Você é a favor ou contra o voto obrigatório? Veja a opinião do ministro da Educação

Janine Ribeiro alerta para o que classifica como espécie de indignação exacerbada por parte de membros desse grupo, o que contribuiria para o quadro de padecimento de uma falta de bons e reais argumentos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Por muito tempo, a discussão sobre a obrigatoriedade do voto foi renegada da pauta da reforma política e até da maioria dos partidos no Brasil, a despeito de ser um dos temas mais populares quando se fala em eleições. Na última quarta-feira (10), finalmente, a polêmica que envolve uma série de argumentos favoráveis e contrários em toda a sociedade entrou na pauta de votação da Câmara dos Deputados, e, para a infelicidade de muitos, o resultado foi a manutenção do atual sistema.

Antes de assumir o posto de ministro da Educação, o professor de ética Renato Janine Ribeiro, deu sua parcela de contribuição ao debate com uma longa dissertação intitulada “Sobre o voto obrigatório“, na qual avalia as bases teóricas por trás de ambas as posições, muitas vezes defendidas com unhas e dentes por seus simpatizantes. O resultado deste mergulho é um complexo artigo cujos principais pontos procuramos expor aqui.

O cabo de guerra, iniciado com imposição na Constituição Federal desde a década de 1930 com vista para evitar fraudes eleitorais que desmoralizaram a República Velha e a conhecida Política do Café com Leite, hoje conta com mais manifestações claras contra o caráter legal do dever cívico que o voto obrigatório prevê, sobretudo por parte de muitos jornalistas e parcela significativa da população. Muitas vezes, questiona-se a coerência entre a liberdade de uma democracia e a imposição de tal obrigação.

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No entanto, Janine Ribeiro alerta para o que classifica como espécie de indignação exacerbada por parte de membros desse grupo, o que contribuiria para o quadro de padecimento de uma falta de bons e reais argumentos. Segundo ele, as paixões dificultam um posicionamento minimamente neutro e distante sobre a questão.

Um bom exemplo dado logo nas considerações iniciais do texto refere-se ao panorama mundial da polêmica. Ao contrário do que muitos alegam de que o Brasil seria o único país a obrigar o exercício do voto a seus eleitores, uma gama de nações adotam a mesma estratégia. Bons exemplos seriam Austrália, Bélgica, Costa Rica e Itália. O oposto é visto nos Estados Unidos, onde a taxa de abstenção não raramente supera os 50%. Na França e Grã-Bretanha, o voto também é facultativo.

Passada essa pequena introdução ao tema, procuramos resumir os pontos favoráveis ao voto facultativo e ao voto obrigatório, sob o ponto de vista do ministro da Educação brasileiro:

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Contrários ao voto obrigatório
A argumentação de quem repudia a instituição do dever como eleitor se inicia, segundo Janine Ribeiro, nasce de um mal estar que pouco se relacionaria com um rigor teórico. Seria uma espécie de percepção de “menoridade” que incide sobre os cidadãos. Quem não compareceu à sessão eleitoral correspondente, precisa ir à Justiça Eleitoral para apresentar justificativa ou pagar multa. “Nos dois casos, a ida a um cartório, no qual uma vasta documentação é manejada e arquivada, transmite às pessoas presentes uma sensação de futilidade, de gasto inútil de dinheiro público, de controle sobre movimentos e decisões que deveriam ser livres”, escreve o professor da Universidade de São Paulo.

Os defensores do voto facultativo um raciocínio sedutor: “se o momento mais alto de nossa liberdade, numa democracia, consiste no voto, então por que serei forçado a votar, por que não poderia eu, simplesmente, escolher não escolher, decidir não participar do processo eleitoral?”. Neste momento, Janine Ribeiro diferencia liberdades privadas (direito de comprar mercadorias, fazer cursos, ou não) e liberdades públicas (direitos civis também exigem deveres, e envolvem um grupo de pessoas). Desta forma, é natural que, em uma democracia, haja deveres além de direitos, e isso, não necessariamente, iria de encontro com liberdades individuais.

Como consequência dessa sensação inicial de infantilismo, vem um argumento mais pragmático, que diz respeito à existência de um grande contingente de “analfabetos políticos”, grupo de eleitores que votam de maneira quase aleatória. Muitos deles, como é sabido, decidem seus candidatos no mesmo dia da eleição, sem estudar biografias, projetos ou formação intelectual. Desta forma, para os defensores do voto facultativo, se essa massa inconsciente politicamente pudesse ficar de fora do processo de decisão, o resultado seria muito mais representativo. Além disso, acredita-se que reduzir-se-ia o peso dos currais eleitorais, onde cidadãos são pressionados a votar conforme mandam poderosos. “Esses argumentos têm seu valor, mas se sustentam menos do que parece à primeira vista”, critica Janine Ribeiro.

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No entanto, há um argumento que o ministro vê como benéfico usado para a defesa pelo voto facultativo. Caso o voto não seja obrigatório, os partidos terão um trabalho maior na disputa por votos e conquista de legitimidade. “Hoje eles apenas precisam convencer o eleitor a dar-lhe um voto, que esse terá de emitir de qualquer forma; com o voto facultativo, o partido precisará persuadir, antes de mais nada, o próprio eleitor a ir votar”, reconheceu.

Contrários ao voto facultativo
A abolição da obrigação legal de votar não minimiza o poder de coerção de coronéis nos grotões do Brasil. Ao contrário, pode aumentar o peso do uso ilegal da força. “Será, sociologicamente, uma forma de diminuir o peso das aglomerações urbanas (ou de algumas delas) e de manter – isto é, aumentar relativamente – o dos fundos do país. Esse efeito assim será precisamente o oposto do que almejam os defensores do voto facultativo”, explica o professor lamentando que a maioria dos especialistas que ganham destaque na imprensa tenham a única posição contrária à obrigatoriedade – o que limita a discussão de um tema tão complexo.

Sobre a possibilidade de se tornar o sistema mais representativo excluindo-se aqueles que escolhem seus candidatos quase aleatoriamente, o professor de filosofia lembra que é muito diferente o engajamento do eleitor brasileiro com relação à disputas pelo Executivo e pelo Legislativo. “Os eleitores se definem pelos candidatos aos cargos executivos antes de escolherem quem vão sufragar para deputado ou vereador”, observa o estudioso. Neste sentido, o argumento contrário à obrigatoriedade do voto perde forças, tendo em vista o fato de que não é possível tornar facultativo apenas um dos casos – Executivo ou Legislativo.

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“O voto aleatório para o Legislativo é um problema sério. Certamente tem alguma responsabilidade pelas deficiências em nossas assembleias eleitas. Mas a introdução do voto facultativo não resolve essa questão. Como a eleição é simultânea para o Legislativo e o Executivo na mesma instância de poder (federal, estadual ou municipal), ou o eleitor fica em casa, ou vota para tudo”, complementa. Seria esse, na visão dele, um comportamento do cidadão brasileiro de confiança maior na exceção do que na regra. Aplicar as regras elaboradas no Legislativo acabaria significando abrir exceções a ela (para os amigos tudo, para os inimigos a lei).

Outro efeito colateral do voto facultativo, diz Janine Ribeiro, seria o de não se promover uma liberdade individual, mas a exclusão social por gerar constrangimento de ordem coletiva, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, onde pobres e negros têm os maiores índices de abstenção. Neste caso, é preciso que se mantenha uma proporção média dos mais diversos grupos sociais no processo eleitoral para que não se tenha exclusão – em uma supressão indireta de direitos democráticos básicos – e um razoável nível representatividade, sem que minorias percam mais ainda suas vozes.

“Ora, segundo a discussão política que atualmente chega à própria mídia, esse fenômeno estaria agravando a desigualdade, na medida em que (1) os negros votam menos que os brancos, portanto (2) os eleitos procuram atender mais os interesses de seus reais eleitores do que os dos não-votantes, de modo que (3) a exclusão social dos negros aumenta e, com isso, (4) mantém-se ou se acentua a abstenção eleitoral dos negros”, argumentou.

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Facultativo ou obrigatório: problema real é outro
A tendência provável é que a obrigatoriedade do voto chegue ao fim. Essa seria a aposta de Janine Ribeiro, que enxerga um momento histórico mais favorável ao indivíduo e contrário a regulamentações tradicionais – por mais que isso possa não se confirmar neste ano. No entanto, a parte final do artigo do ministro serviu para expor pontos básicos a se respeitar independentemente da decisão sobre a obrigatoriedade ou não do voto. A maioria dos problemas, diz, podem ocorrer em qualquer um dos casos.

Para evitar que maiores problemas se tornem evidentes com as possíveis mudanças, Janine Ribeiro ressalta a importância de se monitorar o comportamento da abstenção pelas mais diversas camadas da população, além de se acentuar a obrigação ética de participar da coisa pública. “Eliminar a imposição legal somente se justifica se envidarmos todos os esforços para reforçar o caráter moral que há no dever de votar”, defende. Para que isso ocorra, seria preciso um melhor nível de educação cívica, ancorado na escola, na mídia e nos partidos.

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.