Por que Cielo e Rede continuam a reinar no setor de cartões? Consultor responde

Um dos maiores especialistas do setor de cartões no Brasil, Edson Luiz dos Santos diz que as duas empresas possuem tecnologia defasada em relação aos concorrentes e sustentam as altas participações de mercado devido ao poder dos bancos controladores

João Sandrini

Prédio da Cielo

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(SÃO PAULO) – Desde que ocorreu a quebra da exclusividade da Visa com a Cielo (ex-Visanet) em julho de 2010, criou-se a expectativa de que haveria mudanças profundas no setor de cartões de crédito, mais especificamente no setor de credenciamento. Mas não foi o que aconteceu, ao menos em termos de divisão do mercado. Cerca de 90% do mercado segue concentrado nas mãos das adquirentes Cielo e Rede (ex-Redecard). A principal mudança foi a conquista pelo Santander/GetNet de 6% do mercado, mas a expansão ficou muito abaixo da expectativa inicial do banco espanhol, que previa a chegar a 2015 com uma fatia de 15%. As outras cinco empresas de adquirência – as brasileiras Vero (Banrisul) e Stone Pagamentos e as americanas Elavon, Global Payments e First Data – têm uma participação somada menor que a do Santander.

Para o consultor Edson Luiz dos Santos, fundador da CoLink Business Consulting, ex-diretor financeiro e de relações com investidores da Rede, ex-diretor da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços), ex-CEO da Global Payments Brazil e autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira: A Evolução dos Meios de Pagamento”, há diversos motivos para o baixo crescimento dos novos entrantes no setor de cartões.

O principal deles é a verticalização da indústria de credenciamento e a concentração do setor bancário brasileiro. As empresas de adquirência cobram por três tipos de serviço: taxa de desconto das transações com cartão (comissão da empresa de cartões sobre cada compra), aluguel de equipamentos (maquininha ou POS fornecido pelo adquirente) e pré-pagamento de transações (antecipação de recebíveis aos lojistas em compras parceladas). Só que a liquidação das transações com cartões de pagamento e o pré-pagamento dependem dos bancos para serem realizados. Não é à toa que os maiores bancos são acionistas ou têm acordos com as empresas de adquirência que dificultam o crescimento de novos entrantes.

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Um exemplo é que os bancos e adquirentes não compartilham a agenda de recebíveis dos lojistas. A agenda de recebíveis é necessária para que um adquirente ofereça de forma segura o serviço de pré-pagamento. Mas os grandes bancos não vêm desenvolvendo os sistemas para ler e processar esses arquivos de forma padronizada – o que impede o compartilhamento das informações com os concorrentes de Cielo e Rede. Somente há dois meses o Banco Central editou circular exigindo a padronização da agenda de recebíveis pelos bancos, o que aumenta as chances dos novos concorrentes para enfrentar as duas empresas de igual para igual.

Os bancos também não respeitam a trava de domicílio bancário, uma espécie de garantia oferecida pelos lojistas ao banco que concede crédito, já que os recebíveis das operações com cartões de crédito são depositados em conta vinculada à instituição financeira que fez a antecipação dos recebíveis. A trava de domicílio bancário foi criada para que o banco tenha a garantia de que receberá o dinheiro que antecipou, reduzindo os juros da operação. Mas a trava “vem sendo aplicada a vários lojistas, mesmo que estes não tomem crédito”, diz Santos. Isso também dá vantagem aos adquirentes ligados aos grandes bancos.

Além disso, como Cielo e Rede têm os maiores bancos como acionistas, se beneficiam com a isenção de tarifas bancárias nas transações de transferência e pagamento ao estabelecimento comercial, o que garante importante vantagem competitiva. Já os concorrentes menores “arcam com tarifas maiores e lentidão para operacionalizar um processo automatizado e escalável”, afirma Santos.

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As duas maiores credenciadoras também fecharam acordos com outras instituições financeiras para que elas não se tornem adquirentes. Nesses acordos, Cielo e Rede têm prioridade para credenciar os estabelecimentos que são clientes de seus controladores e também de outras instituições. Além de ter Bradesco e Banco do Brasil como acionistas, a Cielo possui um acordo desse tipo com o HSBC. Já a Rede, controlada pelo Itaú, tem parcerias com o Safra e o Tribanco. A Caixa Econômica Federal preferiu fechar parcerias tanto com a Cielo quanto com a Rede. Sobram para os novos entrantes a opção de buscar acordos com instituições financeiras regionais ou de pequeno porte, com baixa capacidade de distribuição.

Por último, existem várias bandeiras de cartões de crédito que mantêm exclusividade com um único adquirente. É o caso dos acordos da Cielo com a American Express, a Elo e outros cartões de benefícios. Então um lojista que não deseje trabalhar com a Cielo fica impedido de aceitar pagamentos com cartões da American Express. Já a Rede possui exclusividade nos pagamentos com cartões Hiper. Dessa forma, o lojista da região Nordeste, onde o Hiper é muito forte, tem dificuldade em não trabalhar com a Rede. “Isso acaba caracterizando uma venda casada, aumentando os custos finais para o lojista e as ineficiências do setor”, diz Santos.

Para o consultor, a tendência é que o Banco Central, nos próximos anos, comece a editar normas que acabem gradativamente com as barreiras aos novos entrantes. As empresas que entraram nesse mercado recentemente possuem redes com tecnologias mais modernas e custos mais competitivos que as líderes do setor. Rede e Cielo não atualizam suas redes há vários anos, o que gera custos desnecessários à operação. A Cielo chegou a comprar a empresa americana Merchant e-Solutions por US$ 670 milhões em 2012 com o objetivo de adquirir tecnologia de ponta para tropicalizá-la e usá-la na atualização de seus sistemas. “Eles pagaram caro pelo ativo. Mas passaram-se dois anos, não fizeram a atualização da rede e acredito que ainda possa demorar mais dois anos para que o projeto seja concluído”, diz Edson.

O consultor lembra que o BC só ganhou poder formal para regulamentar empresas de cartões há pouco mais de um ano. Como o BC ainda está entendendo como funciona o mercado e como atuam as quase mil empresas que funcionam como emissores, bandeiras e adquirentes, ainda não houve tempo necessário para mexer na regulamentação. Mas ele acredita que medidas que favoreçam a competição serão gradativamente anunciadas nos próximos anos.