Relação entre Bolsonaro e Judiciário chega ao pior momento com disputa sobre voto impresso

Em uma escala de 1 (péssima) a 5 (ótima), percepção média dos analistas políticos consultados sobre a relação entre Executivo e Judiciário indica nota 1,42

Marcos Mortari

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e o presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia de posse (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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SÃO PAULO – A cruzada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em defesa do voto impresso e os embates recentemente travados com ministros de Cortes Superiores levaram a relação entre os Poderes Executivo e Judiciário ao seu pior momento desde a posse do atual governo.

Esta é a avaliação que fazem analistas políticos consultados em nova rodada do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações e expectativas de consultorias de análise de risco político e analistas independentes sobre alguns dos assuntos em destaque na política nacional. Clique aqui para acessar a íntegra.

O levantamento, realizado entre os dias 2 e 4 de agosto, mostra que 58% dos entrevistados avaliam como péssima a relação entre os dois Poderes. É a pior marca registrada desde o início da atual administração, superando em 2 pontos percentuais resultado de junho de 2020.

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Naquela época, a participação de Bolsonaro em manifestações a favor do AI-5 (Ato Institucional 5) − medida mais dura da ditadura militar −, do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e em defesa de uma “intervenção militar” desencadeou uma crise que culminou na abertura de um inquérito pelo ministro Alexandre de Moraes para apurar os atos.

Considerando uma escala de 1 (péssima) a 5 (ótima), hoje a percepção média dos analistas políticos consultados sobre a relação entre Executivo e Judiciário aponta para nota 1,42. Nenhum dos 12 participantes desta edição do Barômetro do Poder atribuiu nota superior a 2 neste caso.

O clima entre Bolsonaro e os magistrados esquentou depois que o presidente dobrou aposta nos ataques às urnas eletrônicas e condicionou a realização do pleito de 2022 à adoção de um sistema de impressão de votos – movimento que contou com forte resistência dos ministros.

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Sem apresentar provas efetivas, Bolsonaro tem repetido que houve fraude nas últimas duas eleições e que o sistema não é “auditável”. Nos últimos dias, o mandatário reforçou ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um dos principais críticos ao movimento que busca desacreditar o sistema eletrônico de votação.

Com a volta do recesso, os magistrados decidiram subir o tom contra Bolsonaro. Primeiro, os ministros do TSE decidiram, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar acusações feitas pelo presidente sobre fraude nas eleições, em ação que pode levar à impugnação de candidatura ou até a inelegibilidade em 2022.

Depois, o plenário avalizou que queixa-crime contra o mandatário, assinada por Barroso, fosse enviada ao Supremo. O pedido acabou aceito pelo ministro Alexandre de Moraes, que incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.

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Em outro movimento, o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao STF o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. O magistrado argumentou que o conteúdo poderá alimentar duas ações que apuram o disparo em massa de mensagens contra adversários de Bolsonaro em 2018.

As ações tinham por objetivo estabelecer um limite para a atuação de Bolsonaro e evitar uma escalada ainda maior da tensão institucional – o que acabou acontecendo. Ao longo da semana, o presidente reiterou questionamentos ao sistema eleitoral, aprofundou ataques a Barroso e Moraes e disse que poderia usar armas “fora das quatro linhas da Constituição”.

A nova ofensiva culminou em novo discurso contundente por parte do presidente do STF, ministro Luiz Fux, que cancelou uma reunião entre os chefes dos Três Poderes que havia convocado, sob alegação de que o pressuposto para o diálogo é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes.

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“A relação do governo com a alta cúpula do Judiciário se deteriorou de vez com a abertura dos dois inquéritos propostos pelo TSE e, ainda, com o indiciamento do presidente no inquérito das Fake News. A tendência é de um acirramento cada vez maior. Também há tendência de isso se refletir no relacionamento com o Congresso, em especial com o Senado”, pontuou um dos analistas.

“Mais que ter seu mandato abreviado, Bolsonaro corre o risco de se tornar inelegível, por conta do inquérito aberto no TSE, que depende do Ministério Público Eleitoral e não do PGR”, observou outro participante.

Conforme acordado previamente com os analistas, os resultados do Barômetro são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e comentários.

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Esta edição ouviu 9 casas de análise de risco – BMJ Consultores Associados, Control Risks, Dharma Political Risk & Strategy, Empower Consultoria, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público e Tendências Consultoria Integrada – e 3 analistas independentes – Carlos Melo (Insper), Claudio Couto (EAESP/FGV) e Thomas Traumann.

Questionados sobre os impactos das ameaças de Bolsonaro à realização das eleições no ano que vem sobre o processo democrático, 50% dos analistas políticos avaliaram como elevados. Apenas 8% viram efeitos reduzidos dos episódios recentes. Em uma escala de 1 (muito baixos) a 5 (muito altos), a avaliação média atribuída foi de 3,42.

A escalada da tensão institucional ocorre em um momento de dificuldades para o governo emplacar o nome de André Mendonça, atual advogado-geral da União, para vaga de ministro do Supremo, no lugar de Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho.

Indicado por Bolsonaro, Mendonça será sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e terá sua nomeação submetida a votação no plenário da casa legislativa, onde precisa do apoio de maioria absoluta (ou seja, 41 dos 81 senadores).

Apesar dos desafios, a maioria (58%) dos analistas políticos consultados pelo Barômetro do Poder veem chances altas de aprovação do nome de André Mendonça, que ficou conhecido como o ministro “terrivelmente evangélico” prometido por Bolsonaro à sua base.

Outro na fila de aprovação do Senado Federal é Augusto Aras, que busca recondução no comando da Procuradoria Geral da República (PGR).

Neste caso, os especialistas ouvidos consideram cenário mais favorável para o governo. Para 75%, são elevadas as chances de êxito do aliado de Bolsonaro.

Os analistas políticos também foram consultados sobre o ambiente para o governo no Congresso Nacional após a nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI), expoente do “centrão” e presidente nacional do Progressistas, para a Casa Civil.

O Barômetro mostrou que, dividindo os 513 deputados federais e 81 senadores em três grupos (alinhados com o governo, de oposição e indefinidos), a média das estimativas dos especialistas aponta para uma base aliada de 234 deputados e 30 senadores.

Já o tamanho da oposição é estimado em 140 deputados e 22 senadores. Os incertos, por sua vez, somariam 139 cadeiras na Câmara dos Deputados e 29 no Senado Federal.

O levantamento mostra uma pequena melhora na percepção sobre o relacionamento entre Executivo e Legislativo. Em maio, apenas 7% apresentavam avaliação positiva. O percentual subiu para 20% em junho e hoje está em 25%. Da mesma forma, os que classificam a relação como ruim ou péssima foram de 21%, para 13% e hoje somam 8%.

A troca das cadeiras, porém, ainda não se traduziu em melhor avaliação sobre a capacidade de o governo conduzir uma agenda legislativa.

Segundo o levantamento, 33% dos especialistas consultados veem como elevada a condição do governo em pautar o parlamento – 14 pontos percentuais a menos do que em junho. Em uma escala de 1 a 5, a nota média atribuída é de 3,17.

Por outro lado, a médio prazo, há mais analistas apostando em melhora na relação entre os dois Poderes do que piora: 25% a 8%. Dois meses atrás, a relação era de 20% a 13%.

“A relação entre o Executivo e o Legislativo deve melhorar nos próximos meses com a chegada de Ciro Nogueira à Casa Civil, principalmente com o Senado. Embora o presidente ainda tenha a tendência de gerar ruídos que possam desgastar o relacionamento entre os Poderes e prejudicar as negociações em torno da pauta prioritária”, pontuou um dos analistas.

“Ciro Nogueira terá de mostrar a que veio em agosto, aprovando os nomes para STF e PGR, movendo a reforma de impostos e as privatizações”, disse outro.

Na avaliação de um dos participantes, o momento é favorável para o “centrão”, mas o nível de institucional entre Bolsonaro e o Poder Judiciário deve continuar elevado ao longo dos próximos meses.

“Bolsonaro vai seguir esticando a corda contra a Justiça e as instituições, enquanto Arthur Lira e Ciro Nogueira aprovam um pacote eleitoral que ampliará o tamanho do “centrão” no próximo governo”, concluiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.