Os 3 fatores que pressionam Bolsonaro a prorrogar o auxílio emergencial – e as eventuais consequências disso

Governo enfrenta dificuldades para tirar o programa Renda Cidadã do papel; proposta deve ser apresentada somente depois das eleições municipais

Equipe InfoMoney

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SÃO PAULO – A decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de adiar a apresentação de uma proposta de financiamento do Renda Cidadã para depois das eleições municipais aumentou as dúvidas no mercado e no meio político sobre as condições que o governo terá de tirar do papel um novo programa social ainda em 2020.

O objetivo do governo é criar um programa para substituir o Bolsa Família, ampliando a base de beneficiários e elevando os repasses médios mensais, sucedendo o auxílio emergencial, criado na esteira dos efeitos provocados pela pandemia do novo coronavírus. Mas as dificuldades de se encontrar fontes para viabilizar financeiramente o benefício têm atrapalhado o avanço do plano.

Este foi um dos assuntos do podcast Frequência Política. programa é uma parceria entre o InfoMoney e a XP Investimentos. Ouça a íntegra pelo player acima.

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Na semana passada, um acordo havia sido selado entre membros do governo e lideranças parlamentares para que fosse estabelecido um limite para o pagamento anual de precatórios – que na prática liberaria verbas do Orçamento – e novos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) pudessem ser usados para a construção do novo programa social.

A solução detalhada pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), acompanhado do próprio presidente Jair Bolsonaro, de ministros – inclusive Paulo Guedes (Economia) – e líderes do governo no Congresso Nacional, foi duramente criticada por diversos setores da sociedade, o que exigiu um novo recuo do Palácio do Planalto.

Desde então, Bittar, que é relator da PEC do Pacto Federativo – texto que poderá trazer os pilares do Renda Brasil – e do próprio Orçamento de 2021, passou a trabalhar na construção de novos caminhos para viabilizar o novo programa.

O parlamentar havia prometido para quarta-feira (7) a apresentação da proposta, mas resolveu adiar após um entendimento conjunto de que seria melhor aguardar o desfecho das eleições municipais para tratar de assunto delicado e potencialmente impopular.

“Eleição não é um bom conselheiro. Muitos deputados, senadores estão muito envolvidos com isso. Então é melhor passar esse momento para que a gente sente à mesa todos que precisam responder a essa questão e cheguemos a um consenso”, disse. O senador tem dito que nenhuma ideia terá apoio de todos, já que será preciso tirar de algum lugar.

Publicamente, o presidente Jair Bolsonaro e ministros têm dito que não poderá haver prorrogação das condições atuais criadas em função da pandemia e que, caso não seja construído um caminho para viabilizar o Renda Cidadã, milhões de brasileiros estarão desassistidos a partir de janeiro do ano que vem.

O ministro Paulo Guedes tem dito que é “zero” a probabilidade de prorrogação do auxílio emergencial. “Não haverá prorrogação do auxílio até junho de 2021. Não existe articulação para isso”, afirmou a jornalistas na última quarta-feira (7). “A posição da presidência da Câmara é a mesma”, escreveu o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em sua conta no Twitter.

Nos bastidores, no entanto, voltam a ganhar força avaliações sobre a possibilidade de o novo programa não sair do papel a tempo e o governo ter que prorrogar mais uma vez o benefício a 67,7 milhões de desempregados, informais e beneficiários do Bolsa Família. Neste caso, um dos caminhos ventilados seria a renovação do estado de calamidade pública – o que não seria condição indispensável para a edição de créditos suplementares, mas poderia facilitar a construção política.

“É uma possibilidade que existe. Apesar de todo mundo no governo, na equipe econômica e no próprio Congresso hoje negar, sabemos que, se chegar no fim do ano e não tiver saído uma solução para o Renda Cidadã, é bem possível que se tenha uma prorrogação do auxílio emergencial para alguns meses até que se construa uma solução”, observa Júnia Gama, analista política da XP Investimentos.

Para o economista Victor Scalet, estrategista macro da XP, o cenário poderia gerar repercussão negativa entre os agentes econômicos. “O mercado veria negativamente. Temos um gasto de pouco menos de R$ 20 bilhões por mês com o auxílio emergencial como ele está hoje e toda essa discussão que estamos tendo para financiar um programa social é para encontrar R$ 20 ou R$ 30 bilhões por ano”, diz.

“Não seria para sempre, o que é melhor [para as contas públicas], mas custaria muito caro em termos da relação dívida/PIB”, complementa. O especialista vê o mercado trabalhando com um cenário de meio termo entre o rompimento do teto de gastos com o novo programa e a construção de um uma forma de financiamento, ainda que com aumento de carga tributária.

“O mercado não embarcou nas teses alternativas [de financiamento vendidas pelo governo]. Também não está precificando o cenário de caos. Acredito que ele esteja no cenário intermediário entre não fazer tudo direitinho e tudo errado”, pontua.

Do ponto de vista político, há três principais fatores que podem pressionar o presidente Jair Bolsonaro em uma possível prorrogação do auxílio emergencial. De uma forma ou de outra, todos estão relacionados ao calendário cada vez mais apertado para a aprovação de proposições legislativas ainda neste ano.

1) Financiamento. As dificuldades ou o baixo empenho do governo federal em buscar o corte de despesas orçamentárias para viabilizar o novo programa. Tal comportamento se reflete nos sucessivos adiamentos do anúncio da proposta e no modo repetido como determinadas alternativas são tratadas. Com isso, crescem as especulações sobre flexibilização do teto de gastos ou medidas com impacto negativo para as contas públicas.

2) Eleições municipais. A disputa pelas prefeituras e câmaras legislativas locais e a atenção especial dada por Bolsonaro aos índices de aprovação de sua gestão interferem diretamente no andamento das discussões. Com a desaceleração das atividades no parlamento e o próprio interesse do presidente nas eleições municipais, o tema só deverá voltar à pauta em novembro. O quadro se agrava quando são considerados os tempos de tramitação da proposição no Congresso.

3) Disputa no Congresso. Cada vez mais, as disputas pelas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal deverão influenciar na tramitação de pautas no parlamento. Nos últimos dias, um impasse com claras relações com o processo sucessório de Rodrigo Maia (DEM-RJ) impediu a instalação da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional e obstruiu a agenda. Há riscos de o filme se repetir em maior intensidade até o fim do ano.

O caminho para a construção do Renda Cidadã deverá ser por PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Este é o tipo de proposição legislativa com tramitação mais complexa. Na Câmara dos Deputados, precisa passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), por comissão especial e ser submetida a dois turnos de votação em plenário, com quórum mínimo de 3/5 – ou seja, 308 dos 513 votos. No Senado Federal, o texto passa pela CCJ e por outros dois turnos de deliberação em plenário, com a mesma proporção de votos: 49 dos 81.

“Vai chegar depois das eleições e vamos ter um mês para a aprovação de uma medida que é muito complexa. De um lado, precisa abrir espaço no teto de gastos. De outro, cogita-se aumentar a arrecadação. A equação não é simples. Se fosse, já teria sido apresentada. Então, pode acontecer, sim, de chegarmos no final do ano e não dar tempo de se aprovar nada e se partir para uma solução emergencial a partir de janeiro do ano que vem”, conclui Júnia Gama.

Os repasses do auxílio emergencial também coincidem com um aumento da popularidade de Bolsonaro, que tem dado maior atenção ao indicador. A mais recente edição da pesquisa CNI/Ibope, realizada entre os dias 17 e 20 de setembro, mostra que 40% dos entrevistados avaliam o atual governo como ótimo ou bom – 9 pontos percentuais acima dos números de um ano atrás.

Em um ano, o grupo de eleitores com renda familiar mensal de até 1 salário mínimo que avaliam positivamente a gestão foi de 23% para 35%. Já entre aqueles com renda entre 1 e 2 salários, a variação foi de 31% para 39%.

A avaliação dos analistas políticos é que certamente tais resultados serão levados em consideração para a construção do Renda Cidadã – ou de alguma alternativa caso o programa não saia do papel a tempo.

O assunto foi abordado na edição desta semana do podcast Frequência Política. Você pode ouvir a íntegra pelo SpotifySpreakeriTunesGoogle Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.

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