÃO PAULO – O ex-presidente Lula fez um desserviço ao Brasil ao transformar a palavra “privatização” em um palavrão. Nas eleições de 2006, o petista praticamente destruiu a candidatura Geraldo Alckmin ao espalhar que o tucano privatizaria estatais como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios. Alckmin demorou a perceber a rejeição da população à venda do patrimônio estatal e, quando veio a público desmentir as acusações, já era tarde.

Desde então, governistas e oposição fazem um jogo de cena que mais parece uma conversa de surdo e mudo: o PSDB evita ao máximo falar do assunto, enquanto o PT privatiza dizendo que são apenas “concessões” à iniciativa privada.

Quem já está farto desse jogo cínico e gostaria de ver um debate sobre o assunto livre de escamoteamentos ganha agora um fio de esperança. O livro “Privatize Já”, escrito por Rodrigo Constantino, membro-fundador do Instituto Millenium e diretor do Instituto Liberal, defende as privatizações em alto e bom som como há muito não se via no Brasil – e como o PSDB talvez nunca tenha coragem de fazer.

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Constantino não se cansa de fazer referências a Milton Friedman, um dos mais importantes teóricos americanos do livre mercado, e defende em seu livro que o Estado se desfaça de empresas como Petrobras e Banco do Brasil e deixe os assuntos econômicos exclusivamente para a iniciativa privada. Leia a seguir os principais trechos de entrevista exclusiva publicada na edição de janeiro/fevereiro da Revista InfoMoney:

Revista InfoMoney – Em seu livro, você defende a privatização desenfreada. Há alguma atividade que você acredita que não deveria pertencer ao setor privado?

RODRIGO CONSTANTINO – Na economia, acho que o Estado não deve se meter, ele não deve ser empresário. Mas eu não sou a favor do fim do Estado, acho que ele deve cuidar, por exemplo, da Justiça, que não está suscetível às leis de oferta e demanda e preços, assim como a segurança interna e externa. Agora o Estado, enquanto empresário, fornecendo produtos e serviços que empresas privadas podem fornecer de forma muito mais eficiente, eu não vejo motivo para a existência.

IM – Nesse cenário, qual seria o papel do Estado?

RC – Restaria a ele, na economia, um papel regulador. E mesmo assim tenho minhas críticas a esse tipo de regulação. As regras do jogo devem ser as mais básicas possíveis e isonômicas, ou seja, igualmente válidas para todos. Uma coisa que mais critico em governo é justamente o que vemos na gestão atual: o governo intervém não só de forma excessiva, mas também arbitrária.

Então você gera um grau de insegurança muito ruim para o progresso. Entendo que o governo pode ter um papel de regulador para preservar certas regras do jogo e até mesmo a competição, mas com o mínimo possível de regras burocráticas. Elas devem ser claras, objetivas e igualmente válidas para todos.

IM – Então você defende que as agências reguladoras tenham um papel mais forte?

RC – Agências reguladoras mais fortes é um termo perigoso. Elas têm que ser fortes na aplicação dessas poucas e claras regras isonômicas, mas não devem ser fortes no sentido de intervir no funcionamento do mercado com poderes discricionários e arbitrários, que é o que vemos hoje. Quando a Anatel, por exemplo, veta uma campanha que gera mais concorrência no setor de telecomunicações, ela está jogando contra a regra de livre concorrência. Não cabe a ela julgar isso.

Se os usuários da TIM estiverem insatisfeitos, eles que mudem para outra operadora. A solução para isso não é a própria agência reguladora se colocar no papel de um usuário e pensar se gosta ou não dos serviços. Acho que ela vai além de sua função regulatória quando faz esse tipo de intervenção. O papel deveria ser verificar se as regras do jogo estão sendo cumpridas de forma clara. Seria evitar fraudes e desvios da regra.

IM – Então a Anatel não deveria se preocupar tanto com assegurar a qualidade do serviço?

RC – A qualidade vai ser julgada, em última análise, pelo consumidor. Como você garante ou tenta garantir que as operadoras tenham um interesse alinhado ao do consumidor? Tendo o máximo possível de concorrência. Novamente, não é papel da agência analisar pacote “a” ou “b”de promoção. O papel dela é assegurar que as empresas estejam seguindo as regras do jogo.

IM – Em seu livro, você ataca a ingerência da Petrobras. Mas em um ranking elaborado pela Forbes em 2012, ela aparece como a 10a maior empresa de capital aberto do mundo. Mesmo assim, pode-se dizer que ela é mal gerenciada?

RC – Sim, ela é muito grande e é monopolista em um país enorme, com muito petróleo. Se a PDVSA (petrolífera venezuelana) ou a Pemex (petrolífera mexicana) tivessem capital aberto, também seriam gigantes. A Gazprom (petrolífera russa) é uma empresa gigantesca e não é bem administrada. Ou seja, o tamanho e a magnitude da Petrobras impressionam, mas é um gigante que poderia valer três, quatro vezes mais se fosse gerido por um proprietário privado ou se suas ações fossem fragmentadas em várias empresas privadas. Se ela fosse fatiada e distribuída em dez partes iguais para o setor privado, essas dez partes valeriam cinco vezes mais daqui um ano.

IM – Então, sendo privatizada, ela poderia se tornar a maior empresa do mundo em breve?

RC – Teria potencial, mas não sei se chegaria na Apple ou na Exxon. Acho que teria potencial para triplicar de valor facilmente. Hoje ela é um antro de desvio de recursos, de destruição de valor para o acionista e de instrumento político.

IM – Mas, desde a posse de Graça Foster, a empresa prega metas mais realistas, controle de gastos e aumento de eficiência. Ela não pode alcançar esses objetivos sem ser privatizada?

RC – Muito difícil. Acho que sempre vai ficar muito aquém das promessas e expectativas, pelo menos do potencial que poderia atingir. Não basta a boa intenção da presidente da empresa. O mecanismo de incentivos não é adequado. Vamos supor que Graça Foster seja a pessoa mais bem-intencionada do mundo.

Ela é presidente de uma empresa que é quase um poder paralelo, de tantos recursos que representa, e, além disso, esbarra na questão das amarras de uma estatal típica. Ela não tem total poder para administrar a empresa com base na meritocracia, então ela não pode demitir se achar que não está produzindo, assim como não pode conceder bonificações milionárias para quem realmente gera valor. Ela tem amarras estruturais que dificultam a gestão da empresa voltada para a maximização do valor.

Pelo fato de ser estatal, ela tem uma pressão muito eleitoreira, de políticos, de uso para cabide de emprego. Ela vai ser usada inevitavelmente para esses fins, independentemente de quem esteja lá. Posso até brincar que, se me colocarem na presidência da Petrobras, com todo esse meu discurso, eu não vou conseguir comandar a empresa da mesma forma que comandaria se fosse uma empresa privada. A pessoa mais pró-mercado possível, que quer maximizar o retorno dos acionistas, que quer tornar uma empresa mais meritocrática, vai esbarrar em inúmeros obstáculos estruturais.

IM – Mesmo assim, o pré-sal promete um retorno muito grande. Você acredita que esse dinheiro será mal gasto?

RC – Já começou a disputa pela pilhagem da repartição, com essa discussão toda dos royalties, que ferem os nossos pactos federativos do país. Mas mais uma vez corremos o risco de concentrar esses recursos do pré-sal em Brasília, e todo mundo vira refém do governo central. Esse é um modelo concentrador de renda e recursos muito ruim. Então já começou essa disputa pelos recursos e as propostas populistas e demagógicas dos políticos, como a de todo o dinheiro ter de ir para a educação, como se o problema fosse falta de recursos. Não é. O Brasil gasta de 5% a 6% do PIB com educação, acima da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Não é pouco, é mal gasto.

IM – Apesar da sua postura a favor do setor privado, você critica o resgate do setor público a empresas com problemas financeiros, como aconteceu nos EUA durante a crise de 2008. Você não teme que empresas se tornem grandes demais para quebrar e acabem se tornando mais imprudentes?

RC – Isso acaba acontecendo quando se tem a simbiose entre empresas e governos. Nós brincamos que o Goldman Sachs tem um apelido não muito carinhoso pelo próprio mercado financeiro, que é Government Sachs. O perigo do grande demais para quebrar é um perigo que acontece muito mais quando há concentração de poder do Estado. A própria crise de 2008 teve a impressão digital do governo em todas as cenas do crime.

O crédito barato e excessivo teve pressão da Casa Branca para que a Fannie Mae e a Freddie Mac concedessem crédito para a casa própria das minorias, porque era interessante politicamente – o que é muito análogo ao que ocorre com o Minha Casa, Minha Vida no Brasil. E quem está concedendo crédito a uma taxa muito mais acelerada, sem se preocupar tanto com a inadimplência ou uma bolha? Justamente os bancos públicos. Então é a pergunta que faço no livro: quem vigia o vigia?

IM – Mas há também um lobby muito grande das empresas para influenciarem nas decisões do governo…

RC – Claro. Mas isso existe porque o instrumento está lá, então temos que tirar esse poder do governo. Ele não pode ter o poder de conceder esses privilégios, mas isso só vem com uma mudança de mentalidade. Enquanto as pessoas acharem que o governo tem que ter esse poder todo concentrado em suas mãos porque é uma espécie de Messias salvador, bem-intencionado e benevolente, teremos a captura dos grandes negócios. A população está pedindo e delegando esse grau de intervenção estatal. Ela tem que entender que, enquanto o governo tiver esse poder, ele será capturado e usado por grandes grupos. Temos que tirar o instrumento da mão do governo.

IM – Como?

RC – Só alterando a mentalidade, só por meio do poder das ideias. As pessoas têm que entender que concentrar poder econômico no governo não é solução, é parte do problema.

IM – Então passa pela educação…

RC – Sem dúvida. Vou dar um exemplo: o mercantilismo. Enquanto essa mentalidade perdurar, ou seja, importar é ruim e exportar é bom, enquanto isso for predominante, o governo vai conseguir aprovar medidas protecionistas, que só servem para privilegiar pequenas parcelas da população e grandes grupos produtores. Isso vai prejudicar os consumidores como um todo. A mentalidade tem que mudar.