O Brasil terá sua Nasdaq?

Chegada da Linx à Bovespa desperta o interesse dos investidores, mas faltam no país empresas fortes de software e serviços de TI

Paula Barra

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SÃO PAULO – O IPO (Oferta Pública de Ações) da Linx (LINX3), realizado em fevereiro, abriu os olhos dos investidores brasileiros para um setor ainda pouco desenvolvido: o de tecnologia. Ao captar R$ 527,8 milhões em sua abertura de capital, a empresa marcou o fim de um longo jejum de IPOs no setor. Durante seis anos, nenhuma empresa de tecnologia havia ingressado na BMF&Bovespa, e o sucesso do segmento esteve praticamente restrito a um único caso, o da TOTVS (TOTS3), uma empresa de softwares de gestão. Entretanto, há indícios de que isso pode mudar até o final desta década.

Embora os investidores continuem a ter poucas boas opções no setor, a valorização de 40% dos papéis da Linx desde a abertura de capital despertou o interesse do mercado. Não que o país possa ter, de uma hora para outra, um segmento de tecnologia tão forte que possa ser chamado de “Nasdaq brasileira”. Uma das barreiras difíceis de serem superadas é que as maiores empresas do setor estão longe de ter o porte do Google, da Apple ou da Microsoft nos Estados Unidos.

Mas mesmo empresas bem menores poderiam chegar à Bolsa via Bovespa Mais, o segmento de acesso da BM&FBovespa para a listagem de ações de companhias ainda em fase de amadurecimento. O Bovespa Mais ganhou fôlego no ano passado, com a formação de um grupo de trabalho do qual participam BM&FBovespa, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Abdi (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), Finep e BNDESPar, o braço de investimentos do BNDES. A ideia é tomar medidas para reduzir os custos das empresas listadas no Bovespa Mais, de forma a viabilizar a chegada de empresas de pequeno porte, como acontece em vários países desenvolvido

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A listagem no Bovespa Mais seria positiva para tornar as empresas de tecnologia mais capitalizadas e conhecidas. A listagem precoce ajudaria inicialmente a reduzir as dívidas das empresas ou dar fôlego financeiro para a expansão, diz Daniel Castro, sócio da gestora DLM Invista, que administra aproximadamente R$ 500 milhões e tem um fundo de ações destinado a empresas de telecomunicação, mídia e tecnologia. No futuro, as empresas bem-sucedidas também poderiam contar com o apoio e a confiança dos investidores para migrar para o segmento normal de listagem.

Um dos exemplos de que esse caminho poder ser viável foi o IPO da Senior Solutions, empresa especializada em softwares e serviços para o setor financeiro, que ingressou no Bovespa Mais em março. Para evitar que a Senior Solutions não seja apenas uma exceção, o BNDES trabalharia como o principal agente para fomentar o segmento. Atualmente, o BNDESPar tem participação em cerca de 30 empresas do ramo, das quais as mais conhecidas são Padtec, BRQ, CI&T, High Bridge, Quality Software, Teikon e Six Semicondutores. O banco não esconde o desejo de fomentar a “Nasdaq brasileira”, ainda que esse ainda seja um sonho distante.

Software é o caminho
Segundo Castro, o setor de tecnologia no Brasil ainda está em fase de construção, e muito precisa ser feito para chegar perto do que é visto nos EUA e na Europa. Contudo, há duas características centrais que merecem destaque: o mercado é pulverizado e apresenta enorme potencial de crescimento. “O que identificamos é que o setor de tecnologia ainda tem poucos representantes no país. O mercado brasileiro ainda está em desenvolvimento.

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Por trás das dificuldades do setor em chegar ao mercado acionário, também está a debilidade do próprio país em atrair empresas interessadas em listar suas ações. A Bovespa está na 23ª posição em termos de quantidade de empresas de capital aberto, contabilizando 353 companhias listadas ao final de 2012, mostrou um estudo do Banco Mundial. Nessa métrica, a Bolsa brasileira está muito mais parecida com os mercados da Mongólia e do Vietnã do que com os de Índia e Estados Unidos – campeões de listagem. A principal explicação é que, com os juros altos, muitas empresas com resultado operacional bom acabam lucrando pouco porque gastam muito com despesas financeiras. Nesse ambiente, fica mais difícil chegar à Bolsa.

No caso do segmento de tecnologia, faltam outras empresas de software tão bem posicionadas quanto a TOTVS e a Linx. “O Brasil vê uma concentração muito grande no segmento de hardware dentro do setor de TI (que concentra hardware, software e serviços). Em mercados mais maduros, como nos EUA e na Europa, essa parcela de receita proveniente de softwares e serviços é muito maior do que a de hardware”, diz Castro. O problema do segmento de hardware é a competição com empresas estrangeiras, já que esses produtos podem ser mais facilmente importados.

Apesar da distância do mercado brasileiro na comparação com outros mais desenvolvidos, o IPO bem sucedido da Linx mostrou não somente o apetite do investidor nacional, mas também do internacional em relação às boas histórias nesse segmento. “Eu acho que existem boas empresas a serem trabalhadas, e cabe a nós garimpá-las”, diz Castro, que também investe em companhias de tecnologia que ainda não estão listadas.

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O desafio é encontrar as outras Linx do mercado brasileiro. “A Linx se preparou bastante para o IPO e mostrou que, além de ter uma boa história, é uma excelente oportunidade de investimento. Quem entrou no IPO vem ganhando dinheiro. É uma empresa que tem qualidade e tem tudo para ser um caso vencedor”, afirma.

O analista Gustavo Serra, da Planner Corretora, reforça que o mercado brasileiro de tecnologia tem um espaço muito grande para crescer, ainda mais se olhar para as perspectivas de lucros. Quando se compara a qualidade das empresas listadas em Bolsa no Brasil com as americanas, não estamos tão distantes. “E em alguns casos, as companhias brasileiras estão até numa situação melhor”, diz.

Outro ponto favorável é que as empresas desse setor têm, em sua maioria, caixa líquido, diz Serra. Ou seja, mesmo que essas companhias precisem realizar investimentos expressivos, ele não acredita que captação de dinheiro será um problema.

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Os gargalos
Entretanto, alguns pontos ainda emperram a decolagem das companhias de tecnologia. Não é apenas o setor de logística que sofre com os gargalos de infraestrutura no Brasil, mas também o de telecomunicações. “Embora estejamos caminhando no sentido certo, ainda há muito a ser feito no Brasil”, afirma Castro. Há uma demanda crescente na utilização de dados, seja através do segmento de vendas online, seja pela massificação de smartphones e tablets. “É um mercado em desenvolvimento e em transformação, que ainda necessita de muitos investimentos.”

Entretanto, o crescimento do mercado deve beneficiar as empresas. De acordo com Castro, o Brasil deve passar de sétimo para o quarto maior mercado de smartphones no mundo neste ano. O país já é o terceiro maior mercado de PCs, com grande potencial de substituição desse aparelho por tablets. “Temos no Brasil um mercado que cresce com aspectos transformacionais importantes: um mercado que cresce devido à infraestrutura deficitária e aos altos investimentos programados para os próximos eventos (Copa do Mundo e Olimpíada), assim como em aspectos transformacionais, com as mudanças nas relações interpessoais, com os novos mercados e produtos (massificação dos smartphones e aumento das vendas online)”, comenta.

A melhor do setor na Bolsa
Quem investe em empresas de tecnologia deve estar ciente de que, nesse setor, o risco é muito alto. Os ocasos de gigantes como a Xerox, a Kodak e a HP mostram que as companhias de tecnologia não podem parar no tempo. Segundo Castro, as principais questões que os investidores devem olhar quando vão analisar empresas do setor são a inovação, o nível de investimento, os executivos e a sua capacidade de prevalecer fortes e atuantes.

A TOTVS é um caso raro de empresa de TI que vem conseguindo fazer muito bem o seu dever de casa. Desde que abriu capital, em 2006, as ações da companhia valorizaram mais de 530%. Atualmente, a TOTVS mantém canais de distribuição no México, Colômbia, Peru, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Chile, liderando o mercado da América Latina com mais de 35% de participação de mercado. A empresa buscou nichos e conseguiu se sobressair mesmo com a chegada agressiva de gigantes de software de gestão ao país, como SAP e Oracle.

Para Serra, a TOTVS, na verdade, ainda tem muito espaço para crescer. “Ela tem um potencial muito grande em um mercado ainda pulverizado no Brasil. A empresa tem conseguido apresentar resultados convincentes, com crescimento de receita, elevação das margens e pagamento de dividendos, o que também ajuda a influenciar positivamente seu desempenho em Bolsa”, afirma.

Quem decepcionou?
Segundo Castro, algumas empresas do setor que também abriram capital entre 2006 e 2007, período do boom de IPOs no Brasil, não conseguiram se destacar como a TOTVS. Um exemplo é a Positivo, que atua no mercado de hardwares (vendendo itens como computadores e notebooks) e de tecnologia educacional. Desde a abertura de capital, no final de 2006, as ações da companhia registram desvalorização de mais de 75%.

Um dos motivos para esse cenário turbulento é a forte concorrência com os produtos importados, que saem por um preço mais baixo para o consumidor devido a custos menores de produção, explica Serra. A lista, entretanto, não para por aí e pode incluir também nomes como a IGB Eletrônica, controladora da marca Gradiente, que está em recuperação judicial desde 2010. Mas, reforça Castro, o copo está mais cheio do que vazio para o setor.

Essa matéria foi publicada na edição 45 da revista InfoMoney, referente ao bimestre julho/agosto de 2013. Para tornar-se um assinante da revista, clique aqui.