Oportunistas usam tragédia em Mariana para inviabilizar mineração no Brasil, diz deputado

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, Leonardo Quintão conta os desafios de relatar o novo código da mineração em um momento em que a atividade encontra-se no centro dos debates

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O rompimento da barragem de rejeitos minerais de Fundão, em Mariana (MG), além de trazer um cenário socioambiental caótico que já dura três semanas, reaquece a discussão das leis que regulam a mineração no Brasil, datadas de 1967. Há dois anos, o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que propunha mudanças sobretudo na cobrança dos royalties pela exploração mineral, nas regras para concessões de pesquisas e licitações operacionais e no perfil do novo órgão regulador responsável pela fiscalização. A matéria, cuja relatoria desde o princípio ficou a cargo do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), envolve uma série de conflitos entre os grupos de interesse e encontra-se distante de um consenso mínimo. Hoje, são as alas ambientalista e trabalhista as mais insatisfeitas com o relatório, reverberando a indignação da sociedade civil com a tragédia recente protagonizada pela Samarco – joint venture da Vale (VALE3; VALE5) com a anglo-australiana BHP Billiton.

O fato de o parlamentar, assim como boa parte de seus colegas que compõem a comissão especial responsável por discutir o projeto, manter laços financeiros com empresas interessadas no processo, devido às doações que recebeu para sua campanha eleitoral do ano passado, provoca duras críticas de grupos ambientalistas e organizações trabalhistas, embora ele alegue que tudo foi feito de acordo com o que estabelece a legislação. União, estados e municípios, empresas, ambientalistas e trabalhadores, investidores e habitantes de regiões afetadas: as partes envolvidas no projeto são múltiplas e exigirão ainda muita habilidade de costura por parte de deputados e senadores para que o texto final conquiste consenso mínimo. No caso de Quintão, a dissociação da imagem de político ligado aos interesses das mineradoras prejudica muito sua capacidade de dialogar com atores importantes no processo.

Organizações sociais são refratárias ao relatório de Quintão e não veem legitimidade na forma como o processo tem sido conduzido. Representantes de movimentos ouvidos pelo InfoMoney temem que o novo texto ofereça mais privilégios para as mineradoras, afrouxe compromissos com o meio ambiente e perpetue um cenário adverso para os trabalhadores das minas, onde acidentes graves são frequentes, assim como o consumo de drogas lícitas e ilícitas e a baixa remuneração, entre uma série de outros fatores. Na visão de alguns, o código de 1967 precisa ser atualizado, mas a nova versão traz ainda mais retrocessos. Para entender um pouco melhor o que está em discussão no novo Código Mineral, suas convicções acerca da matéria e defesas frente às alegações, esta reportagem entrevistou o relator do projeto na Câmara dos Deputados, Leonardo Quintão.

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InfoMoney – Quais foram as principais preocupações que o senhor teve no texto que relatou sobre o novo Código Mineral?
Leonardo Quintão – Em 2013, apresentei o relatório, dentro do prazo regimental. Não foi por falta de boa vontade do relator que a matéria não foi votada na casa. Em 2014, o relatório estava disponível, tanto na comissão quando na Câmara, houve o período eleitoral, e, depois, o próprio governo pediu que não fosse priorizada a votação devido à nova legislatura. Entrou a nova legislatura, assumi a relatoria, deram-me um prazo de um mês e eu apresentei novamente.

IM – Como o relatório mudou nesse intervalo? O senhor costurou novos acordos, incluiu novas questões?
LQ – Desde 2013, apresentamos o fortalecimento do órgão fiscalizador, tornando-o uma agência com o orçamento adequado. Hoje, o DNPM não tem condição de exercer suas funções delegadas em lei, que são: fiscalizar, liberar todo o processo minerário no Brasil. Temos mais de 20 mil processos que poderiam estar em operação, mas estão parados hoje no país, devido à falta de pessoal adequado para analisar os processos. É um sucateamento total do órgão. Também não há nenhuma fiscalização. O DNPM precisa de um orçamento de R$ 500 milhões e tem um orçamento de menos de R$ 60 milhões.

IM – Mas existe um problema de repasse também.
LQ – Sim. O repasse não é feito, mas, mesmo com o repasse federal, o orçamento não cobre o necessário. O orçamento dele é de R$ 57 milhões, e foram repassados menos de R$ 30 milhões – o que é pior ainda. Estamos colocando que as taxas emolumentos e multas vão direto para a futura agência, e não para o caixa da União.

Voltamos também com o direito de preferência. Estamos criando protocolo eletrônico – que facilita muito a transparência. Estamos garantido todos os direitos adquiridos no passado, que constam da lei antiga. O prazo de pesquisa é de 6 anos. O prazo de lavra, que o governo queria dar no caso dos agregados e seria de 15 anos, nós voltamos para 30. Na verdade, consertamos todo o projeto que o governo federal enviou para cá, para manter o setor produtivo competitivo.

IM – O senhor falou um pouco sobre as dificuldades de se colocar o projeto em votação. O relatório já estava pronto em 2013 e até hoje não foi votado. Neste ano ainda se ensaiou colocá-lo em pauta, mas isso não se concretizou. Por que o projeto ainda não foi votado? Quais são os entraves? Que interesses barram o processo?
LQ – Temos os interesses de ambientalistas, que são contra a mineração. Eles querem que ela não prospere no país. Temos outros setores também que querem modificar o projeto para flexibilizar. Eu, como relator, encaminhei para o equilíbrio do projeto. Nós estamos, neste momento, devido à tragédia em Mariana, negociando principalmente com o setor ambientalista, que está utilizando do que aconteceu para modificar o projeto de uma forma para criar uma dificuldade para o setor produtivo no Brasil.

IM – Conversamos com alguns representantes de movimentos sociais e ambientais engajados para tratar do código mineral e do legado do caso Samarco. Uma das alegações deles é que o projeto retira questões ambientais importantes, que já eram vagas no projeto de 1967. A primeira seria referente ao licenciamento ambiental prévio.
LQ – Nós já temos uma legislação ambiental que determina isso. Não cabe ao código que vai direcionar a produção minerária mencionar leis que já existem. Por exemplo: temos a lei das barragens e a lei ambiental. Já temos todo tipo de lei que rege sobre o licenciamento ambiental de qualquer projeto.

IM – Há deputados, como seu colega Sarney Filho, que pedem revisões na lei de barragens nesse código mineral.
LQ – Vamos conversar novamente, porque temos que aprender com esse desastre. Agora, nós vamos votar esse projeto cujo principal ponto é fiscalização. No Brasil, estamos cheios de leis que não são executadas em sua totalidade pela ineficiência do poder público. Não adianta fazer lei se não houver um órgão para executá-la com capacidade.

IM – O senhor falou sobre problemas de fiscalização. Esse teria sido o principal responsável pela tragédia em Mariana, a seu ver? Quais são as responsabilidades de cada agente envolvido?
LQ – Não houve fiscalização. E eu já venho defendendo isso há muito tempo.

IM – E qual é a responsabilidade das empresas sobre isso? A Samarco ampliou a produção em 20% naquele ano.
LQ – Certamente a empresa é responsável por esse desastre ambiental. Eu sou quem mais está cobrando. O Ministério Público está pedindo R$ 1 bilhão, os governos estão multando. Eu estou avaliando entre R$ 10 e 14 bilhões, podendo chegar a R$ 30 bilhões, do lado ambiental, social, econômico e reparações públicas. Foram derramados 58 milhões de metros cúbicos na bacia do Rio Doce. Isso terá de ser retirado e tratado. Só a retirada desse material e o tratamento, colocando um valor tímido de R$ 100 por metro cúbico, equivaleria a R$ 6 bilhões. Mais o valor de indenizações, chegaremos a esses valores.

IM – Quanto disso ficará a cargo da Samarco e suas controladoras Vale e BHP?
LQ – 100% é culpa da empresa. Ela precisa arcar com isso.

IM – Ao mesmo tempo, há quem diga que existe um risco de esse novo código mineral trazer facilidades para essas empresas em casos similares. Qual é sua posição? Existe brecha para essas empresas? O que está sendo feito para que não haja espaço para impunidade nesses casos?
LQ – As brechas precisam ser apontadas. Falar de forma generalista é uma maneira leviana de tratar o assunto. Não há, no código de mineração, nenhuma brecha para que empresas não sejam punidas. Pelo contrário: temos leis que regem sobre qualquer tipo de desastre ambiental.

O artigo 119 do código da mineração eu vou retirar por estar causando polêmica. Não há problema algum. Ele não inviabiliza a criação de nenhum parque ou área de preservação; só garante o direito ao povo brasileiro de, quando for criado uma área de preservação, que seja feito um estudo geológico, para não esterilizar uma riqueza que poderia contribuir para o desenvolvimento do país. Mas vou retirar o artigo, porque oportunistas, em um momento de fragilidade, estão aproveitando disso para tentar inserir no código de mineração artigos que venham a prejudicar o desenvolvimento do país.

Acho que temos que ter uma visão de país. Temos hoje ambientalistas que querem inviabilizar um setor produtivo importante para o país. Temos que achar o equilíbrio. Não podemos ir para os extremos.

IM – Invertendo a questão anterior: como seria se a tragédia da Samarco tivesse ocorrido já no vigor desse novo código mineral, que, em tese, poderia ter sido aprovado dois anos atrás?
LQ – As punições nós já temos. Não é uma lei de mineração que vai aumentar ou diminuir esse tipo de punição. Essas leis nós já temos, não apenas para a mineração, como para a indústria ou qualquer setor produtivo no Brasil. O que sempre defendi foi o fortalecimento do órgão fiscalizador. Se nós tivéssemos fiscalização adequada, afastado o erro humano ou problema geológico na barragem, ele teria sido evitado.

IM – Os três pontos que mais envolvem discussão no projeto referem-se a royalties, princípio de prioridade e a criação de um órgão regulador. Quais são os pontos de desencontro entre as partes interessadas?
LQ – Estamos caminhando para achar novamente uma alíquota única em vez de bandas. Vamos Acho que a tendência é essa. Também voltamos com o princípio de prioridade.

IM – Por que a regra usada no caso do petróleo não funcionaria com a mineração?
LQ – Ela não funciona em lugar nenhum do mundo. Não existe país que adotou isso.

IM – As pesquisas ficaram centralizadas na CPRM se o projeto original do governo fosse levado em consideração. Haveria maior dependência do Estado.
LQ – Ia inviabilizar o setor mineral no Brasil. Nós tiraríamos a competitividade do setor e inviabilizar um setor que tem importância no Brasil.

IM – O senhor falou do aspecto produtivo. Quais foram os principais pontos desse novo código que o senhor destacaria para ampliar a dinâmica do setor no Brasil e aumentar a competitividade?
LQ – O fortalecimento da agência, garantias jurídicas de todos os direitos anteriores e posteriores à lei [de 1967], a manutenção da competitividade do setor internacionalmente. Nós também criamos o protocolo eletrônico para diminuir a questão da especulação. Estamos socializando a CFEM, colocando 10% dela nos municípios impactados pela mineração. Estabelecemos diretrizes jurídicas que irão garantir maior agilidade em todos os processos.

IM – O senhor recebeu críticas recentemente por ter tido sua campanha eleitoral financiado em boa parte por empresas de mineração. A alegação é que, durante a discussão desse código mineral, foram mais ouvidos representantes do setor do que outros agentes da sociedade civil. As mineradoras foram favorecidas nas audiências e no texto final?
LQ – É um oportunismo muito grande dizer isso. É leviandade, porque, durante o processo democrático que aconteceu na Câmara dos Deputados, todos os setores foram ouvidos paritariamente. O mesmo tempo dado ao setor produtivo foi dado para o setor ambientalista nas audiências públicas. Estão querendo induzir a imprensa a erro. Segundo: todas as doações que eu e vários parlamentares recebemos ocorreram dentro do que permite a legislação brasileira. Nenhuma das nossas decisões no código, nenhum artigo beneficia a empresa A ou B. Agora, é um código que rege sobre o setor produtivo brasileiro. Então, tenho que colocar diretrizes para a produção, não diretrizes para o impedimento do setor no Brasil.

Não me incomodo com a crítica. Eu respeito, mas acho muito leviana, porque estão induzindo que estou me submetendo a algum tipo de lobby. O parlamentar tem que agir dentro da legalidade, como eu agi. Inseri vários artigos que foram sugestões dos setores ambientalistas. Nós criamos conselhos estaduais e federais de acompanhamento da mineração nos estados. Nesse momento da tragédia, alguns membros do setor ambientalista estão agindo de maneira acusativa, mas faz parte da democracia. Vamos enfrentar de maneira respeitosa.

IM – Mas é um acontecimento de grande magnitude.
LQ – Certamente. Eu fui a primeira pessoa a mostrar a magnitude dessa catástrofe. O Ibama multou em R$ 100 milhões, o estado de Minas Gerais multou em R$ 200 milhões, e eu fui o primeiro a dizer que esse impacto estaria entre R$ 10 a 14 bilhões, podendo chegar até R$ 30 bilhões.

IM – Mais alguma questão que o senhor gostaria de acrescentar a essa entrevista?
LQ – Estamos abertos ao aprimoramento, e, da minha parte, não há nenhum radicalismo, e respeito os contrários.

IM – O deputado Sarney Filho disse que haveria uma reelaboração do projeto por meio de subemendas. Isso vai acontecer de fato?
LQ – Estou dialogando com ele. Já assumi o compromisso de retirar o artigo 119 do projeto, que está gerando polêmica. E vou ouvir as sugestões enviadas.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.