Na véspera de Cúpula da Amazônia, Marina defende que posições diferentes não impeçam metas comuns

Aposta do Brasil em desmatamento zero até 2030 é considerada ambiciosa dentro do governo, mas ministra ressalta que existe a vontade política de fazer

Reuters

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), assume o cargo, durante cerimônia de transmissão, no Salão Nobre no Palácio do Planalto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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A cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), na próxima semana, começa dividida entre as visões de Brasil e Colômbia sobre como melhor proteger a região, mas as discussões entre desmatamento zero e a proibição de produção de petróleo na Amazônia não significam que não é possível chegar a um denominador comum, disse à Reuters a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

“São posições fortes que estão sendo anunciadas. O presidente (Gustavo) Petro está dizendo petróleo zero e o presidente Lula está dizendo desmatamento zero. Não é porque o Petro não está dizendo desmatamento zero que você vai concluir que ele não seja contra o combate o desmatamento. Não é porque o presidente Lula não está dizendo petróleo zero que ele não esteja preocupado com as fontes renováveis de geração de energia”, disse Marina em uma entrevista exclusiva à Reuters na quinta-feira, um dia antes de embarcar para Belém, onde acontece a cúpula.

Lula tanto tem a preocupação com energia renovável, disse a ministra, que irá apresentar um programa “ousado de geração de energia eólica, solar e de biomassa”, além de reiterar que o Brasil “persegue o caminho de ter uma matriz energética 100% limpa”.

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“São duas declarações fortes, Lula fala em desmatamento zero que é uma ousadia enorme, porque a economia dos países desenvolvidos depende de carvão petróleo e gás, mas os países em desenvolvimento até hoje, historicamente, dependeram de conversão de floresta para transformar em atividade econômica em muitos aspectos. Então é ousado um país que tem a base agrícola, o peso da balança comercial agrícola que o Brasil tem, dizer desmatamento zero”, defendeu Marina.

Com pouca perspectiva de explorar petróleo na sua região amazônica, a Colômbia aposta na vedação da produção de combustíveis fósseis e no reflorestamento, ao mesmo tempo em que reduziu sua meta de redução de desmatamento de 100 mil hectares por ano até 2025 para 140 mil hectares.

Já o Brasil tem exploração de petróleo na região e em áreas marítimas próximas a foz do rio Amazonas — e colocou mais à venda mais 77 blocos de prospecção em terra no Amazonas e no Maranhão. A suspensão da autorização de exploração pelo Ibama de campos da Petrobras na foz do Amazonas este ano causou disputas internas no governo que ainda não estão pacificadas.

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Nesta quinta, em uma entrevista a rádios da região, Lula afirmou que ainda pode haver exploração da região, e que espera mais estudos.

“Vejo a fala do presidente como uma fala cuidadosa. Ele remete pra estudo, e quando você remete para os estudos você está se dispondo a dialogar com aquilo que a análise técnica, a análise científica, vai trazer. Então é uma manifestação cuidadosa de remeter para estudos projetos que são altamente complexos”, disse Marina, que não manifestou sua posição sobre a possibilidade de explorar petróleo na região.

A aposta do Brasil em metas de desmatamento zero até 2030 é considerada ambiciosa dentro do governo, mas a ministra ressalta que existe a vontade política de fazer.

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Uma das intenções da cúpula em Belém é transformar anos de ações individuais e poucas conversas sobre a proteção da Amazônia em metas e trabalhos conjuntos. Essa foi a proposta levada pelo Brasil e, apesar de afirmar que não pode adiantar as conclusões da declaração conjunta, a ministra afirma achar possível achar caminhos comuns.

“Existe e é algo desejável. E se a nossa região for capaz de, salvaguardadas as especificidades e singularidades, trabalhar para que se tenha metas internas para cada país de redução de desmatamento, é o que é desejável. E aí entra também aquela variável antiga do protocolo de Kyoto, talvez a ser inaugurado entre nós, que é o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas”, ressaltou.

“Um país como o Brasil que tem a maior parte da floresta amazônica, tem mais, digamos, responsabilidades, em termos de quantidade. Um país como o Brasil, que tem uma base tecnológica razoável, tem mais possibilidades. E qual que seria uma postura desejável, que todos queremos: é que possamos compartilhar essas vantagens comparativas que temos, e os demais países também aportam uma série de outras dinâmicas e processos que são igualmente favoráveis.”

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Painel de cientistas

Os dados preliminares de desmatamento apresentados na quinta-feira pelo governo colocam o Brasil em uma posição privilegiada na discussão na região e também para a próxima conferência global sobre o clima (COP). De janeiro a julho deste ano, depois que Lula assumiu o governo, houve uma queda de 42,5% no desmatamento, comparado ao mesmo período do ano passado, em um período que a retirada de floresta tende a crescer.

Apenas no mês de julho, que costuma ser o pico do desmatamento, a queda foi de 66%, atingindo o menor valor desde 2017.

Os números podem ajudar o Brasil a chegar mais forte nas conferências, especialmente na COP, ao mostrar que o governo consegue sim cumprir suas promessas e “liderar pelo exemplo”, como diz a ministra.

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Marina defende que a cúpula de Belém precisa sair da “fase dos eventos” e alcançar a realização daquilo que os países se comprometem nos encontros.

“A cúpula demorou 14 anos para se reunir. Não dá, no contexto de tudo que está acontecendo no mundo, com a velocidade da transformações que estão acontecendo em prejuízo da Amazônia, das populações locais e das dinâmicas da geopolítica global em relação à questão do clima para ficar nessa lógica dos eventos”, afirmou.

Daí a ideia de uma das ações conjuntas, a criação de um painel de cientistas na região nos moldes do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês), que produza informação e proposta sobre a Amazônia.

“Deve começar a ter uma estrutura para produzir políticas para o desenvolvimento sustentável da região no âmbito de cada país, com base em evidências. Daí a ideia de ter um painel científico para a Amazônia com cientistas dos diferentes países, nos moldes do IPCC”, disse.

“São as metodologias que já temos consolidadas em relação a monitoramento, como está sendo o comportamento em relação à alteração do clima sobre a floresta, sobre os ecossistemas de modo geral, quais são os limites mesmo estabelecidos para essa ideia do ponto de não retorno. As sugestões que podem ser dadas também, obviamente, para uma intervenção mais eficiente”, explicou.

“É ter uma base de conhecimento, uma base tecnológica isenta, porque não vai ter interferência dos governos. Como é o IPCC, ele não sofre nem um tipo de interferência.”