Moro chama Vaza Jato de “bobajarada” e evita perguntas sobre Bolsonaro

Em entrevista ao programa Roda Viva, ministro voltou a minimizar revelações do site The Intercept Brasil e defendeu Bolsonaro em atritos com a imprensa

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, voltou a criticar as revelações feitas pela chamada Vaza Jato e manteve a postura de não confirmar a autenticidade do material que vem sendo divulgado pela imprensa desde junho do ano passado.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite da última segunda-feira, o ex-juiz chamou de “um monte de bobajarada” a série de reportagens publicados pelo site The Intercept Brasil em parceria com outros veículos de imprensa que revelaram conversas mantidas por ele com membros da força-tarefa da Operação Lava-Jato, na época em que julgava casos oriundos das investigações.

O conteúdo mostrou uma relação de proximidade entre as partes do processo e indica que Moro pode ter interferido nas estratégias e caminhos seguidos pela força-tarefa nas investigações. Para críticos do ex-juiz, o material teria indicado postura parcial no julgamento de processos da Lava-Jato.

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“Acho que esse é um episódio menor. Sinceramente, nunca dei muita importância para isso. Acho que é um monte de ‘bobajarada'”, disse. Na avaliação do ministro, o conteúdo foi obtido por meio ilegal pelos jornalistas e acabou “usado para soltar presos condenados”.

Durante o programa, o ministro também respondeu sobre suposta parcialidade na revelação de áudios de conversas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente Dilma Rousseff, ação que pode ter catalisado o processo de impeachment da mandatária em 2016, ao barrar a nomeação do líder petista como ministro da Casa Civil no governo de sua sucessora.

“O que foi verificado na época foi uma aparente tentativa de obstrução da justiça. Naquele momento, proferi uma decisão fundamentada. Não há razões obscuras. Não houve manipulação. Aqueles áudios revelavam tentativa de obstrução de justiça”, afirmou.

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“Se houve reflexo político ou não, isso não é responsabilidade do juiz, foi a decisão correta para o processo, e eu proferi uma decisão fundamentada”, complementou. De acordo com o ex-magistrado, a divulgação atendeu a um pedido feito pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal e visou atender o interesse público.

Após revelações recentes, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, responsável por conceder a liminar que suspendeu a nomeação de Lula para a Casa Civil do governo em função da suspeita de obstrução de Justiça, afirmou hoje ter “muitas dúvidas” sobre o assunto e lamentou “esse tipo de manipulação”.

No programa de ontem, Moro defendeu suas decisões: “É muito fácil [dizer] ‘2016, ah, não tenho culpa nenhuma, fui manipulado’. Não existe nada disso. Ele [Gilmar] tomou a decisão dele na época, ele assuma a responsabilidade pela decisão que tomou. Nada foi objeto de manipulação ou qualquer espécie de falsidade”. Tramita na Justiça um pedido da defesa de Lula pela anulação das decisões de Moro em função de suposta postura parcial nos casos da Lava-Jato.

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Ao ser questionado sobre a divulgação da delação do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas das eleições, Moro disse que o material foi “superdimensionado”. Ele negou ter sido incoerente ao apresentar o conteúdo e ao mesmo tempo negar entrevistas e depoimentos do ex-presidente Lula.

“O que estava na delação ele já havia falado, não havia novidade”, disse. “E, olhando o que aconteceu, eu não acredito que tenha interferido na eleição.”

A entrevista também foi marcada por questionamentos sobre posturas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro e pontos sensíveis envolvendo o governo. O ministro optou por não opinar sobre temas que pudessem colocá-lo em posição desconfortável em relação ao presidente e disse respeitar uma “cadeia de comando” em caso de divergências com o mandatário.

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Foi o caso das perguntas sobre a situação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado no caso das candidaturas laranja, da acusação de caixa dois contra o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, das recentes denúncias de conflito de interesses em posturas adotadas pelo chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), Fabio Wajngarten, e das investigações contra o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

Sobre o vídeo do então secretário da Cultura Roberto Alvim, em que há cópia de trechos e uso da estética adotada pelo ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, o ministro chamou de “bizarro” e disse que aconselhou Bolsonaro sobre o caso.

“No caso do secretário, foi um episódio bizarro e, tendo ciência, dei minha opinião ao presidente, e cabe a ele tomar a decisão. Ele tomou uma decisão absolutamente correta, ele fala pelo Poder Executivo”, disse em resposta a pergunta sobre a ausência de manifestação pública sobre o episódio. Provocado sobre o silêncio em temas como a defesa do AI-5 por integrantes do governo ou mesmo o ataque à produtora do grupo Porta dos Fundos, o ministro disse que não é “comentarista sobre tudo”.

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Sergio Moro também foi questionado sobre a postura agressiva muitas vezes adotada por Bolsonaro com jornalistas. O ministro optou por defender o presidente e negar qualquer iniciativa no sentido de cercear a atividade da imprensa — o que foi contestado pelos jornalistas presentes no programa.

“Ele é criticado e reage”, disse. “Não se vê qualquer iniciativa [contra a imprensa]”.

Sobre sua relação com o presidente, Moro negou animosidades e chamou boatos sobre uma possível demissão sua como “exagerados”, em referência a trecho do livro “Tormenta”, da jornalista Thaís Oyama. “Minha relação com ele é ótima”, afirmou.

Figura mais popular do atual governo, o ministro negou, porém, interesse em candidatar-se à presidência da República. “Não tenho esse tipo de ambição. Temos de ter bastante pé no chão, existe o famoso ditado antigo que diz sic transit gloria mundi (toda glória do mundo é transitória, em latim). Então, essas questões de popularidade, elas vem, vão, passam, e o importante para mim é fazer meu trabalho como ministro da Justiça, e foi o que eu me propus com o presidente, acho que estamos num caminho certo”, disse.

De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em janeiro, Moro é conhecido por 93% dos brasileiros e aprovado por 53% — o percentual supera o índice de aprovação de Bolsonaro, de 30%. Mesmo assim, dado o fato de o presidente já ter manifestado interesse em se candidatar à reeleição, o ministro disse que o “caminho natural” de quem compõe o atual governo é apoiar.

“Se um ministro do presidente Jair Bolsonaro, evidentemente, os ministros vão apoiar o presidente. É um caminho natural. Eu não tenho esse tipo de ambição. Eu posso dizer: minha vida é suficientemente complicada Eu estou pensando no presente momento. Não posso pensar no que vou fazer daqui a dez anos”, avaliou.

Cotado no passado para assumir um assento no STF, Moro também desconversou: “Não tem vaga no momento, então não vou discutir vaga sem que a vaga exista”. “O presidente vai decidir quando surgir a vaga”. No ano passado, Bolsonaro disse que sua primeira indicação deveria ser de um ministro “terrivelmente evangélico”. Na entrevista de ontem, Moro disse ser católico.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.