Por que os fundos gostam tanto de juros sobre capital próprio?

Brecha na lei dava espaço para que fundos se aproveitassem de um "benefício fiscal" com aluguel de ações na Bolsa

Paula Barra

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SÃO PAULO – A “vida fácil” dos fundos pode estar prestes a acabar. Durante muitos anos, uma brecha na lei deu espaço para que os fundos se aproveitassem de um “benefício fiscal”. Embora pareça complexa, a operação é bem simples: os gestores aguardam os anúncios de grandes empresas que pagam juros sobre capital e têm uma grande base de clientes pessoas físicas e estrangeiros para alugar esses papéis antes da distribuição do proventos.

O que está por trás de tamanho interesse é a diferença de tributação que se aplica a esses proventos. As empresas têm duas formas de remunerar os acionistas – com dividendos ou juros sobre capital próprio. No primeiro caso, a remuneração é tributada em 15% pela Receita Federal na data do depósito para pessoa física e não residentes, enquanto no segundo, no caso de dividendos, esse é recebido integralmente pelo investidor. Ou seja, os gestores corriam para alugar essas ações que pagariam juros sobre capital próprio antes da data da distribuição, isto porque eles, diferentemente da pessoa física e não residentes, eles recebem os juros sobre capital próprio cheios. 

Para não ter que comprar o papel, o que tornaria a operação muito “cara”, esses gestores alugavam esses papéis, a taxas baixas e ficavam com essas ações por pouco tempo apenas enquanto esperavam o pagamento do JCP. Da mesma forma como se comprasse os papéis, o acionista que “tomou” emprestado essa ação é que recebe o provento, mas não fica para ele. O provento é de direito de quem doou, e é aí que estava o pote de ouro dos fundos. Como os gestores precisavam devolver ao “doador”, que eram normalmente pessoa física ou estrangeiros, eles recebiam o JCP “cheio” e então repassavam para os acionistas já descontados de alíquota de Imposto de Renda. Esses acionistas são tributados com alíquota de 15%, na data do pagamento.

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Em termos práticos, isto quer dizer que os fundos alugavam as ações na Bolsa e recebiam os proventos cheios, mas como eles são de direito do “doador” do papel, ou seja, do investidor que doou esses papéis no BTC (Banco de Títulos), os gestores precisavam devolver esses proventos. É neste momento que ocorria o “ganho” porque os fundos recebiam os proventos cheios, enquanto para os acionistas pessoa física e estrangeiros há Imposto de Renda na fonte. No caso, eles embolsavam essa diferença de 15% – em uma operação, até o momento, absolutamente legal. 

“Moleza” pode acabar em breve…
Essa “moleza” do ganho com diferença da alíquota devida, no entanto, pode estar prestes a acabar. Isto porque a Medida Provisório n° 651, de 9 de julho, traz alterações relevantes na tributação de investimentos no mercado financeiro de capitais, inclusive para os empréstimos de ações. A MP vai acabar com a viabilidade da realização dessa operação, com a alíquota de 15% passando a ser aplicável a todos. Mas, por que isso foi colocado em pauta somente agora?

Segundo Ana Carolina Monguilod, sócia da área tributária do escritório Levy & Salomão Advogados, os fundos não sofriam dedução porque não são uma sociedade jurídica, não tem personalidade jurídica. Além disso, a lei entendia que quem deveria ser tributado era o cotista, quando realiza o lucro do investimento nos fundos (o que realmente ocorre e continuará ocorrendo, mesmo com a implementação da MP). “A MP tentou fechar essa porta, mas a não tributação dos fundos se justifica porque a Receita não sai perdendo, uma vez que depois o cotista será tributado pelos ganhos. Mas a atual situação incomodava o Fisco”, comenta Ana Carolina.

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Segundo ela, a tributação que foi criada agora diz respeito as ações mantidas em custódia sob sua titularidade, ou seja, no cenário mais comum em que os fundos emprestam para realmente operar na ponta vendedora eles não serão tributados. Isto quer dizer que, se o fundo “tomar” emprestado uma ação, vender a terceiros no mercado e, posteriormente, devolver ao acionista, ele não será cobrado; a não ser que empreste somente para ganhar o juros sobre o capital próprio, sem vender o papel na Bolsa.   

Apesar de evitar essas operações, uma fonte que pediu anonimato disse que nem todas as portas estão fechadas para esses fundos. “É natural que os players do mercado busquem outras alternativas”, disse. Uma delas seria eles realmente venderem essas ações no mercado e depois realizar sem o JCP. Esse “ganho” não seria tributado. “Os não residentes fazem isso”, comenta. 

Vale lembrar, no entanto, que a MP precisa ainda ser aprovada no Congresso, e caso seja ainda este ano, só entrará em vigor em 2015. “Qualquer imposto só pode ser cobrado no período subsequente, no caso, em 2015”, disse Ana Carolina. A MP tem 120 dias, a contar do dia 17 de julho, para ser aprovada, do contrário ela cai. Esse prazo, no entanto, é suspenso durante o período de recesso parlamentar. E, tento em vista a eleição em outubro, é esperado que esse prazo se arraste um pouco mais, comenta.