“Fragmentação do centro é a origem dos riscos eleitorais”, diz cientista político

Em entrevista especial ao InfoMoney, Rafael Cortez mantém aposta na continuidade da polarização entre PT e PSDB, mas vislumbra uma terceira via fortalecida, que pode desafiar o status quo e resgatar cenário similar ao de 1998

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Por trás de um cenário ainda marcado pelo profundo nível de incertezas, mais do que a indefinição das candidaturas que disputarão efetivamente a sucessão de Michel Temer na presidência da República, o próximo pleito traz a possibilidade da emergência de uma terceira via que desafie o status quo da polarização mantida por PT e PSDB. Essa é a leitura do cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada. Na avaliação do especialista, a fragmentação do centro seria a origem dos riscos eleitorais ao mercado e à política econômica em curso, já que poderia inviabilizar a ida ao segundo turno de um representante genuíno da agenda de reformas.

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“No fundo, a competitividade da centro-direita passa menos pelos nomes escolhidos e mais pela quantidade de candidatos, especialmente olhando a relação do PSDB com os demais partidos da base. Se o PSDB perder o status de monopolista do antipetismo, como pelo menos o ambiente agora sugere, há um risco relevante de protagonismo de Bolsonaro e Lula”, observa Cortez em entrevista especial ao InfoMoney.

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Ele acredita que, dadas as circunstâncias de baixa popularidade do presidente Michel Temer, é natural um crescimento nas intenções de voto de nomes da oposição. Do mesmo modo, a crise de reputação do PSDB pode abrir caminhos para a ascensão de uma terceira via, o que não necessariamente significaria a ida ao segundo turno da disputa. “Isso apenas ocorrerá se o centro fracassar. Com Lula candidato, esse é só um problema do PSDB. Sem ele, passa a ser problema de PT e PSDB. Na ausência do ex-presidente, naturalmente o mercado eleitoral fica muito mais aberto, da mesma maneira como foi em 1989”.

Para Cortez, caso já houvesse pacificação na base governista em torno do representante da atual agenda, a própria reforma da Previdência, uma das principais bandeiras da atual gestão, já poderia ter sido aprovada pelos congressistas. O analista acredita que, para além dos desgastes eleitorais de tal proposta às vésperas da corrida às urnas, o apoio à PEC 287 é tão complicado justamente por conta da perspectiva de que os partidos buscarão rumos distintos em 2018. “Neste momento, como não existe uma certeza, primeiro, se eles vão juntos, e, segundo, de quem é esse nome, o resultado é a dificuldade de construção de uma aliança mais significativa”, explica. Este seria o foco da ambiguidade do PSDB, sigla do governador Geraldo Alckmin, um dos nomes cotados para a representação da agenda reformista na disputa presidencial. “O dilema do PSDB em sua relação com o governo tem a ver com a questão eleitoral. No fundo, os tucanos não têm segurança de que vão receber apoio dos demais partidos da base. Existe a percepção de que o partido pode pagar o custo de apoiar uma reforma impopular sem receber os dividendos eleitorais”.

Mas não é somente a base governista que enfrenta dificuldades. No campo da oposição, a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva inspira cada vez mais cuidados e pode propagar profunda instabilidade institucional durante a própria disputa eleitoral. Como se o possível enquadramento na Lei da Ficha Limpa do nome que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto não trouxesse emoção suficiente ao xadrez político, o ano que começa ainda promete uma intensificação da guerra orçamentária. Em tempos de esgotamento fiscal, esta será uma dor de cabeça de quem quer que seja consagrado pelas urnas. Quanto ao Congresso, uma taxa de renovação mais elevada é esperada para as duas casas, mas nenhuma mudança drástica nos rumos do parlamento estaria na iminência de ocorrer. A fragmentação elevada continuará dando as cartas e exigindo habilidade política do futuro comandante do Executivo. A única certeza é que a turbulência não tem data para terminar. Confira os destaques da entrevista:

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InfoMoney – As pesquisas eleitorais hoje colocam três candidatos da oposição à frente na disputa. Qual será o espaço do governismo?

Rafael Cortez – Há ainda um grande laboratório no centro, especialmente no governismo. Não há nenhum nome hoje que sugira competitividade eleitoral, daí a grande dificuldade de transformar a especulação em candidaturas efetivas. Essa é uma questão chave. O grau de fragmentação do centro é a origem dos riscos eleitorais. Uma pluralidade desses candidatos dificulta a ida ao segundo turno de um nome da centro-direita que tenha proximidade com a gestão atual, sobretudo pensando do ponto de vista da política econômica. No fundo, a competitividade da centro-direita passa menos pelos nomes escolhidos e mais pela quantidade de candidatos, especialmente olhando a relação do PSDB com os demais partidos da base. Se o PSDB perder o status de monopolista do antipetismo, como pelo menos o ambiente agora sugere, há um risco relevante de protagonismo de Bolsonaro e Lula. 

Lembrando a ótica da polarização que vimos nas últimas eleições presidenciais, com PT e PSDB organizando a competição nacional, a perna tucana poderia não conseguir manter isso. Neste caso, o segundo turno não seria mais entre PT e PSDB, mas entre o PT e mais alguém. Entre Marina e Bolsonaro, quem poderia ser essa terceira força, dado que o espaço do PSDB seria perdido com uma canibalização de votos, que viria de uma candidatura de Meirelles contra Alckmin? Parece-me que, entre os nomes colocados, o de Bolsonaro é aquele com identidade mais forte e maior capacidade de mobilizar o eleitor descontente com PT e PSDB. Marina tem os mesmos problemas de baixa estrutura de campanha e tempo de televisão, mas com o acréscimo de que ela tem dificuldade de fazer a construção dessa identidade.

Embora riscos existam, acredito que o cenário ainda seria de manutenção do protagonismo de PT e PSDB. Não espero que nomes como Rodrigo Maia ou Henrique Meirelles se transformem em candidatos. Acho que o cenário é ou eles não apoiarem ninguém, para ficarem mais livres para alianças nos estados, ou apoiarem Geraldo Alckmin.

IM – O PSDB assumiu uma postura de maior distanciamento do governo. Como você imagina que o partido se comportará nas eleições? Qual vai ser a narrativa e como isso influencia na tentativa de se construir uma única candidatura de centro, favorável à agenda de reformas em curso?

RC – O dilema do PSDB em sua relação com o governo tem a ver com a questão eleitoral. No fundo, os tucanos não têm segurança de que vão receber apoio dos demais partidos da base. Existe a percepção de que o partido pode pagar o custo de apoiar uma reforma impopular sem receber os dividendos eleitorais. Porque, em um cenário com a reforma da Previdência e a economia retomando perspectiva mais positiva, na existência de outra candidatura governista, esse partido tem mais chance de mobilizar o dividendo eleitoral. Como existe incerteza, os tucanos procuram atacar as duas pontas, fazendo sinais em direção ao apoio à reforma, sem, contudo, cravar. Se o governo acabar mobilizando um contingente de votos muito significativo e o PSDB entender que vai acabar ficando isolado, talvez tenha que votar a reforma mesmo sob esse risco. Há uma dimensão intertemporal que dificulta as negociações. No fundo, é esse o dilema. 

O PSDB vai se distanciar do governo. Naturalmente, vai tentar mobilizar apoio dos partidos, mas dificilmente será uma campanha governista. O partido vai procurar passar uma imagem de renovação e independência em relação ao governo Temer. O problema é que parece ser uma estratégia inocente, porque, no fundo, eles não vão conseguir se livrar de ser governo. Muito provavelmente, ao longo da campanha, o PT vai utilizar essa estratégia. Então, não é trivial a vida do PSDB. Isso reforça que ele tem alguma viabilidade eleitoral se outros nomes não aparecerem na disputa, porque o partido teve uma perda política bastante significativa com o impeachment da ex-presidente Dilma e outra ainda maior com o problema envolvendo o senador Aécio Neves.

Os tucanos têm um desafio maior em 2018 do que o próprio PT, em um cenário com o ex-presidente Lula candidato. A incerteza faz com que eles não consigam tomar posições que sinalizem para uma parcela de seu eleitorado tradicional, e aí não tem nenhuma decisão que consiga resolver dilemas, o partido não consegue criar uma imagem e é sempre associado a agendas negativas.

IM – A reforma da Previdência é central para a avaliação da postura tucana em relação ao governo. A aprovação da PEC 287 pode favorecer candidatos mais alinhados ao Planalto do que o próprio PSDB. Como o senhor observa a disputa entre Alckmin e Meirelles?

RC – Isso é central. Se tivesse o governismo definido um candidato e um projeto político minimamente comum, a reforma da Previdência já teria sido aprovada. O apoio a ela é tão complicado justamente por conta da perspectiva de que os partidos vão procurar projetos distintos para 2018. E isso é mais forte olhando para o PSDB, partido que naturalmente vai lançar candidato a presidente. 

Se [o governismo] tivesse definido um candidato monopolista, que vai personificar ao ganho econômico que vai vir com a retomada do diagnóstico ortodoxo e positivo para a economia brasileira, fariam um esforço conjunto para criar as melhores condições para o crescimento eleitoral. Naturalmente, com os conflitos importantes que existem em uma medida dessa natureza, mas me parece que a solução seria pró-reformas.

Neste momento, como não existe uma certeza, primeiro, se eles vão juntos, e, segundo, de quem é esse nome, o resultado é a dificuldade de construção de uma aliança mais significativa. Esse é o dilema que acaba atrapalhando a reforma da Previdência. O governo tem que fazer um esforço bastante significativo para conseguir se sobrepor ao choque de incertezas que dificulta a construção de um projeto comum e coloca em risco a continuidade da política econômica.

IM – Embora Alckmin tenha sido eleito presidente do PSDB com amplo apoio, ainda não está claro se haverá pacificação no partido, importante até mesmo na costura de alianças regionais em torno de sua candidatura presidencial. Como o senhor enxerga a evolução desse quadro?

RC – A única competição que ocorre no plano nacional é a eleição presidencial, as demais eleições seguem a lógica dos estados. A despeito do macroproblema de estrutura da competição para a presidencial, é preciso fazer a costura política federativa, porque, em boa medida, os parceiros no plano nacional disputam em um plano estadual. Esse é um processo comum, mas mais um elemento na complicação do xadrez para definir qual é o plano eleitoral do governismo, sobretudo quando se pensa em PMDB e PSDB, partidos com ambição executiva. Em alguns estados a articulação é mais complicada. Acho que é essa a aposta de Alckmin em relação aos demais nomes que eventualmente podem ser candidatos do governo. Ele tem muito maior conhecimento da lógica política por trás da construção de alianças do que outsiders. Ainda que não se associando tão fortemente ao governo, talvez sua estratégia seja a aliança com os demais partidos de acordo com a lógica estadual. 

IM – O senhor descreve um cenário de pulverização de candidaturas como risco ao centro. Em alguma medida, isso se assemelharia com o quadro de 1989. Como o senhor observa esse tipo de comparação?

RC – Comparações entre dois processos eleitorais dependem do marco analítico utilizado: resultado final, número de candidatos, abertura do mercado… Há uma série de possibilidades. Do ponto de vista do patamar de votos para ir ao segundo turno, há possibilidade de 2018 ser parecido com 1989. Não vai existir uma fragmentação tão ampla agora, o sistema partidário era completamente diferente naquela época, mas há dois elementos em comum importantes: 1) governo mal avaliado; 2) a estrutura de preferência de votos que permite a ida ao segundo turno com uma porcentagem relativamente baixa de votos. 

A terceira via deve ser maior que anteriormente, mas não necessariamente vai para o segundo turno. Isso apenas ocorrerá se o centro fracassar. Com Lula candidato, esse é só um problema do PSDB. Sem Lula, é um problema de PT e PSDB. Na ausência do ex-presidente, naturalmente o mercado eleitoral fica muito mais aberto, da mesma maneira como foi em 1989. Existem diferenças eleitorais entre os dois períodos. A principal delas é que a engenharia política para lançar uma candidatura presidencial é maior agora do que era lá atrás. Mas há uma força antigovernista muito forte e pode haver uma barreira de entrada baixa para ir ao segundo turno. Não é o cenário mais provável, mas não é preciso uma revolução para chegarmos a um resultado muito semelhante ao de 1989.

Ainda que sejam menos candidatos [em comparação com 1989], basta um pequeno racha nos polos para que um deles fique menor do que o que hoje chamamos de terceira força. Com o governo mal avaliado, independentemente do tipo de oposição, a tendência é o fortalecimento de um discurso oposicionista. Ceteris paribus, 2018 deveria ser uma eleição vencida pela oposição. O que ainda segura esse cenário? O impeachment da ex-presidente Dilma e uma investigação muito forte do principal partido da oposição, com destaque para sua liderança, que, inclusive, corre o risco de não participar da corrida presidencial. De todo modo, não dá para menosprezar o efeito oposicionista no pleito. Não é por acaso que o PSDB não abraça o governismo. Ele sabe dos custos de estar associado a uma administração de baixa popularidade.

IM – O PMDB é importante em termos de máquina, estrutura partidária e tempo de TV, mas não deve sair na foto…

RC – No fundo, o destaque é do partido que assume a cabeça da chapa. O PMDB é importante justamente por dar musculatura, o problema é que não está definido se está disposto a fazer esse casamento. É por isso que a relação fica tão tensa. O projeto governista e a governabilidade dependem da confirmação de um projeto eleitoral. Lá atrás, o governo Temer era pensado como projeto eleitoral na figura de Aécio Neves, mas que acabou não se concretizando por conta do desgaste pessoal do senador mineiro e da ocorrência de problemas decorrentes do custo político muito alto do governo. A rejeição elevada fez com que a percepção de unidade acabasse questionada, o que se materializou com o governo não conseguindo aprovar a reforma da Previdência. Mais do que uma oposição à medida em si, isso expressa a ausência de um projeto comum para 2018. O que Alckmin tentaria fazer nesse caso seria desenhar alianças no plano estadual. Ainda que não mobilize apoio formal, ele busca apoio político por meio de pactos estado a estado.

IM – O senhor imagina ainda a possibilidade de entrada de um outsider na cena eleitoral, após a desistência do apresentador Luciano Huck e com o ex-ministro Joaquim Barbosa ainda refletindo sobre tal possibilidade?

RC – Sempre é possível, mas não é o mais provável. Há um estoque informacional de aprendizado em relação a 1989 muito significativo. A elite política aprendeu os determinantes e dilemas de uma candidatura presidencial, coisa que não se sabia na época, o que torna a entrada mais complicada. Mas, diante dessa crise partidária e se eventualmente algum partido estiver disposto a fazer uma aposta não tão pragmática, o resultado vai ser uma campanha bastante pulverizada e possivelmente mais incerta. Acredito que um nome de centro-direita deva ser um quadro mais complicado. Organizar este campo é uma tarefa mais difícil do que a centro-esquerda. Nomes como Joaquim Barbosa, paradoxalmente, machucariam mais a centro-direita do que o próprio PT. 

IM – Como os resultados da reforma eleitoral devem influenciar nas estratégias de candidatos e partidos na próxima disputa?

RC – É possível que tenha um efeito no sentido de reforçar o peso dos partidos em relação aos candidatos. As siglas podem assumir protagonismo ao desenhar e selecionar quais nomes vão ter maior destaque ao longo da campanha. Pode ser o início de um mundo em que a disciplina partidária seja maior no Congresso, na medida em que esse novo equilíbrio for desenhado. Do ponto de vista do resultado das eleições, parece que haverá uma renovação especialmente no Senado, onde a figura do candidato tem um peso muito maior. Na Câmara, a tendência também é uma renovação maior do que nos pleitos anteriores. É bom lembrar que nossa renovação não é pequena, comparando com outros países. Mas isso não representará uma completa revolução, em parte por conta dos efeitos pró-status quo vindos do financiamento de campanha. Também pode haver uma adaptação dos partidos de lançar para as eleições proporcionais nomes que perderam competitividade para as majoritárias. A eleição para o Senado é uma eleição comparando candidatos. Na disputa para a Câmara, conta muito mais o dinheiro de campanha e exposição, ainda que haja uma rejeição elevada. Se os partidos adotarem essa estratégia, é possível que tenhamos ainda a salvação de nomes desgastados pela opinião pública. Desta forma, veríamos mais Malufs, sobretudo nos grandes colégios eleitorais.

IM – Nos últimos anos, observamos um crescimento da fragmentação partidária no parlamento e maior dificuldade das lideranças em conduzir suas bancadas e conquistar maior fidelidade em votações. Quais são suas expectativas para o Congresso na próxima legislatura e as limitações às agendas propostas pelos candidatos à presidência da República?

RC – Uma lição que 2015 deixou é a importância da política, do trato com os parlamentares e o entendimento do funcionamento do presidencialismo de coalizão. A principal diferença entre Temer e Dilma, do ponto de vista da governabilidade, tem a ver com a capacidade política. Temer enfrentou questionamentos mais significativos que a própria Dilma e não só sobreviveu como conseguiu construir mínima governabilidade. O presidencialismo de coalizão demanda capacidade muito significativa de coordenação política em um sistema multipartidário como o brasileiro, que é marcado pelo constante antagonismo entre cooperar no Legislativo e concorrer nas eleições. Qualquer nome que não tenha esses atributos deve sofrer desgaste. Os outsiders tendem a gerar crises ou pelo menos dilemas de governabilidade, com risco para os processos decisórios, resultando em paralisia, porque seu capital político é muito mais volátil. O custo reputacional de acordos políticos é muito elevado na imagem do outsider. Eles devem ser vistos com cuidado, independentemente de quais são suas posições políticas principais. 

De um modo geral, a tendência é que a esquerda fique menor como grupo político do que a centro-direita, olhando para as eleições legislativas. Agora, me parece que o dado mais desafiador tem um pouco a ver com os efeitos da emenda do teto dos gastos e da necessidade de continuar com o ajuste fiscal. Na falta de uma aprovação da reforma da Previdência em 2018, vai começar uma agenda muito pesada entre os congressistas, que vai demandar essa liderança política. Um dado positivo é que, com a realização das eleições, há uma renovação, um reforço da legitimidade e eventualmente uma superação dessa polarização muito grande que ocorreu ao longo de 2015. De todo modo, é preciso realismo político: o xadrez deve seguir muito complicado para 2018, o que gera um potencial de tensão com o Poder Executivo.

IM – A candidatura do ex-presidente Lula ainda é uma incógnita. O que muda com ele e sem ele nessa disputa?

RC – [Sem Lula,] O primeiro efeito é reforçar a imprevisibilidade eleitoral. De fato, o mercado fica muito mais aberto. O eleitor não teria mais os atalhos que tinha anteriormente. O PT, pela ausência de um nome forte como o Lula, e o PSDB, pelo racha na centro-direita. Especificamente para a esquerda, a ausência de Lula põe de novo o dilema da coordenação como problema urgente para a sobrevivência do grupo político. Para ela, seria importante lançar apenas um candidato para se contrapor ao governo. O desafio é que isso significaria eventualmente o PT abrir mão da sua candidatura. Do ponto de vista organizacional, não há incentivo para o partido fazer esse movimento. Um racha entre PT e Ciro Gomes ou outro nome da esquerda pode prejudicar a participação do grupo político e eventual chegada ao segundo turno. O ex-presidente ajuda na resolução desse dilema, porque altera a balança de poder dentro da esquerda favoravelmente ao PT. Do ponto de vista do debate político, acho que abre a chance de termos uma discussão menos marcada pela polarização. Podemos ter uma oxigenação do discurso eleitoral, até porque maior competitividade, seja na esquerda, seja na direita, ajuda na introdução de novos temas. A agenda econômica pode ser tratada de uma maneira diferente do que foi nas eleições de 2014.

IM – Episódios recentes expõem choques institucionais, sobretudo entre STF e Congresso. Levando-se em consideração a candidatura de Lula, condenado em primeira instância e com julgamento em segunda instância marcado para janeiro, com a possibilidade de impedimento via Lei da Ficha Limpa ou até autorização para a participação da disputa por liminar, o que se pode esperar do ponto de vista da segurança jurídica? Como isso implicaria no cenário político e econômico brasileiro?

RC – A candidatura de Lula vai trazer um problema institucional bastante significativo, a começar pela questão da formalização. Existe a possibilidade jurídica de haver uma candidatura de Lula depois sem condições de diplomação, o que já traria uma tensão entre a ação dos poderes de controle e o resultado eleitoral. O controle horizontal, entre os Poderes, vai entrar em choque com o controle vertical. Muito provavelmente vai ser um processo muito desgastante. Não há uma resposta única, não há uma solução satisfatória para esse dilema. Ou a Justiça Eleitoral consegue se antecipar e definir se o ex-presidente Lula tem condição de ser candidato ou estamos ainda em um mundo de potencial crise institucional. Nem sempre a operação desse arcabouço de controle ocorre na mesma direção, porque, em boa medida, o ex-presidente pode ter condições de concorrer por uma ineficiência da Justiça em dar um parecer mais rápido. Realmente, há um quadro de tensão institucional que deve manter a desconfiança política no horizonte, com efeitos negativos para a normalização do sistema. 

IM – Outros casos também poderiam provocar problemas do ponto de vista institucional?

RC – A lógica é mais ou menos a mesma. Claro que com Lula há destaque muito maior, mas no fundo a operacionalização do controle horizontal de definir ou não candidaturas é um processo muito complexo, desafiador do ponto de vista do desenho institucional. Jair Bolsonaro também enfrenta, de alguma maneira, esse questionamento. Então, não há dúvidas de que podemos ter um debate bem complicado no plano político. 

IM – O que o senhor esperaria em termos de governo caso Lula, Bolsonaro ou um nome mais alinhado à agenda governista, como Alckmin, sejam eleitos?

RC – A retórica de campanha é, em geral, mais polarizada do que depois do início do mandato. Naturalmente, todo eleito vai procurar um discurso de acomodação. O problema é que existem conflitos importantes no interior da sociedade que não foram resolvidos até 2018. São conflitos redistributivos que têm a ver com a agenda econômica em um quadro de restrição fiscal e que podem ser exacerbados por ela. Portanto, no próximo mandato presidencial, não pelas vias judiciais, mas no plano político, podemos ter um quadro de bastante tensão. A tendência ainda é um ambiente bastante desafiador diante desse cenário de esgotamento fiscal.

IM – Quando o senhor fala em conflitos distributivos, refere-se principalmente à emenda do teto de gastos e à reforma da Previdência, que enfrenta cada vez mais dificuldades em ser aprovada?

RC – No fundo, seriam gastos do Estado. Como agora o crescimento do bolo é delimitado pelo teto, o conflito sobre onde gastar e como o Estado acerta a distribuição de recursos entre grupos econômicos, indivíduos e grupos sociais vai ser novamente revisitado devido à necessidade de ajuste fiscal, especialmente na ausência da reforma da Previdência. Isso vale para todos os candidatos. [Em caso de vitória de] Nomes como o de Jair Bolsonaro, que não conseguirem formar coalizão, é possível que tenhamos um quadro de tensão política bastante significativa, dado que existe o presidencialismo brasileiro e sempre um desafio de construir governabilidade sob administração de minoria. Essa é uma figura que o Brasil ainda não assistiu, embora seja bastante normal, inclusive em sistemas parlamentaristas. Mas há um equilíbrio de forças que torna complicada a gestão de governos minoritários, portanto, podemos ter esse desgaste de governabilidade de forma muito significativa. 

IM – Como o senhor tem orientado seus clientes a observar essas eleições? Ao que devemos todos nos atentar neste processo?

RC – O quadro político ainda apresenta um viés negativo para a economia. O resultado econômico já é mais significativo, mas temos uma série de conflitos não resolvidos que podem dificultar a estabilidade do cenário. É um ambiente de conservadorismo em termos de apostas para Brasil, mas diante de uma perspectiva de que a solução do conflito político pode resultar em um período mais longo de ciclo virtuoso para a economia.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.