Real é de longe a moeda mais valorizada do semestre; por que o dólar caiu tanto?

O voo da moeda brasileira teve ao menos três escalas importantes, todas relacionadas à agenda política, indicando que o foco nas economias nacional e internacional ficou em segundo plano no período

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Uma das moedas que mais se desvalorizaram ante o dólar no ano passado, o real caminha para ser a divisa campeã em alta nos primeiros seis meses de 2016. No período, a valorização foi de 23%, embalada pela euforia dos agentes econômicos com a mudança na condução política do país, as sinalizações pró-mercado dadas pela nova equipe econômica, capitaneada por Henrique Meirelles na Fazenda e Ilan Goldfajn no Banco Central, e um largo espaço para corrigir o movimento do ano anterior. E assim, o último virou o primeiro.

O voo da moeda brasileira teve ao menos três escalas importantes, todas relacionadas à agenda política, indicando que o foco nas economias nacional e internacional ficou em segundo plano no período. A primeira aconteceu em 15 de março, com a divulgação do áudio de uma conversa telefônica entre a presidente afastada Dilma Rousseff e seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, na qual a então mandatária tratou da entrega de um termo de posse ao ex-presidente, que iria assumir o ministério da Casa Civil. A medida foi entendida por muitos como uma manobra a proteger o petista do avanço das investigações da Operação Lava Jato, e a divulgação do grampo — posteriormente anulado como prova pelo Supremo Tribunal Federal — marcou um momento de euforia dos investidores com a possibilidade de a pauta do impeachment avançar. Naquele dia, o dólar fechou cotado a R$ 3,76.

Segunda escala marcante para a trajetória de valorização do real ante o dólar no semestre foi a própria votação que culminou no afastamento de Dilma, iniciada em 11 de maio e encerrada na madrugada do dia seguinte. A moeda americana, naquele momento, estava valendo R$ 3,47, chegou a mostrar alguma correção, mas logo continuou o mergulho com a valorização do real, em resposta à mais recente escala. Um terceiro momento decisivo para o atual estado do real no mercado de câmbio se deu com as primeiras sinalizações de Goldfajn para uma gestão mais rígida do Banco Central, visando a recuperação do chamado “tripé econômico”, formado pelo regime de câmbio flutuante, metas para inflação e geração de superávits primários, além da conquista de uma autonomia da autoridade monetária nacional.

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O gráfico a seguir mostra o desempenho de dez moedas com relação ao dólar no acumulado do ano, segundo cotações apresentadas pela Bloomberg compiladas por este portal:

“Determinada corrente do mercado apostava que o dólar iria para R$ 5,00. Era uma aposta contra a moeda. Havia os riscos naturais do mercado, mas o preponderante era a política”, observou Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora, em menção ao período de forte pessimismo dos investidores, fruto de uma insatisfação com o governo Dilma, quando o impeachment também era visto como algo improvável.

“Hoje, [os investidores] estão desmontando posições por conta do novo posicionamento do Banco Central. A crise política, que era um fator predominante, está caminhando para ser equacionada”, complementou em tom otimista. O especialista destaca ainda o que para ele foi a grande jogada do governo do presidente interino Michel Temer e que começou a regatar a confiança do mercado: montar uma boa equipe econômica e um BC forte.

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Leandro Cruz, da mesa de produtos estruturados da XP Investimentos, lembra ainda da forte desvalorização do real como fator a influenciar o expressivo movimento reverso deste semestre. “No ano passado, tivemos uma piora com a percepção de que o país poderia quebrar com a forma que caminhava. Parte do efeito visto neste semestre é devolução do que ocorreu no ano passado e também a percepção de melhora nos fundamentos do país”, disse. O dólar subiu 48% ante o real em 2015 em sua maior alta anual em treze anos.

Atualmente, o cenário para o mercado de câmbio tem respondido aos posicionamentos e falas de Goldfajn. Ao mostrar preocupação com a resiliência da inflação e assumir compromisso em interferir minimamente no câmbio, o presidente do BC joga a favor do mercado. A redução da banda de tolerância para as próximas metas de inflação, na leitura de Cruz, é outro fator a contribuir nesse sentido.

Na avaliação de Galhardo, os atuais movimentos do dólar também refletem um teste do mercado ao comandante da autoridade monetária. “Quando falou que o dólar teoricamente não seria uma preocupação deles e achava-se que o BC teria que ser menos intervencionista. A partir desse momento, o mercado, que vinha em uma espiral de queda, começou a apostar na possibilidade de o dólar ficar à mercê de o mercado colocar piso e dólar. O mercado também testa o sangue frio do BC quase diariamente”, explicou. Para ele, há espaço para o patamar de R$ 3,00 ser testado, a depender dos acontecimentos no exterior.

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À medida em que a agenda política deixa de quase monopolizar a atenção dos investidores que se expõem ao mercado brasileiro, o cenário externo volta a ganhar mais destaque. É o caso do “Brexit”, referendo que culminou na decisão do Reino Unido por deixar a União Europeia, que causou forte tensão nos mercados na semana passada. Apesar do pânico do momento, Cruz diz que o acontecimento pode ser positivo para a valorização do real no mercado de câmbio. “Isso vai gerar menor crescimento global, mas também inibe o Federal Reserve a subir juros nos Estados Unidos, além de outros bancos centrais reagirem para enfrentar o momento com afrouxamento”, analisou. Levando em consideração as elevadas taxas brasileiras, é possível imaginar um fluxo positivo de investimentos externos. Não se sabe ainda quanto a balança comercial irá sofrer com o dólar mais barato.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.