Chefes em extinção: conheça a história de uma empresa sem comandantes

A empresa é regida pelo modelo de gestão horizontal, também chamado de gestão orgânica

Luiza Belloni Veronesi

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Mário Kaphan, 61, seria o presidente natural do Vagas.com, empresa de sistemas de recrutamento on-line que ele fundou em 1999. No entanto, Kaphan não ocupa o posto por uma razão bem simples: ele simplesmente não existe. A organização não possui cargos de gestão. No Vagas.com, todas as decisões são tomadas por consenso e não há metas definidas.

A empresa é regida pelo modelo de gestão horizontal, também chamado de gestão orgânica. O conceito visa adotar um ambiente colaborativo, sem controle de horário, metas nem hierarquia, no qual todos profissionais possam participar dos direcionamentos da companhia, sem que haja o crivo de um gestor.

O modelo contraposto ao de gestão vertical, baseado na hierarquia e utilizado pela maioria das empresas, tem despertado o interesse de companhias como IBM e Google. O sistema também já é realidade no gigante do comércio eletrônico americano Zappos, que desde janeiro eliminou cargos de chefia. Na nova estrutura, os profissionais se organizam em círculos de trabalho, de acordo com as tarefas atribuídas a cada um.

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Pioneiro no assunto, Kaphan, do Vagas.com, diz que a gestão horizontal foi construída de modo natural ao longo de 15 anos. “O Vagas.com cresceu não pela publicidade, mas pelo boca a boca dos clientes e funcionários. Depois de anos, percebemos que fomos movidos pelos nossos valores, e esse foi o fator chave do nosso sucesso”. Os resultados têm sido excelentes, uma vez que o Vagas.com tem registrado um crescimento médio de 35% ao ano desde a fundação.

A organização foi premiada pelo Management Innovation eXchange (MIX), projeto que reconhece práticas inovadoras de gestão. Como não há cargos de chefia, os 160 funcionários são divididos em pequenas equipes, com média de sete participantes e responsáveis por cada área funcional da empresa, como recursos humanos, comercial, administrativa e de TI. “Não existe voto ou decisão por uma maioria. As ideias são colocadas em pauta e a reunião termina quando todos da equipe concordam com a solução”, diz Kaphan.

Além de incentivar a colaboração e aumentar a qualidade de vida do profissional, para a coordenadora do curso de Direito Empresarial do Trabalho da FGV, professora Denise Delboni, a gestão horizontal também favorece a inovação e valoriza a competência individual. “Tanto faz ter um ano ou 20 anos de empresa. O peso da opinião é o mesmo.”

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Outro ponto de destaque na organização é a ausência de metas prefixadas. Embora o objetivo comum seja alcançar o melhor desempenho das equipes, nenhum número é tratado de forma definitiva, inclusive para a área comercial. “Aqui a gente não gasta energia em atingir coisas artificiais”, diz o fundador da empresa. “A área comercial se reúne, analisa as vendas dos produtos e aponta onde pode melhorar, o que eles podem fazer para esses números evoluírem. Mas não tem essa pressão do número que tem que ser atingido.”

O modelo bem-sucedido do Vagas.com não é uma receita para todas as organizações. Na avaliação de Delboni, à medida que a empresa cresce e o número de funcionários aumenta, se torna mais difícil sustentar a gestão horizontal. “Imagine uma empresa com mais de mil funcionários, sem chefes nem cargos bem definidos? Seria uma bagunça”, diz. A professora acrescenta que as empresas orgânicas geralmente são de setores de serviços e que a gestão vertical ainda é a melhor opção para a indústria.

Outra questão levantada pela professora é a delegação de tarefas e definição de salários. Como não há cargos, a empresa precisa ser clara na descrição das funções de cada funcionário para se proteger legalmente. “Se não há cargos, por que alguém ganha mais que o outro? Se o cargo não for bem definido, o profissional pode pedir na Justiça a equiparação salarial”, afirma. 

Decisões difíceis
Demissões, aumentos salariais e outras questões consideradas delicadas em organizações verticais podem ser ainda mais difíceis de lidar em uma empresa de gestão horizontal. No caso do Vagas.com, Kaphan conta que contratações e demissões são de responsabilidade das equipes. Quando acreditam que precisam de mais pessoas, elas contatam a área de recursos humanos e conduzem o processo seletivo. “Os candidatos passam por uma triagem inicial do RH e tem entrevista com todos os representantes das equipes. Depois disso, as pessoas se reúnem e decidem qual candidato merece a vaga”, diz Kaphan. Se a equipe não chegar a um acordo, a vaga permanece aberta e o processo seletivo é retomado.

Já a demissão costuma ser um processo mais sofrido para a empresa. Mesmo que a rotatividade no Vagas.com seja baixa, Kaphan diz que geralmente são dispensados aqueles que claramente não entenderam os valores da organização. Eles passam por processos de feedback e têm à disposição um serviço de “coaching” da empresa. Mesmo assim, se continuarem desalinhados, a equipe poderá discutir a saída dessas pessoas. “É sofrido porque as relações aqui são muito fortes.”

No Vagas.com e em outras empresas com gestão radicalmente horizontal, não existem programas de motivação ou bonificação para os funcionários, como PLR (Participação de Lucros e Resultado), bônus, comissões nem plano de carreira. “É uma visão paternalista. A empresa não precisa motivar seus funcionários, já que eles deveriam cuidar da própria carreira e procurar satisfação na sua profissão.”

Kaphan acrescenta que mesmo sem planos de carreira e de motivação, 95% dos funcionários disseram estar satisfeitos na última pesquisa de clima. O Vagas.com também está entre as melhores empresas para trabalhar, segundo o ranking promovido anualmente pelo instituto Great Place To Work. “Quando a equipe de RH se inscreveu para concorrer, foi preciso explicar que a empresa não tinha cargos nem posições. Nós perguntamos se poderíamos trocar os termos ‘gestores’ e ‘subordinados’ por ‘equipe’, e a resposta foi sim. No mesmo ano em que o Vagas.com completava 15 anos, ganhamos um grande presente.”

*Essa matéria foi publicada originalmente na edição 53 da Revista InfoMoney