Yuval Harari: “Pandemia foi sucesso científico combinado com fracasso político”

Historiador e filósofo participou de painel da Expert ESG nesta terça-feira (02), no qual discutiu temas como globalização e privacidade

Beatriz Cutait

Publicidade

SÃO PAULO – Quais os grandes aprendizados deixados pela pandemia de coronavírus para a humanidade? Quais foram os principais erros cometidos e quais serão as grandes mudanças na sociedade daqui para frente?

Para o historiador e filósofo Yuval Noah Harari, autor de best-sellers como Sapiens, uma breve história da humanidade, e Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, o ano de 2020 foi marcado por dois aspectos contrastantes: o sucesso científico e o fracasso político.

Se de um lado a humanidade nunca foi tão poderosa para combater uma pandemia, com o desenvolvimento de vacinas em um espaço tão curto de tempo, de outro, faltou coordenação global para enfrentar a crise, diz o israelense.

Continua depois da publicidade

“Temos as ferramentas, temos o conhecimento, mas não temos a sabedoria política”, afirmou Harari, durante painel na noite desta terça-feira da Expert ESG, evento realizado pela XP Investimentos.

Professor do Departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém, ele lamentou a falta de uma ou mais lideranças globais para proteger a humanidade e atuar de maneira coordenada no combate à pandemia.

Enquanto países como Nova Zelândia e Austrália foram mencionados como bons exemplos na crise, outros como Estados Unidos e Brasil mostraram respostas “terríveis” de seus governos, que levaram a centenas de milhares de “mortes evitáveis”.

Continua depois da publicidade

A falta de integração mundial, afirmou Harari, pôde ser sentida em decisões econômicas, envolvendo medicamentos e vacinas, inclusive com uma competição entre diversas nações e uma elevação do tom nacionalista.

Uma nova globalização

Ainda que os debates com relação aos efeitos da globalização sobre a dimensão atingida pela pandemia tenham ganhado força, e colocado inclusive em discussão um eventual retrocesso diante dos isolamentos adotados, Harari não vê a possibilidade de o mundo colocar um ponto final na quebra de fronteiras. Mas defende mudanças para o futuro, no sentido de que o sistema global seja mais integrado, inclusive para evitar crises como a atual.

“A globalização não é a razão para essas pandemias, é potencialmente a solução. A verdadeira solução para as pandemias não é se isolar, mas cooperar com outras pessoas, é compartilhar informações”, afirmou.

Continua depois da publicidade

Um dos pontos centrais da crítica reside nas medidas de vacinação isoladas. “Se você quer proteger seu próprio país, precisa proteger todos os países. E não vemos muita cooperação nessa fronte, e é muito preocupante”, defendeu Harari, ressaltando que tudo se volta ao aspecto político.

“Se você vir a pandemia continuar a se espalhar e até a piorar, é porque ainda nos falta a sabedoria política, ainda estamos tomando más decisões.”

“Wake up call”

Embora avalie não ter ficado muito otimista neste último ano com a habilidade do mundo para enfrentar um colapso ecológico e mudanças climáticas, tendo em vista os problemas na pandemia, Harari afirmou que não é tarde para uma transformação da sociedade.

Continua depois da publicidade

“Mas espero que essa pandemia atue como um ‘wake up call’”, disse no painel, em referência a um chamado para o despertar global para questões como as descritas.

Para isso, continuou, é preciso que grandes líderes industriais, de bancos e demais instituições financeiras atuem em conjunto, para prevenir novas pandemias. “Não é tão tarde, mas é uma decisão política”, afirmou, ressaltando que o tema da sustentabilidade precisa virar uma prioridade. “Espero que tomemos decisões melhores na próxima vez”.

Os dois lados da privacidade

Um dos tópicos discutidos em seu mais recente livro publicado, a coletânea de artigos e entrevistas Notas sobre a pandemia: E breves lições para o mundo pós-coronavírus, as mudanças com relação à privacidade e à transmissão de dados também foram tema do painel desta terça.

Continua depois da publicidade

O professor argumenta que a pandemia acelerou o processo de vigilância e monitoramento da população, o que não deve ser necessariamente encarado como um aspecto negativo. “Não sou contra a vigilância, ela pode ser um instrumento poderoso, mas tem que ser regulada da forma correta para proteger a privacidade e os direitos humanos básicos”, argumentou.

Para Harari, se três regras forem cumpridas, essas condições de respeito à liberdade e à privacidade poderão ser cumpridas. A primeira delas implica a finalidade das informações, isto é, se há coleta de dados da população, os mesmos devem servir para ajudá-la, e não para seu controle e monitoramento.

A segunda questão diz respeito a uma troca de informações. “Quando você aumenta a vigilância de indivíduos, deve simultaneamente aumentar a vigilância de governos e corporações”, disse. “Se vai só de um lado para o outro, esse é o caminho para uma ditadura.”

E a terceira e última regulação necessária defendida pelo historiador implica uma coleta de dados nunca feita apenas por um só lugar, para também evitar o caminho em direção a um estado ditatorial.

Educação crítica

Ainda sobre o aspecto político, Harari reforçou a importância da liberdade de expressão na crise para combater a falta de informações por parte dos governos. E lembrou que teorias de conspiração e fake news, tão debatidas no cenário recente, não são uma temática nova e que a saída não é aumentar o número de informações, mas mudar o tratamento delas.

O que as pessoas precisam, defende, é ter uma mente crítica capaz de saber em que confiar. “Uma população bem informada agindo por conta própria costuma ser muito mais poderosa e efetiva do que uma população ignorante e policiada”, resumiu Harari, em um dos artigos incluídos em seu livro mais recente.

Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.