“Marina Paz e amor”: candidata pode ser um Lula versão 2014?

Perfis fortes e uma imagem que supera a de seus partidos são marcas dos dois, assim como concessões partidárias e de discurso; dúvida é se Marina irá tão longe quanto o ex-presidente foi

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Histórias fortes, de superação de diversos obstáculos, que já foram ou que ainda serão retratadas em filmes. Mas, ao mesmo tempo que são tão similares, os rumos que estas trajetórias podem tomar devem ser bastante diferentes.

Cada vez mais, o perfil de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente em 2002 e reeleito 4 anos depois, mostra muita singularidade com o de Marina Silva, candidata escolhida pelo PSB para substituir Eduardo Campos na corrida presidencial de 2014. Os dois enfrentavam certa desconfiança do mercado financeiro sobre como iriam gerir o governo, ao mesmo tempo em que suas imagens acabam se sobressaindo a do partido a que pertencem.

O equilíbrio entre mostrar que pode ser diferente, ao mesmo tempo que pode assegurar a estabilidade tão cara aos eleitores brasileiros permeou o cenário desde a candidatura até a eleição de Lula. Este equilíbrio deve ser apresentado por Marina para que ela desponte na disputa eleitoral, além do patamar da casa dos 20 pontos dos eleitores insatisfeitos com a política atual que ainda não haviam encontrado um representante entre os que estavam aí. 

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Conforme aponta o diretor de mercados emergentes da Nomura, Tony Volpon, a expectativa é de que o impacto emocional com a morte de Eduardo Campos (PSB) deva diminuir, o que sugeriria que Marina Silva estaria no ponto alto das pesquisas, ainda mais levando em conta os menores recursos eleitorais na comparação com os seus principais adversários. Porém, isto não é uma verdade absoluta, aponta Volpon.

Os 3 pontos cruciais para Marina
Apesar das deficiências que encontra pelo caminho, a manutenção de Marina como uma alternativa forte para a presidência depende de três coisas: da capacidade de se mover para o centro político, a sua capacidade de agregar apoio e forças políticas fora do seu grupo político e a capacidade de se apresentar como uma agente confiante da mudança.

Este último fato é central, surgido no ano passado em meio à eclosão dos protestos populares, fazendo com que as eleições de 2014 se diferenciassem dos últimos dois pleitos. Segundo Volpon, o paralelo mais próximo que poderíamos pegar para este cenário seria a eleição de 2002, onde Lula aproveitou o relativo evidente “cansaço” da população com os 8 anos do governo de Fernando Henrique Cardoso para se mover para abandonar posições radicais anteriores e mover-se para o centro, no que ficou conhecido como “Lula Paz e Amor”.

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“Isto foi crucial, porque em um país com uma cultura política conservadora, como o Brasil, em momentos como 2002 e agora, não é suficiente ser só um ‘agente de mudança’. Tem que se mostrar como um confiável – e não radical – agente de mudança”, ressalta Volpon.

Outro exemplo citado por ele é o de Barack Obama: em um país cansado da guerra do Iraque e da recessão, o candidato a presidente foi capaz de capturar o desejo de mudança, apesar de Hillary Clinton ser mais conhecida e ter mais recursos, caso de Aécio Neves agora. 

Prós e contras
Marina já construiu uma vantagem considerável no extremo da distribuição dos eleitores – urbanos, ricos, do sudeste e com maior escolaridade. Porém, olhando para quem quer mudança, há um retrato mais díspar, também contemplando os pobres, com menor escolaridade e do nordeste.

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“Isto significa que Marina é uma candidata que tem a melhor chance de apresentar-se como um agente de mudança confiável, podendo ainda fazer incursões em uma grande parte do eleitorado, mesmo entre os mais pobres e menos escolarizados”, afirma o diretor do Nomura. Além disso, em comparação aos seus principais adversários, ela tem mais motivos para incorporar este discurso. Por outro lado, ela pode ser taxada de inexperiente, já que não teve nenhum cargo eletivo no Executivo.

“Há respostas perfeitamente boas e plausíveis para esses ataques que Marina Silva poderia responder, mas que vai exigir-lhe flexibilidade e inovação em torno de algumas posições políticas históricas. Marina Silva também deve estar disposta a aceitar o apoio de atores políticos com os quais ela possui divergências sobre algumas questões centrais. Se ela mantém e expande sua liderança, os atores políticos naturalmente gravitam em torno de sua campanha, e se ela também pode mostrar flexibilidade sobre esta questão será um indicador importante da sua competitividade como candidata”, diz Volpon.

Marina vai apontar para mudança?
Para Vitor Oliveira, consultor político e blogueiro do InfoMoney, é possível fazer algumas analogias entre Lula e Marina, mas as diferenças são bem grandes. Em primeiro lugar, Marina enfrenta uma situação complicada entre continuar sendo uma voz para os dissonantes e conseguir um apoio maior entre as outras classes. Assim, ela teria que “esconder” possíveis acordos políticos que tanto combateu de boa parte do seu eleitorado.

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Por outro lado, em 2002, Lula tinha que tornar cada vez mais evidente que era capaz de construir acordos e ser bem menos combativo, o que levou à alcunha de “Lulinha Paz e Amor”, para suavizar a sua imagem de sindicalista líder de greves e de uma pessoa sem tanto trato social.

Lula escreveu, inclusive, a “Carta ao Povo Brasileiro”, em que mostrou estar disposto a manter o tripé que levou a maior estabilidade econômica durante o governo do antecessor FHC. Com isso, ele conseguiu atingir o eleitorado mais ao centro, enquanto afastou a esquerda mais radical mas que, no cômputo geral, acabou sendo mais favorável a ele. Com Marina indo mais ao centro, ela pode perder grande parcela do seu eleitorado, ao mesmo tempo que se mostraria mais próxima do perfil de Aécio. Ou seja, a situação dela é bastante diferente, aponta Oliveira, e mais desconfortável. 

Volpon também destaca que, em meio às convicções políticas de Marina, há risco de que o movimento de expansão do seu eleitorado com a maior abrangência de discurso ocorra. No entanto, Marina vem dando sinais de que é capaz de negociar com o PSB, que seria o seu partido “temporário”, em meio à oposição de alguns membros do partido que gostariam de se unir ao PT após a morte de Campos, o que teria beneficiado enormemente Dilma Rousseff.

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Primeiras sinalizações
De acordo com Frederico Mesnik, o sócio gestor da Humaitá Invest, Marina já deu suas primeiras sinalizações para o mercado na noite da última quarta-feira (20), em que foi oficializada candidata do PSB à presidência. Ela defendeu o tripé econômico e a autonomia do Banco Central, em um discurso muito parecido com a equipe econômica do adversário Aécio Neves e também em linha com as falas de Eduardo Campos, fora alguns pequenos detalhes.

O mercado ainda tem algumas dúvidas sobre Marina na área econômica, afirma, mas os temores são menores do que se Dilma Rousseff continuar no poder, ressaltando que o Ibovespa teve fortes altas nas últimas sessões mais refletindo um cenário de segundo turno do que uma percepção de mudanças de política com Marina sendo eleita. Porém, ela pode tornar ainda mais clara as políticas que pretendem adotar se for eleita. Neste sentido, uma Carta ao Povo Brasileiro, principalmente no 2º turno, poderia ser bem positivo, e pode acontecer já num segundo turno. 

Para Menisk, ela está mostrando mais flexibilidade agora, principalmente depois de ter se associado a Eduardo Campos. E, mesmo que ela tenha uma ideologia bastante forte em alguns pontos, Marina está mais amadurecida em alguns quesitos: “se quiser ganhar a eleição, ela terá que costurar acordos políticos”, mesmo que em alguns pontos ela não deve voltar atrás em suas posições. 

Por outro lado, em algumas matérias, ela pode ser inflexível, como no caso do agronegócio. Isso mesmo tendo um vice na sua chapa, Beto Albuquerque, ligado ao setor. “Em casos em que ela não mostre tanta flexibilidade, Marina pode convocar ministros de sua confiança para fazer a intermediação”. E nem tudo são flores: a indisposição da candidata com o coordenador Carlos Siqueira mostra que o PSB e Marina podem ter mais divergências pela frente

O cenário mostra que uma versão “Marina Paz e Amor” não está descartada. Além do mais, Mesnik conclui a entrevista com uma afirmação interessante: “o mercado estava muito mais assustado com o Lula em 2002 do que agora com a Marina”.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.