Reforma eleitoral profunda tem poucas chances de ser aprovada, dizem analistas

Voto impresso, sistema "distritão" e cotas raciais e de gênero para eleitos são vistos como questões de difícil entendimento no Congresso

Marcos Mortari

Teclado da Urna Eletrônica (Foto:Nelson Jr./ASICS/TSE)

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SÃO PAULO – De olho nas eleições gerais de 2021, a Câmara dos Deputados abriu três frentes de trabalho simultâneas para discutir mudanças nas regras do jogo, que podem ir da flexibilização da linha de corte estabelecida pela cláusula de desempenho aos partidos até a substituição do sistema proporcional para a definição de deputados estaduais e federais.

Mas analistas políticos são céticos quanto às condições de o Congresso Nacional implementar alterações significativas para o próximo pleito. É o que mostra nova rodada do Barômetro do Poder, iniciativa do InfoMoney que compila mensalmente as avaliações e expectativas de consultorias de análise de risco político e analistas independentes sobre alguns dos assuntos em destaque na política nacional. Clique aqui para acessar a íntegra.

De acordo com o levantamento, realizado entre os dias 21 e 23 de junho, de 12 itens hoje em discussão pelos parlamentares, a flexibilização da cláusula de barreira é vista pelos especialistas com mais chances de ser aprovada nas duas casas legislativas até outubro ‒ prazo limite para que as regras possam valer para as próximas eleições.

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A regra, criada a partir da promulgação da Emenda Constitucional 97/2017, estabelece critérios graduais para que os partidos tenham acesso a recursos do fundo partidário e a tempo gratuito para propaganda no rádio e na televisão.

Para a próxima legislatura, somente serão contempladas as siglas que obtiverem, na disputa para a Câmara, no mínimo, 2% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das Unidades da Federação, com ao menos 1% dos votos válidos em cada uma; ou tiverem elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em pelo menos um terço dos estados.

As exigências aumentam em 2026, passando para, no mínimo, 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com pelo menos 1,5% dos votos válidos em cada um; ou a eleição de 13 deputados federais em pelo menos 1/3 das localidades.

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Entre os analistas consultados pelo Barômetro do Poder, 40% veem altas chances de aprovação de uma flexibilização das regras, contra 27% que indicam probabilidade reduzida. Considerando uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a média das respostas é de 3,07.

A redução das exigências da cláusula de desempenho é uma das principais demandas de partidos com menor participação na Câmara. Em 2018, quando o piso era menor, 14 legendas não conseguiram cumprir a exigência. Se o desempenho nas eleições municipais de 2020 for usado como exercício, 16 siglas podem ter dificuldades no próximo corte.

O levantamento também mostra que a migração do atual sistema proporcional, usado para eleições nas câmaras e assembleias legislativas, para o modelo conhecido como “distritão” ou para os distritais puro ou misto é vista como pouco provável pelos analistas políticos.

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Pelo modelo em vigor, também conhecido como voto em lista aberta, as vagas são divididas de acordo com o desempenho geral dos partidos em cada estado (no caso dos deputados federais e estaduais) ou município (no caso dos vereadores), a partir do quociente eleitoral, considerando tanto os votos nas legendas quanto nos candidatos das siglas. As vagas conquistadas pelos partidos, por sua vez, são distribuídas entre seus candidatos mais votados.

Este modelo tem como vantagem o aproveitamento de mais votos, já que, mesmo que um cidadão não consiga eleger seu candidato, ele pode influenciar no resultado do processo ao ajudar na eleição de outro nome da mesma sigla. Na prática, o sistema proporcional também dá mais força aos partidos políticos.

Uma das críticas, no entanto, consiste na difícil compreensão do funcionamento do modelo por parte do eleitor comum, além da possibilidade de candidatos menos votados conquistarem assentos nos legislativos, pegando carona nos chamados “puxadores de votos” das siglas.

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Já o chamado “distritão”, frequentemente defendido por parlamentares do “centrão”, consiste em distribuir as vagas de acordo com os mais votados em cada estado ou município. Na prática, a eleição para deputados e vereadores se assemelharia à adotada para prefeito, governador, senador e presidente.

O modelo é de mais simples compreensão, mas é criticado por reduzir o papel dos partidos, favorecer candidatos mais conhecidos e com mais recursos, dificultar a renovação e pôr em risco a representatividade de minorias.

O voto distrital, por sua vez, divide-se em duas modalidades: puro ou misto. O primeiro consiste na criação de distritos eleitorais, desenhados de acordo com o tamanho da população ‒ ou seja, grandes cidades poderiam ter mais de um distrito e pequenos municípios poderiam, juntas, compor uma unidade. Pelo modelo, são eleitos os mais votados em cada distrito.

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Tal sistema é visto como mais favorável a lideranças regionais, e poderia prejudicar candidatos com votos mais dispersos. O modelo, na prática, privilegia a geografia do voto.

Já o distrital misto é uma mescla do majoritário e do proporcional. Neste caso, os eleitores lançam dois votos: um para candidatos específicos em seus distritos e outro para a legenda.

Para que a mudança no sistema ocorra, é necessária aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Este tipo de proposição tem tramitação mais complexa e exige maioria de 3/5 em dois turnos de votação em cada casa legislativa.

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Caso seja implementada mudança no sistema, analistas políticos consultados veem o “distritão” em vantagem sobre os demais. Considerando uma escala de 1 a 5, a probabilidade média atribuída para este modelo é de 2,33. Já o distrital puro aparece com 1,47, e o misto com 1,80.

A edição contou com 15 participantes, sendo 11 casas de análise de risco – BMJ Consultores Associados, Control Risks, Dharma Political Risk & Strategy, Empower Consultoria, MCM Consultores, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria Integrada e XP Política – e 4 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe), Carlos Melo (Insper), Claudio Couto (EAESP/FGV) e Thomas Traumann.

Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados do levantamento são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e comentários.

O Barômetro também ouviu a avaliação dos especialistas sobre a possibilidade de auditoria das eleições a partir da impressão do voto, como defende o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ser implementada no próximo pleito.

O mandatário tem questionado a lisura do processo com o uso das urnas eletrônicas e diz, sem apresentar provas, que houve fraude no pleito de 2018. Ele sustenta que teria vencido a disputa direto no primeiro turno, mas não declinou qualquer evidência neste sentido.

O Barômetro mostra que 47% dos analistas políticos consultados atribuem baixa probabilidade de a mudança ser aprovada pelo Congresso Nacional, enquanto outros 7% veem chance elevada. Em uma escala de 1 a 5, a média das avaliações é de 2,60.

Vale lembrar que o levantamento foi realizado entre os dias 21 e 23 de junho ‒ antes, portanto, da decisão coletiva de 11 presidentes partidários de se posicionarem contrariamente à ideia. Juntas, as siglas que participaram da reunião somam 326 dos 513 deputados federais em exercício. Mesmo que haja dissidências pontuais, o evento reduz espaço para tal decisão.

Os líderes partidários que participaram do encontro defendem que o sistema eleitoral vigente é confiável e que mudar as regras do jogo, neste momento, poderia gerar incertezas no processo. As siglas representadas no encontro foram: Avante, Cidadania, DEM, MDB, PL, Progressistas, PSD, PSDB, PSL, Republicanos e Solidariedade. A pauta também conta com antipatia da cúpula do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“O Congresso deve manter o sistema eleitoral proporcional, apesar das tentativas de Arthur Lira e seu grupo emplacarem o ‘distritão’, que pode até ter maioria da Casa, mas não alcançaria o quórum constitucional. O voto impresso ganha força, mas não deve ter aceitabilidade no Senado, caso passe pela Câmara”, observou um dos analistas consultados.

“A votação da PEC da impressão do voto será um divisor de águas na relação do Planalto com o Congresso e, principalmente, do Congresso com o STF”, pontuou outro entrevistado.

Os especialistas também consideram baixas as chances de a inclusão do mecanismo do “recall” de mandatos, em que eleitos podem ter seus mandatos revogados pelo voto popular (1,47); de tornar o voto facultativo a todos os eleitores (1,53); e o lançamento de candidaturas avulsas, desvinculadas de qualquer partido político (1,53).

Do lado da fixação de cotas raciais e de gênero, a probabilidade maior é que isso ocorra sobre as candidaturas lançadas, em vez de uma reserva definida de assentos no parlamento. Já o retorno do financiamento empresarial de campanha é avaliado com alta chance de voltar por 7%, ao passo que 40% atribuem baixa probabilidade.

Os caminhos para o “centro”

O Barômetro também ouviu as avaliações dos analistas políticos sobre a possibilidade de uma terceira via na corrida presidencial, diante do protagonismo assumido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que viu suas chances de poder disputar o pleito aumentarem depois de ter suas condenações anuladas e com a declaração de parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, e pelo presidente Jair Bolsonaro, que ainda não decidiu por qual partido disputará a reeleição.

A maioria dos analistas políticos consultados (40%) acredita que Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará, é hoje o nome mais bem posicionado para representar uma “terceira via” na disputa. Na sequência, aparecem os governadores João Doria (PSDB), de São Paulo, com 20%, e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, com 7%.

Outros 33% acreditam que o grupo não conseguirá ter um único representante no pleito, ainda que este seja o caminho mais efetivo para que a “terceira via” consiga chegar ao segundo turno.

“Ciro Gomes desponta como o principal nome de uma terceira via, mas ainda não mostra musculatura suficiente para alcançar Lula e Bolsonaro nas preferências”, observou um participante.

“Ciro Gomes é hoje o candidato mais bem posicionado para impedir um segundo turno entre Bolsonaro e Lula. Mas Ciro Gomes não se enquadra exatamente no perfil de ‘terceira via’ preferido pelo mercado e pelo empresariado. Nesse sentido, Tasso Jeireissati (PSDB-CE) ficaria melhor no papel de ‘líder da terceira via’. De todo modo, o cenário atual é francamente desfavorável a qualquer terceira via. Provavelmente, caminharemos mesmo para a polarização Bolsonaro x Lula no segundo turno”, conclui outro analista.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.