Tarcísio assume governo de SP ainda tentando lidar com as raízes bolsonaristas

Após 28 anos de governo do PSDB, o estado de São Paulo será comandado por um 'novato' em cargos eletivos

Mariana Amaro

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Após 28 anos de reinado tucano, o estado de São Paulo será governado, a partir deste domingo (1), por um dos mais proeminentes ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro.

Tarcísio de Freitas (Republicanos) levou a maioria dos votos no segundo turno das eleições em uma disputa com Fernando Haddad (PT), que assumirá o Ministério da Fazenda no governo de Lula (PT).

Para Sérgio Praça, doutor em Ciência Política pela USP e professor adjunto da FGV, a saída do PSDB do governo do estado é positiva. “Alternância no poder é sempre benéfica. E mais: quando um partido fica muito tempo no poder e com maioria na assembleia legislativa, em uma situação parlamentar muito favorável, o partido sabe que pode errar em políticas publicas e seus erros não são reparados”, diz.

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A mudança, diz Praça, também pode ajudar a quebrar possíveis redes corruptas que podem se estabelecer com a permanência de um mesmo grupo no poder por tanto tempo.

Por outro lado, a chegada de uma equipe diferente exige, como em qualquer trabalho, um período de adaptação. “Tarcísio foi ministro de uma pasta desafiadora. Mas São Paulo é um estado complexo e diverso, muito importante para o país, com um orçamento enorme e grupos de interesses poderosos. Não haverá muito tempo de aprendizado para a equipe que chega, principalmente se houver muitas mudanças”, afirma Praça.

O único nome que se manteve no secretariado, contudo, foi o do engenheiro Marco Antônio Assalve, secretário de Transportes Metropolitanos. As outras pastas serão comandadas por nomes conhecidos do cenário político e alguns ligados ao governo de Bolsonaro.

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Composição do secretariado

Entre os anunciados, destacam-se Gilberto Kassab, presidente do PSD, partido que acompanhou a chapa eleita durante as eleições com o vice, Felício Ramuth, e comandará a Secretaria de Governo e Relações Institucionais, e Caio Paes de Andrade, quarto presidente da Petrobras (PETR4) indicado por Bolsonaro, que assumirá a Secretaria de Gestão e Governo Digital,

Outros nomes associados ao governo Bolsonaro também vão compor o novo governo. Quem assume as pastas relacionadas à economia, por exemplo, são dois ex-assessores de Paulo Guedes no Ministério da Economia: Jorge de Lima fica com a pasta de Desenvolvimento Econômico e Samuel Kinoshita assume a de Fazenda e Planejamento.

Parte da equipe de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura também passará a dar expediente no estado de São Paulo: Rafael Benini assume a Secretaria de Parcerias Privadas, Lais Vita fica com a pasta de Comunicação, Arthur Lima com a Casa Civil e Natalia Resende vai comandar a Secretaria de Logística, Transportes, Infraestrutura e Meio Ambiente.

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Ao todo, o próximo governo terá 23 secretarias, mesmo número da gestão anterior. A estrutura, contudo, passou por mudanças: algumas novas pastas foram criadas, enquanto outras foram extintas ou fundidas.

Uma dessas novas pastas é a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, que será comandada por Marcelo Cardinale Branco, ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado (CDHU) e um dos coordenadores do programa de governo do governador eleito.

Outra novidade é a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que será gerida por Sonaira Fernandes, vereadora pelo Republicanos que foi a única a receber apoio de Jair Bolsonaro na eleição de 2020, além de ex-assessora do gabinete de Eduardo Bolsonaro (PL) entre 2015 e 2019. Fernandes é uma das cinco mulheres que estarão no comando de secretarias no estado de São Paulo.

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Apesar da falta de diversidade no primeiro escalão, Tarcísio afirmou que as políticas públicas estaduais terão foco em grupos vulnerabilizados. “Você não pode olhar a cor do secretariado, tem que olhar a qualidade da política pública, é ali que mora a inclusão”, defendeu.

Além do secretariado, o eleito também anunciou alguns cargos-chave no próximo governo, como Guilherme Afif Domingos, que coordenou a campanha do governador eleito ao Palácio dos Bandeirantes e já foi presidente do Sebrae e ministro do governo Dilma. Afif assume a Secretaria Especial de Projetos Estratégicos.

Outro nome que chama a atenção é o de José Vicente Santini, que chefiará o escritório de representação em Brasília e tem, no currículo, passagens como assessor especial da Presidência da República e como assessor especial do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

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Em 2020, Santini foi demitido por Bolsonaro por usar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para viajar à Índia durante uma visita oficial enquanto vários titulares de ministérios fizeram o trajeto em voos comerciais, para baratear custos.

Alesp mais polarizada

O PSDB foi o grande perdedor das eleições em São Paulo. Além de perder o Palácio dos Bandeirantes, nem emplacar filiados em alguma secretaria, perdeu quatro cadeiras na Assembleia Legislativa, ficando com nove vagas, a terceira maior bancada entre os 94 deputados e deputadas estaduais eleitos.

O PL, partido do agora ex-presidente Jair Bolsonaro, conseguiu a maioria da Casa, com 19 cadeiras, enquanto o PT aumentou sua bancada de 10 para 18, com Eduardo Suplicy (PT) levando o título de deputado mais votado, seguido por Carlos Giannazi (PSOL) e Paula da Bancada Feminista (PSOL).

“Com a composição atual, a polarização também está na Alesp”, diz Murilo Viana, consultor e especialista em contas públicas. “[A nova composição] exigirá diálogo, paciência e um certo traquejo político, dependendo do conteúdo que será tratado”, afirma.

Para Sérgio Praça, contudo, a tendência é que se mantenha uma relação tranquila e de cooperação com a assembleia. E uma das razões para uma relação harmoniosa está nas finanças do estado.

Orçamento

Tarcísio de Freitas assume um governo com as contas em dia e uma reserva de R$ 33 bilhões em caixa, valor suficiente para cobrir entre quatro e cinco meses de pagamento de folha de pagamento de servidores, a maior despesa do governo.

No fim de dezembro, Felipe Salto, secretário da Fazenda e Planejamento da gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), apresentou a evolução de indicadores fiscais dos últimos 27 anos e a menor dívida da série história, de 112%.

Outro indicador positivo é a poupança corrente (relação entre despesa corrente e a receita corrente) que chegou a 86%, em outubro de 2022 – o que representa uma melhora de 10 pontos percentuais, desde 1995.

“A próxima gestão vai ter um ponto de partida diferente de qualquer outro momento da Secretaria da Fazenda. Estamos deixando tudo isso documentado, e num sistema simples para o uso e aplicação imediatos”, afirmou Salto.

Viana concorda. “Do ponto de vista fiscal, a atual gestão foi muito boa. O controle de gastos está bem equilibrado e ajustes podem acontecer, mas não será preciso ter nenhum ‘cavalo de pau'”, diz.

Além dessa boa gestão financeira, informa Viana, os estados, inclusive o de São Paulo, perceberam um aumento de receita significativo nos últimos dois anos por conta da inflação.

“O aumento generalizado de preços gerou o crescimento no custo dos produtos industrializados, que é a base sobre a qual incide o ICMS, a principal fonte de arrecadação dos estados” explica Viana.

Contudo, se por um tempo a inflação é positiva para arrecadação, no segundo momento, ela impacta as despesas, com reajuste em contratos como manutenção de ruas, fornecedores de material escolar, e etc, o que pode pesar nas contas da próxima gestão.

Primeiros dias e primeiras ações

Já nos seus primeiros dias no governo, o eleito precisará tomar uma decisão sobre o imposto de heranças e doações (ITCMD). Isso porque um projeto de lei aprovado na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) no fim de dezembro reduziria a alíquota de 4% para 1% nas heranças e 0.5% nas doações. Apesar de ter sido aprovado ainda na gestão de Garcia, a decisão final caberá ao novo governador por falta de tempo para apreciar a matéria.

Segundo cálculos da Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, a medida poderia tirar dos cofres paulistas algo em torno de R$ 4 bilhões por ano. Por isso, a mudança deve ser vetada pelo novo governo, seguindo recomendação da Secretária da Fazenda e Planejamento.

Outro assunto que deve estar no topo das prioridades do novo governo são as privatizações. “Essa deve ser uma das marcas do governo: leilões e privatizações. E já há uma série de ativos que têm recebido atenção por parte do eleito que podem passar para a iniciativa privada”, afirma Viana.

A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e a Empresa Metropolitana de Água e Energia (Emae) devem encabeçar a lista.

“Vamos vender a Emae primeiro. Enquanto isso, a gente vai trabalhando naquela que vai ser a grande privatização do estado de São Paulo, que é a Sabesp”, defendeu Tarcísio durante evento em dezembro.

Para isso acontecer, porém, a equipe que assume em 2023 terá que ser rápida. “Algumas dessas privatizações teriam que começar logo no primeiro semestre do governo porque, no ano seguinte, já começam as campanhas municipais, e privatizar em ano eleitoral é bem mais complicado”, diz Praça.

O Porto de Santos, que também aparece na lista de prioridades do governador e cujo processo de desestatização vinha sendo encaminhado pelo governo de Bolsonaro e estava em análise no TCU, as dificuldades podem ser outras: o novo governo federal não estaria disposto a continuar o processo.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Márcio França, futuro ministro dos Portos e Aeroportos, afirmou a decisão de não privatizar o porto já foi tomada. Tarcísio, por sua vez, deve buscar interlocução com o governo federal para andar com a privatização e Kassab, que assume uma das secretarias do governo, deve ser o destacado a tratar do tema.

Com 55 terminais e a 70 km da capital de São Paulo, o Porto de Santos possui 27% de participação na corrente comercial brasileira e é a principal porta de entrada e saída de mercadorias do país. O que estaria em jogo com o processo é um leilão que previa investimentos de R$ 18,5 bilhões em melhorias e manutenção e outros R$ 2,9 bilhões para a construção de um túnel que ligaria Santos ao Guarujá.

Relação com o governo federal

De acordo com os especialistas ouvidos por InfoMoney, os embates entre estado de São Paulo e governo federal, comuns nos últimos quatro anos, não devem se repetir na próxima gestão.

“Ainda que São Paulo seja um estado com autonomia, o governo estadual depende do federal para determinadas políticas públicas. E ambos têm sinalizado que estão abertos ao diálogo”, afirma Praça.

Isso, contudo, não significa que a relação será entre “aliados”. Alguns dos pontos de atrito identificados por especialistas são as privatizações e leilões por um lado e, por outro, a reforma tributária.

“Haddad tem falado que vai colocar na pauta a reforma tributária. Mas uma ampla reforma gera impactos não neutros em diversos setores: alguns ganham e outros perdem. Muitos estados vão procurar estimar ganhos de arrecadação em relação a tributação de setores específicos”, afirma Viana.

Se a reforma caminhar, as Secretarias de Fazenda dos estados estarão focadas nisso, já que o ICMS é uma das principais formas de arrecadação estadual e um dos tributos que está no centro da pauta para ser modificado. “Todos os estados estarão atentos, tanto para defender suas receitas quanto para olhar para setores específicos”, diz Viana.

A composição do secretariado também é vista, por Praça, como um aceno ao centro. “Kassab, que estará na Secretaria de Governo, é um dos políticos mais hábeis do país. Essa é uma sinalização de que o governador não irá em busca de confronto”, afirma.

As raízes e o horizonte de Tarcísio

Para além do Palácio dos Bandeirantes, do ponto de vista político, a performance do governador pode pavimentar caminhos para o governo federal. “Tarcísio pode se firmar como mais moderado e racional, e, com isso, pode conseguir aglutinar um apoio maior no espectro mais amplo da população”, diz Viana.

Enquanto isso, o eleito busca se equilibrar entre um distanciamento de Bolsonaro e uma aproximação de seus eleitores. No começo de dezembro, durante uma entrevista para a CNN, Tarcísio disse: “nunca fui bolsonarista raiz. Comungo das ideias econômicas, principalmente, desse governo Bolsonaro. A valorização da livre iniciativa, os estímulos ao empreendedorismo, a busca do capital privado, a visão liberal”.

As declarações ficaram claras na composição do secreatariado, mas geraram repercussão negativa entre aliados do ex-presidente. O jeito foi o eleito para o Palácio dos Bandeirantes se explicar e se desculpar, além de postar uma foto com Bolsonaro nas redes sociais.

Mas, para Murilo Viana, consultor e especialista em contas públicas, o fato é que o ex-ministro de Infraestrutura do governo Bolsonaro representa uma alternativa mais à direita para o governo federal, embora seja visto como mais moderado. “Do ponto de vista político, existe uma previsão de que ele será um dos concorrentes ao espólio – e os votos – do bolsonarismo”, diz Viana.

Mariana Amaro

Editora de Negócios do InfoMoney e apresentadora do podcast Do Zero ao Topo. Cobre negócios e inovação.