“Vitória do governo e dos produtores”, diz Fávaro após desculpas do Carrefour

Depois da retratação do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, o ministro da Agricultura afirmou que o Brasil sai “fortalecido para negociações como a do acordo entre Mercosul e União Europeia”

Fábio Matos

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (Foto: Pedro França/Agência Senado)
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (Foto: Pedro França/Agência Senado)

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O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro (PSD), celebrou o pedido de desculpas ao Brasil do CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, que divulgou uma nota nesta terça-feira (26) pedindo desculpas por ter defendido um boicote às carnes produzidas pelos países do Mercosul

Segundo Fávaro, trata-se de “uma vitória do governo e dos produtores” do país. 

Em entrevista à TV Bandeirantes, o ministro da Agricultura também afirmou que o Brasil sai “fortalecido para negociações como a do acordo entre Mercosul e União Europeia”. “Agora, tudo volta ao normal”, disse Fávaro. 

“Agora, quando alguém quiser, irresponsavelmente, prejudicar produtos brasileiros, vão ter de pensar duas vezes. Fizemos um risco no chão. Não aceitamos ações irresponsáveis contra nossos produtos”, complementou o ministro, desta vez em entrevista ao g1

Mais cedo, por meio de nota, o Carrefour afirmou que compra a carne que vende na França quase exclusivamente de produtores franceses, e a carne que vende no Brasil, exclusivamente de pecuaristas brasileiros – e acrescentou que continuará com essa estratégia.

No documento, assinado por Bompard, o executivo pede desculpas pela “confusão” gerada e reforça o compromisso do grupo com a agricultura brasileira.

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Bompard destacou que o Carrefour Brasil, com mais de 130 mil colaboradores, compra quase toda a carne necessária de fornecedores nacionais e reafirmou a parceria de 50 anos com o setor agropecuário local. Ele afirmou que, sob sua presidência, o Carrefour dobrou os investimentos e compras de produtos brasileiros (leia a íntegra da carta ao final desta reportagem). 

Também em um comunicado, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) do governo brasileiro confirmou o recebimento da carta do grupo francês e reiterou “os elevados padrões de qualidade, sanidade e sustentabilidade da produção agropecuária brasileira”.

“O Mapa afirma que trabalha sempre no intuito de esclarecer os fatos para não permitir que declarações equivocadas coloquem em dúvida um trabalho de defesa agropecuária de alto nível e de uma produção de alta qualidade e comprometida com uma das legislações ambientais mais rigorosas do planeta”, diz a pasta.

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Desde o fim de semana, algumas das principais empresas do país decidiram interromper a venda de produtos para a rede de supermercados Carrefour e as demais companhias do grupo, como o Atacadão. 

A postura é uma espécie de retaliação ao boicote anunciado, na última quarta-feira (20), pelo CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, às carnes dos países que compõem o Mercosul

A decisão do CEO do grupo francês foi justificada como um gesto de solidariedade ao agronegócio do país europeu, que tem se posicionado contra o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

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Entenda o imbróglio

Em participação recente na Cúpula de Líderes do G20, no Rio de Janeiro (RJ), o presidente da França, Emmanuel Macron, reiterou a posição de seu governo contrária ao acordo Mercosul-UE. 

Costurado desde o fim dos anos 1990, o acordo comercial entre os dois blocos teve sua primeira etapa concluída em 2019, ainda sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Desde então, os termos passaram à fase de revisão por parte dos países envolvidos, mas pouco se avançou até aqui.

Macron se opõe ao acordo com o Mercosul, principalmente, por questões políticas domésticas. O tratado é visto com ceticismo na França, pois há preocupação com riscos de enfraquecimento do setor agrícola no país. Ainda segundo o governo francês, caso o acordo se concretize nos termos atuais, empresas francesas que seguem leis ambientais mais duras em seu país terão de competir com companhias que não estão submetidas aos mesmos padrões.

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Segundo Emmanuel Macron, um dos problemas do acordo entre Mercosul e UE é a falta de um compromisso mais claro relacionado à questão climática e à preservação da biodiversidade.

O comportamento do Carrefour em defesa do boicote às carnes do Mercosul foi duramente criticado por integrantes do governo, como o próprio Fávaro, além do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), também comentou o assunto na noite de segunda-feira (25). Ele disse que houve uma “reação justificada” de importantes empresas brasileiras do setor frigorífico às declarações do CEO global do Carrefour.

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Questionado sobre o assunto, Haddad diz que preferia não comentar o comportamento do grupo francês. Em seguida, no entanto, manifestou apoio à reação de companhias brasileiras do setor. 

“Olha, eu não vou ficar comentando atitude de empresa, mas houve uma reação justificada a esse tipo de declaração. É uma empresa que está instalada no Brasil, não faz muito sentido. Mas não quero me estender sobre isso porque acredito que a empresa vai se reposicionar”, afirmou Haddad. 

Leia a íntegra da carta do Carrefour ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro:

Ao Excelentíssimo Ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil,

Senhor Carlos Fávaro,

A declaração de apoio do Carrefour França dos produtores agricolas franceses causou discordâncias no Brasil. Como Diretor-Presidente do Grupo Carrefour e amigo de longa data do país, venho, respeitosamente, esclarecê-la.

O Carrefour é um grupo descentralizado e enraizado em cada país onde está presente, francês na França e brasileiro no Brasil.

Na França, o Carrefour é o primeiro parceiro da agricultura francesa: compramos quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades na França, e assim seguiremos fazendo. A decisão do Carrefour França não teve como objetivo mudar as regras de um mercado amplamente estruturado em suas cadeias de abastecimento locais, que segue as preferências regionais de nossos clientes.

Com essa decisão, quisemos assegurar aos agricultores franceses, que atravessam uma grave crise, a perenidade do nosso apoio e das nossas compras locais.

Do outro lado do Atlântico, no Brasil, compramos dos produtores brasileiros quase toda a carne que necessitamos para as nossas atividades, e seguiremos fazendo assim. São os mesmos valores de criar raízes e parceria que inspiram há 50 anos nossa relação com o setor agropecuário brasileiro, cujo profissionalismo, cuidado à terra e produtores conhecemos.

O Grupo Carrefour Brasil é profundamente brasileiro, com mais de 130.000 colaboradores, se desenvolveu e continua se desenvolvendo sob minha presidência em parceria com produtores e fornecedores do Brasil, valorizando o trabalho do setor produtivo e sempre em benefício de nossos clientes. Nos últimos anos, o Grupo Carrefour Brasil acelerou seu desenvolvimento, dobrando tanto o volume de seus investimentos no país quanto suas compras da agricultura brasileira. Mais amplamente, o Brasil é o pais em que o Carrefour mais investiu sob minha presidência, o que confirma nossa ambição e nosso comprometimento com o país. Assim seguiremos prestigiando a produção e os atores locais e fomentando a economia do Brasil.

Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade, respeito as normas e sabor. Se a comunicação do Carrefour França gerou confusão e pode ter sido interpretada como questionamento de nossa parceria com a agricultura brasileira e como uma crítica a ela, pedimos desculpas.

O Carrefour está empenhado em trabalhar, na França e no Brasil, em prol de uma agricultura próspera, seguindo nosso propósito pela transição alimentar para todos. Asseguro, Senhor Ministro, nosso compromisso de longo prazo ao lado da agricultura e dos produtores brasileiros.

Aproveito a oportunidade para renovar os protestos de estima e consideração.

Atenciosamente,

Alexandre Bompard

Diretor-Presidente do Grupo Carrefour

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”