Se Dilma cair, Temer deve buscar legitimidade para governar, e Macri pode ser decisivo

Em entrevista ao InfoMoney, o internacionalista e professor Matias Spektor expôs cenários para a crise política brasileira e desenhou o que se espera de um eventual governo Temer caso o impeachment de Dilma ocorra

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Os principais atores internacionais não tendem manifestar posição mais clara sobre a crise política brasileira enquanto o cenário não estiver mais definido. Diante das incertezas sobre quem sairá vitorioso da disputa travada entre o vice-presidente Michel Temer e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora Dilma Rousseff, é difícil imaginar que Mauricio Macri, Barack Obama ou qualquer outro ator de grande relevância se envolva de maneira mais ativa no processo. Essa é a avaliação do internacionalista e professor da Fundação Getulio Vargas, Matias Spektor.

Em entrevista ao InfoMoney, o especialista expôs cenários sobre o desfecho pelo qual o Brasil poderá passar nos próximos meses e desenhou o que se espera de um eventual governo Temer no caso do impeachment de Dilma. Para ele, uma eventual decisão da presidente pela renúncia ao mandato se o processo for aberto pela Câmara ou por seguir até os últimos dias do julgamento no Senado será decisiva para as posições que o peemedebista terá de adotar durante seus primeiros meses no comando do país — seja como liderança interina ou como efetivo presidente da República.

“Se Dilma cair, Temer terá o mesmo conjunto de constrangimentos que qualquer vice-presidente tem quando vira o presidente. Ou seja, ele vai ter alguns meses nos quais o desafio central será construir legitimidade para seu exercício da presidência. Esse processo pode levar mais ou menos tempo”, analisa Spektor. Segundo o professor, caso esse cenário se confirme, o vice-presidente deverá buscar legitimidade em nível internacional. Nesse sentido, o presidente argentino Mauricio Macri será peça fundamental. Veja os melhores momentos da entrevista:

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InfoMoney – Como o senhor avalia a discussão do impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Matias Spektor – Os principais atores da cena já estão dados: o ex-presidente Lula por um lado, e o vice-presidente Michel Temer do outro. Ambos com a capacidade que têm de arregimentar suas respectivas tropas para dar um desfecho ao processo. Há também o fator imponderável da Operação Lava Jato, que tem provado ser fonte insuperável de surpresas. Basicamente, a estratégia do grupo governista foi muito golpeada pela tentativa de nomeação do ex-presidente para a Casa Civil. Já Temer, adotou uma estratégia há quase cinco meses, inaugurada com a carta que mandou a Dilma e que divulgou em seguida. O que aconteceu na terça-feira [rompimento formal do PMDB] é produto disso. Estou tão incerto do que está acontecendo e vai acontecer quanto o resto dos analistas. O que dá para dizer com relação especificamente ao impeachment é que a grande dúvida é saber se Dilma renunciaria na sequência da questão ser aprovada na Câmara dos Deputados ou se ela resistiria. Neste caso, haveria alguns meses pela frente de batalha durante o desenrolar do processo no Senado.

IM – Ainda analisando em nível nacional, quais são seus temores nesse processo? Há quem fale na manutenção de um quadro de grande instabilidade política, dificuldade para a formação de uma coalizão sólida de governo ou até sobre as próprias incertezas com relação ao futuro da Operação Lava Jato.
MS – Há muita incerteza no ar. Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer. Evidente que, se o processo se esticar durante meses no Senado, teremos um presidente Temer com autoridade presidencial mitigada pelo fato de operar na prática como interino, autoridade que também certamente será pressionada pelo grupo de Dilma. Ao longo desses meses, o país enfrentará um agravamento da crise econômica, porque o aumento do desemprego já foi precificado e virá independentemente do que aconteça na economia de imediato. Certamente haverá risco de aumento da temperatura não só dos movimentos sociais que possam sair em defesa de Dilma – embora sejam claramente minoritários –, mas, sobretudo, um aumento de insatisfação popular por conta do aumento do desemprego.

IM – Como os principais atores internacionais têm se posicionado sobre o assunto na sua avaliação?
MS – Até agora, manifestaram apoio ao processo democrático e à justiça brasileira. Alguns veículos noticiaram de maneira equivocada que a chanceler argentina, Susana Malcorra, teria considerado a possibilidade de acionar a cláusula democrática do Mercosul. Isso é besteira, não foi o que ela disse. O que tanto Macri, na entrevista que deu na segunda-feira da semana passada, quanto a chanceler fizeram foi uma manifestação de apoio à justiça brasileira, e, no caso do presidente argentino, um elogio à Lava Jato. 

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Segundo ator mais importante nessa área, Obama, por enquanto, manifestou apreço pelas instituições brasileiras, no sentido de que isso é uma democracia e funciona como tal – ou seja, que até agora não existiria nada que tenha cheiro de golpe ou se assemelhe a um golpe. Evidentemente, houve manifestações de Rafael Correa, Nicolás Maduro e Evo Morales de repúdio ao processo que está acontecendo hoje no Brasil. Mas eles são claramente minoritários e nenhum está em posição de força. Já o mercado financeiro precifica de maneira muito clara a manutenção do atual governo ou uma queda dele. Não há dúvidas a respeito de onde se coloca a finança nessa disputa.

Quanto à ONU, um grupo de juristas internacionais que atuam no alto comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos fez uma manifestação politicamente muito correta e equilibrada, de um lado alertando para possíveis excessos de [Sergio] Moro, e do outro, para os do governo. Nenhum grande ator internacional assumirá compromisso pesado agora, quando o ambiente de disputa política está tão embaçado. No momento em que se caracteriza o ganhador da disputa, geralmente o que ocorre é boa parte dos líderes internacionais saírem em apoio [ao governo que entra], porque têm de reconhecer a situação e onde está o poder de fato, enquanto quem se coloca no extremo critica. Ainda é muito cedo para se ter uma ideia clara de qual vai ser a toada dos principais atores.

IM – O senhor atribuiu status de principal ator no campo internacional nesse assunto à Argentina. Por quê?
MS – As cláusulas democráticas que mais importam para o Brasil e mais efeito têm sobre a credibilidade e legitimidade do governo brasileiro são as regionais do Mercosul e da Unasul. Nesse contexto, o único país que tem capacidade e poder de bloqueio efetivo é a Argentina. Evidente que o governo norte-americano tem enorme poder de influência, sobretudo em nível de mercado. Agora, do ponto de vista da legitimidade do governo brasileiro nesse momento, a Argentina é fundamental, porque vai definir se e como Mercosul e Unasul vão se posicionar.

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IM – Seria um momento interessante para a Argentina em termos de política externa, no sentido de buscar o protagonismo regional em um momento de fraqueza e instabilidade em Brasília.
MS – Sem dúvida. Mas não acho que Macri esteja fazendo isso no quesito impeachment. Ele não vai entrar em bola dividida. As manifestações em defesa das instituições brasileiras e as declarações positivas sobre a Lava Jato não tinham por intuito atingir o governo Dilma. Ele as fez de olho na política interna argentina. 

O protagonismo de Macri passa por outro lado. Ele está nadando na onda dos países que foram governados pela esquerda nos últimos anos e é celebrado nos Estados Unidos e na Europa. Na semana passada, encontrou-se com Obama em Buenos Aires e em Bariloche, e se encontrará novamente em Washington. Essa é a mudança mais importante em nosso ambiente regional nos últimos anos, porque, durante pelo menos 15 anos, a trajetória vinha sendo muito diferente. O eixo Brasília-Washington tinha muito mais força diante da inexistência de canais de comunicação entre Washington e Buenos Aires. Isso agora foi revertido.

O efeito no longo prazo ainda precisa ser visto. Lembremo-nos de quando Enrique Peña Nieto chegou ao poder no México: houve uma reversão de expectativas brutal, a imagem do país modernizador pegou, mas isso foi rapidamente desfeito com escândalo de corrupção e com o episódio do sequestro e assassinato dos estudantes. Como tudo que Macri fez até agora foi dar sinais, ainda não se sabe exatamente para onde vai a Argentina. Há uma série de sinais altamente positivos sob o ponto de vista de investidores estrangeiros que conseguem ter na Argentina ativos relativamente baratos e uma mudança de marco regulatório potencial. Isso, em tese, pode abrir as comportas para uma enxurrada de investimento produtivo, mas está muito cedo ainda. Macri também não tem uma maioria parlamentar.

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O interessante disso é que não é implausível imaginar uma dinâmica similar com um eventual governo Temer. Se ele chegar ao poder, o que consta da “Ponte para o futuro” é uma carta de intenções ao mercado, altamente positiva. Agora, não é óbvio nem natural que isso seja fácil de se implementar. Para fazer as reformas que ali estão postas, ele também precisará de uma maioria parlamentar que hoje não existe.

IM – O que se poderia esperar das relações entre um eventual governo Temer e Macri em nível regional? É possível imaginar uma política externa do peemedebista?
MS – Se Dilma cair, Temer terá o mesmo conjunto de constrangimentos que qualquer vice-presidente tem quando vira o presidente. Ou seja, ele vai ter alguns meses nos quais o desafio central será construir legitimidade para seu exercício da presidência. Esse processo pode levar mais ou menos tempo. O fator determinante é se Dilma renuncia em seguida à aprovação do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados ou se ela resiste como Collor o fez em todo o processo do Senado, somente renunciando em dezembro, quando [o impeachment] já era fato contado. Claro, era uma situação muito diferente da que temos, mas se ele, que não tinha apoio, optou por ficar até o fim, não é implausível que Dilma faça o mesmo. Se ela resistir, o processo de construção de autoridade presidencial de um vice-presidente que vira presidente de repente é mais demorado e complexo. É isso que vai determinar a política externa desse governo.

IM – Como isso seria decisivo?
MS – Vai depender da conjuntura. Ele vai precisar fazer uma política externa que permita duas coisas: combater a ideia de que houve um golpe e tentar chamar para si o protagonismo por uma mudança de narrativa. A marca registrada de Macri, por exemplo, é o fato de que ele mudou a narrativa a respeito de o que é a Argentina para o mundo. A “Ponte para o futuro” é uma maneira, mas há uma série de outras áreas para as quais isso seria necessário. Além da economia, serão sensíveis o combate à corrupção (ou seja, se Temer será visto como alguém que sai para caçar a Lava Jato ou como alguém que ao menos não vai atrapalhar o processo) e a política social, tendo em vista que vamos estar em uma economia com aumento brutal do desemprego. Curiosamente, não é um aumento de desemprego tradicional que temos no Brasil, de jovens com poucos anos de qualificação, mas um aumento brutal do desemprego entre chefes de família e todos os impactos nefastos sobre renda, desigualdade etc.

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IM – Existe a percepção de que o mercado ganhou espaço entre as narrativas na região, em detrimento a uma possível perda de forças de discursos de esquerda?
MS – Acho que isso não está claro de nenhuma maneira. A Bolívia continua crescendo bastante, embora Evo tenha perdido a possibilidade de concorrer a mais um mandato. A crise venezuelana ainda está longe de ser debelada; não sabemos, de fato, quando nem como o atual regime chegará ao fim. E o Mercosul é muito dividido. Da mesma maneira, a atitude mais pró-mercado de alguém como o [Horacio] Cartes, em uma economia muito pequena como a paraguaia, não pode ser comparada com o que é a guinada de Macri. Também, no caso brasileiro, não sabemos se haverá guinada pró-mercado. Mesmo que haja intenção em fazê-lo, de nenhuma maneira é claro que um governo vai conseguir, porque a Constituição amarra o Executivo, e reforma-la demanda uma coalizão majoritária parlamentar, que nenhum ator político hoje tem. E é muito difícil imaginar se criar isso sem ser por eleição geral. Há muita incerteza no cenário. Não sabemos ainda para onde vamos. É uma conclusão deprimente, porque estamos em um momento péssimo, mas é o que há.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.