Disparada no volume dias antes da OPA; houve “insider trading” com Abril Educação?

Na segunda-feira 2 de fevereiro, "o patinho feio" entre as educacionais caiu ao menor nível desde maio de 2014, mas na terça-feira, começou um movimento de alta que precedeu um importante anúncio

Equipe InfoMoney

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SÃO PAULO – Vista como “o patinho feio” entre as empresas do setor educacional, a Abril Educação (ABRE3) não se beneficiou tanto do rali dos últimos dois anos quanto suas “concorrentes” Kroton e Estácio: enquanto as duas últimas administram faculdades, o que as deixou na crista da onda do Fies (programa federal de financiamento do ensino superior), a primeira tem um foco maior em cursos e acabou não pegando carona no rali do setor. Resultado: ao mesmo tempo em que Kroton subiu 180% no biênio 2013-2014, a Abril caiu 15%.

No entanto, uma “novidade” pode mudar a direção destas ações na Bovespa: no dia 9 de fevereiro, os papéis ABRE3 subiram 18% com o anúncio da compra da empresa pela Thunnus Participações, sociedade detida por fundos de investimentos geridos pela Tarpon Investimentos (TRPN3), que adquiriu o controle da Abril Educação ao preço de R$ 12,33 por ação ordinária – um dia antes, os papéis estavam cotados a pouco mais de R$ 10. Como configurou-se troca no controle, a educacional fará uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) com “tag along”, ou seja, os minoritários terão direito à extensão da oferta nas mesmas condições (preço) ofertados pela Thunnus.

É muito comum ações de uma companhia alvo de OPA subirem no mercado, já que a demanda extraordinária aumenta o poder de barganha dos vendedores – em outras palavras: para vender a ação, o acionista exige um preço maior do que o atual; isso leva a cotação do papel para valores próximos ao oferecido pelo autor da OPA. No entanto, podemos identificar alguns indícios no mínimo suspeitos no mercado dias antes do anúncio da Oferta, que podem caracterizar um crime (infelizmente) comum no mercado: o “insider information”, que na prática seria operar com informações privilegiadas.

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O problema
No dia 2 de fevereiro – sete dias antes da OPA -, as ações da Abril Educação atingiram R$ 9,43, seu menor patamar em Bolsa desde maio de 2014, tendo movimentado quase R$ 14 milhões na Bovespa – o dobro da média diária dos últimos 21 pregões. No dia seguinte, os papéis subiram 1,35% – nada anormal para quem já havia caído 16% em 2 meses -, mas o giro financeiro desta vez chegou a R$ 25,5 milhões, mais de 4 vezes a média. No dia 5, as ações tiveram um salto de quase 5%, desta vez com um volume mais “comportado”.

Não é possível cravar que um volume muito acima da média sem motivo aparente dias antes de uma divulgação de um evento importante seja inevitavelmente um caso de “vazamento de informação” para o mercado. Contudo, infelizmente o histórico do mercado brasileiro nos mostra que a prática de “insider trading” não só é algo recorrente como também dificilmente sofre duras sanções pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador do nosso mercado.

O uso de informações privilegiadas em companhias abertas é vedado desde 1976 quando por ocasião da publicação da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404). Mais específica é a instrução CVM nº 31, de 8 de fevereiro de 1984, que no artigo 9º traz o seguinte texto: “É vedado aos administradores e acionistas controladores de companhia aberta valerem-se de informação à qual tenham acesso privilegiado, relativa a ato ou fato relevante ainda não divulgado ao mercado, nos termos dos artigos 2º e 7º desta Instrução, para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante negociação com valores mobiliários”.

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Apesar da legislação não deixar margem para dúvidas, de 2002 a 2013, de acordo com pesquisa pelo Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV, a CVM julgou apenas 34 casos de suspeita de insider. O número não é mais que uma fração dos 677 procedimentos analisados pela autarquia no período. Dos 34 casos julgados, em 16 nenhum dos réus indiciados sofreu condenação. 

Casos recorrentes
Acostumado a estar envolvido em todo tipo de polêmica, o empresário Eike Batista também apareceu em uma suspeita de insider trading. No caso, 8 meses após abrir o capital, a CCX Carvão da Colômbia (CCXC3) anunciou uma OPA. Na semana anterior ao anúncio, o volume de negociação das ações da empresa do grupo X foi de R$ 690 mil para até R$ 15,14 milhões, quando subiram 44,91%.

Antes disso, Eike já havia sido citado em um escândalo de insider quando dos rumores de OPA na LLX Logística (LLXL3). Contudo, Eike desistiu da OPA dois meses depois após o Bank of America Merrill Lynch – instituição escolhida para elaborar o laudo de avaliação da LLX – avaliar que o preço justo a ser pago pelas ações da empresa girava entre R$ 6,94 e R$ 7,63, superando em mais que o dobro a oferta feita pelo megaempresário, que havia sido de R$ 3,13 por cada LLXL3. 

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Investigado no primeiro caso, o BTG Pactual foi absolvido pela CVM por operações realizadas às vésperas do Fato Relevante da OPA. Na época, o banco atuava na reestruturação financeira das companhias de Eike Batista. 

Além desses casos citados, ainda houve a suspeita de insider na Amil, em 2012. Em 8 de outubro daquele ano, a companhia anunciou que 90% do seu capital seria comprado pela UnitedHealth Group, fazendo com que suas ações passassem por uma forte valorização. O suspeito foi que desde setembro, o volume negociado dos papéis da empresa na Bolsa já vinha aumentando. 

Entre os compradores neste período estava Maria Alice Pampuri Osorio, que comprou 8 mil ações da Amil em 5 de outubro, sua única compra desse papel em 34 meses analisados. Maria Alice, além de investidora eventual, é mãe de Héquel Pampuri Osorio, que atuou no departamento jurídico da Amil de 2010 a 2013. O processo ainda aguarda julgamento. 

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O que dizem os envolvidos?
No caso da Abril Educação, o analista Ricardo Kim, da XP Investimentos, lembra que o volume negociado em Bolsa já vinha crescendo desde a segunda metade de janeiro, o que aumenta as evidências de que pode ter ocorrido um vazamento de informação. “Outra possibilidade seria um ‘block trade’ (quando um grande investidor realiza uma venda maciça de ações), mas pela proximidade do evento é mais provável a hipótese de insider”, afirma. 

O InfoMoney pediu para as duas partes desta OPA e para a CVM um posicionamento oficial sobre esse caso. Em resposta, a CVM não confirmou que já tenha sido protocolada uma denúncia contra a empresa educacional, dizendo que esse não é o tipo de informação que circula com facilidade. “Aparentemente não tem nada aberto, mas isso não quer dizer que não tenha nenhuma denúncia correndo em sigilo”, disse a assessoria do órgão regulador. Na área de consulta a processos do site do órgão que regula os mercados, as últimas ações envolvendo a Abril Educação são de 2014. 

A Abril Educação disse que não iria se manifestar sobre o tema por enquanto. Do mesmo modo, a Tarpon Investimentos respondeu que não iria fazer comentários acerca da possibilidade de insider.