Entenda: como Wesley Batista usou o mercado financeiro para lucrar milhões com o próprio caos

Áudios da Polícia Federal apontam que empresário estruturou operação no mercado a termo no valor de US$ 751,5 milhões

Rafael Souza Ribeiro

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SÃO PAULO – O pregão de 18 de maio, dia que ficou conhecido como “Friboigate” – quando o mercado foi abatido pela revelação de áudio de conversa mantida por Temer com Joesley Batista – sem dúvida nenhuma ficará na memória de muitos investidores, pois reverteu bruscamente o clima de euforia do mercado em vista da expectativa de queda da Selic para um cenário de inúmeras incertezas políticas. Porém, se para uns esse fatídico pregão foi para contar os prejuízos, para outros foi a oportunidade de concretizar um bom negócio.

Segundo áudios obtidos pela PF (Polícia Federal) após apreensão do celular de Wesley Batista, o empresário e o diretor de controle de risco da JBS, Rafael Harada, estruturaram uma operação no mercado de câmbio para aproveitar uma possível valorização do dólar, o que de fato ocorreu em 18 maio, pregão que a divisa norte-americana disparou 8,15%, voltando para a casa de R$ 3,40. Não por acaso, os empresários estão presos preventivamente desde 13 de setembro após serem indiciados por uso de informação privilegiada no mercado financeiro.

A montagem da estrutura começou ser arquitetada praticamente um mês antes, quando o empresário ligou para Harada para saber sobre os limites de crédito da tesouraria para operações de câmbio conhecidas como NDF (Non-Deliverable Forward). Mas o que é isso?

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Basicamente, o NDF é um contrato a termo sem entrega física do ativo e representa um acordo entre partes para a compra ou venda da taxa de câmbio para um momento determinado no futuro a um preço fixado quando fechado o acordo entre os contratantes. Usualmente, essa modalidade é utilizada pelas tesourarias como instrumento de hedge (proteção contra oscilações do dólar), já que vai prefixar uma taxa de câmbio independente da variação da moeda até o vencimento. Pensando no caso da JBS, por ser uma exportadora e ter receita em dólares, o NDF reduziria possíveis perdas com a desvalorização da moeda.

Testando os limites

De acordo com os áudios apresentados pela PF, no dia 29 de abril, Batista trocou mensagem de áudio com o diretor de controle de risco da JBS para saber sobre a viabilidade de estruturar a operação a termo: “Rafa, os limites que nós temos nos bancos de NDF, se quisermos voltar a usar, é preciso aprovar ou já está pré-aprovado? Como é que funciona isso? Passa a relação dos bancos e os limites que nós temos para usar”.

Desde então, conforme aponta relatório da PF, a tesouraria da JBS começou entrar “pesado” no mercado de câmbio na ponta compradora, aparentemente se preparando para um grande evento. Os áudios apontam que em 9 de maio que Harada conseguiu aumentar os limites de crédito com os outros bancos e sem perder tempo Batista manda elevar a posição em todas as frentes do conglomerado da J&F Investimentos: “passa para mim o que nós fizemos hoje, adicional ao que nós tínhamos feito na sexta-feira na JBS e checa o que a Eldorado está fazendo também”.

No final das contas, em 17 de maio, a empresa possuia uma posição comprada de US$ 751,5 milhões através desses derivativos cambiais, apurou a PF. Até então, isso pode ter sido uma estratégia de proteção da JBS, mas essa teoria “cai por terra” com essa informação: de acordo com as investigações, pouco menos da metade – US$ 370 milhões – foram adquiridos via mercado um dia antes das revelações e “travada” a R$ 3,134 com vencimento em 1º de junho. Considerando o fechamento do câmbio naquela data (R$ 3,246), foram embolsados US$ 41 milhões na operação.

Em nota, a JBS afirma que todas as operações de derivativos cambiais e recompra de ações seguiram trâmites e padrões normais em linha com o histórico da companhia em operações dessa natureza. Com relação ao áudio, ele se trata somente de uma consulta da direção sobre posições de crédito, procedimento usual para esse tipo de transação. Segundo a empresa, a informação já havia sido relatada à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e demais órgãos competentes, ao passo que se mantém a disposição para colaborar com as autoridades no esclarecimento dos fatos que são absolutamente regulares e não há, portanto, nenhuma anormalidade nas operações em questão.

Na mira da Justiça

Na última quinta-feira (21), a Polícia Federal indiciou Joesley e Wesley Batista sob a alegação que se aproveitaram do conteúdo da delação premiada para realizar operações no mercado de capitais e auferir vantagens. A prisão dos empresários por insider trading (uso de informações privilegiadas) foi a primeira realizada no Brasil.

No despacho de Edson Moreira, delegado federal que cuidou do caso, aponta que os empresários de fato utilizaram as informações privilegiadas, ainda sigilosa, determinando a realização de operações de compra e venda para propiciar vantagem em negociações no mercado de capitais: “esta ‘vantagem’ era indevida, nos termos da lei, porquanto feria o princípio da simetria informacional e quebrava as regras legais de vedação de uso de informação relevante ainda não divulgada ao mercado”, aponta o despacho do delegado.