Lula depende de tramitação “relâmpago” de PEC no Congresso para garantir folga no teto de gastos em 2023

Presidente eleito tem cerca de 30 dias para aprovar proposição com tramitação mais complexa no parlamento e garantir Orçamento para promessas de campanha

Marcos Mortari

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em reunião com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e parlamentares (Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal)

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Uma semana após a apresentação da primeira minuta da PEC da Transição ao Congresso Nacional, a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), corre contra o tempo para chegar à versão final do texto da proposta que deverá garantir o pagamento do Bolsa Família (programa que será rebatizado no lugar do atual Auxílio Brasil) de R$ 600,00 mensais e outras promessas de campanha.

Diante de um Orçamento estrangulado pelas restrições impostas pelo teto de gastos − regra fiscal que limita a evolução de despesas públicas em um exercício ao comportamento da inflação no ano anterior − aliados de Lula tentam garantir espaço para políticas públicas que consideram fundamentais para o início da próxima gestão.

Para liberar espaço para as medidas no Orçamento do próximo ano, Lula depende da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nas duas casas do Poder Legislativo em um mês. Seria a segunda tramitação mais rápida para uma peça desta natureza no parlamento desde a redemocratização − perdendo apenas para a chamada PEC dos Precatórios (PEC 23).

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Segundo levantamento da Metapolítica Consultoria, divulgado pelo site Poder360, a média de tramitação de PECs promulgadas pelo Congresso Nacional é de 1.360 dias (ou 3,78 anos), já que muitas delas ficam dormindo em gavetas até serem puxadas em momentos politicamente mais favoráveis. Considerando a mediana, o período cai para 844 dias (2,34 anos). E a moda, 182 dias (0,5 ano). Em todos os casos, muito acima do tempo que a equipe de Lula precisa para aprovar seu texto.

Lula conta com o elevado capital político que a recente vitória nas urnas garante a presidentes eleitos para cumprir a difícil missão. Mas o incômodo dos parlamentares com a primeira versão da proposta apresentada indica que o governo eleito terá que fazer concessões (veja os principais pontos do texto ao final desta reportagem).

Por se tratar do instrumento mais alto na hierarquia do processo legislativo, uma PEC tem tramitação complexa no parlamento – exigências que contrastam com a janela estreita que o governo eleito tem para aprovar a medida antes da posse.

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Além de uma série de formalidades (como a passagem por comissões específicas), o texto dependeria do apoio de 3/5 em dois turnos de votação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal – o que significa apoio mínimo de 308 deputados e 49 senadores em cada deliberação no plenário.

Considerando o fato de que os 513 deputados e os 27 senadores eleitos em outubro de 2022 tomarão posse apenas em fevereiro do ano que vem, Lula precisará abrir negociação com as atuais composições das casas legislativas.

Hoje, um contingente de 244 congressistas está no exercício de suas funções, mas não exercerá mandato na próxima legislatura – o que pode tornar negociações mais custosas.

Conforme estabelece a Constituição Federal, as atividades legislativas vão até 22 de dezembro − quando está previsto o início do recesso parlamentar −, o que indica um horizonte de 5 semanas entre a apresentação do texto e a promulgação pelo parlamento.

Tramitação e estratégias

A expectativa é que o governo eleito defina uma nova versão para o texto após rodadas de negociações com parlamentares nos próximos dias.

O senador eleito Wellington Dias (PT-PI), coordenador da área de Orçamento na equipe de transição, tem indicado que a proposta começará a tramitar nesta semana pelo Senado Federal. A ideia é iniciar pela casa considerada mais célere para a aprovação do texto, com menos restrições regimentais.

Ao receber com colegas do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, a primeira minuta da PEC da Transição, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), que também é relator do Orçamento de 2023, disse que será responsável pela primeira assinatura para a proposta tramitar.

O primeiro senador a assinar uma PEC é considerado o autor da proposição. Como Lula ainda não foi empossado, sua equipe não pode formalmente apresentar uma proposta para tramitar no Senado Federal. O governo eleito depende que um parlamentar hoje no exercício do mandato assuma a autoria do texto, que, para tramitar, precisa contar com a assinatura de 27 dos 81 senadores (ou seja, 1/3).

Superada esta etapa, a PEC precisa tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal − colegiado hoje presidido por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), aliado do atual presidente da casa legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Ao receber de Alckmin a minuta da proposta, Alcolumbre deu sinalizações de boa vontade com a matéria, demonstrou atenção com o tempo curto e prometeu dar a celeridade possível à matéria na CCJ. “A hora em que essa matéria for tramitar na comissão, eu vou respeitar o regimento, vou respeitar o que dizem as regras da comissão, para nós darmos celeridade, porque também o tempo está contra”, disse.

Uma vez superado o debate na comissão e feita a votação entre os integrantes do colegiado, o texto poderá seguir para o plenário − onde precisa ser votado em dois turnos, com maioria de 3/5 favoráveis para avançar. A expectativa de aliados de Lula é que esta etapa seja vencida ainda em novembro.

Com isso, o texto pode seguir para a Câmara dos Deputados, onde as regras de tramitação são mais restritivas. O regimento interno da casa legislativa estabelece que PECs sejam submetidas a exame de admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) em um prazo de cinco sessões.

Uma vez aprovado por maioria simples dos membros do colegiado, é instalada uma comissão especial para avaliar o mérito da matéria, que terá prazo de 40 sessões para proferir parecer. O prazo para a apresentação de emendas é de dez sessões.

O substitutivo só seguiria a plenário após avaliação do colegiado e aprovação dos integrantes. No plenário, após interstício de duas sessões, a proposta pode ser incluída na Ordem do Dia, submetida a discussão e votação em dois turnos, com intervalo de cinco sessões. Em ambas, é necessário apoio de pelo menos 3/5.

Caso o rito fosse cumprido à risca, seria impossível aprovar a PEC da Transição ainda em 2022. Mas há manobras possíveis, que se tornam mais simples à proporção do consenso gerado entre as bancadas da casa legislativa.

Um expediente normalmente usado pelos parlamentares para acelerar a tramitação de PECs na Câmara dos Deputados é “pegar carona” em outra proposta já em estágio avançado de discussão na casa. Desta forma, seria possível queimar etapas, como algumas exigências regimentais a nível de comissão.

No caso da PEC da Transição, a ideia em discussão seria apensar o texto à PEC 24 ou à PEC 200, que já estão prontas para análise do plenário. O movimento, no entanto, deverá ser objeto de contestação e precisará contar com negociações e acordos.

Proposta inicial

A minuta para a PEC da Transição apresentada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) na última quarta-feira (16), garante um espaço fiscal de pelo menos R$ 105 bilhões para novas despesas no Orçamento de 2023.

O texto prevê que o Auxílio Brasil (programa que será rebatizado de Bolsa Família pelo próximo governo) fique permanentemente fora do teto de gastos – regra fiscal que limita a evolução de despesas públicas em um exercício ao comportamento da inflação acumulada no ano anterior.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023, enviado em agosto pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso Nacional, reserva R$ 105 bilhões para o programa de transferência de renda. O montante seria suficiente para bancar parcelas de R$ 400,00 às famílias atendidas, o que representaria um decréscimo de R$ 200,00 em relação ao valor pago atualmente.

O mundo político já trabalha com a ideia de manutenção dos R$ 600,00 mensais pagos aos beneficiários, o que demandaria um incremento de R$ 52 bilhões na previsão orçamentária do programa – movimento avaliado como impossível de ser feito dentro do teto de gastos, dada a percepção de esgarçamento das despesas discricionárias.

Além disso, Lula quer garantir um adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos, em linha com promessa feita durante campanha eleitoral. Na prática, a medida custaria outros R$ 18 bilhões aos cofres públicos, totalizando R$ 175 bilhões na linha do Bolsa Família, caso as medidas sejam implementadas conforme planejado.

Os gastos também não serão contabilizados para a meta de resultado primário do exercício de 2023, nem precisarão seguir a chamada “regra de ouro”, segundo a qual o governo não pode contrair dívida para custear despesa corrente.

Outra excepcionalidade criada para o programa de renda é que ele não precisará seguir as regras de criação, aperfeiçoamento e expansão da ação governamental – que incluem, por exemplo, a necessidade de compensar um gasto novo com um abatimento ou nova receita, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O documento entregue por Alckmin aos parlamentares também prevê que despesas das instituições federais de ensino custeadas por receitas próprias, de doações ou de convênios celebrados com demais entes da federação ou entidades privadas também sejam excluídas da base de cálculo para os limites impostos pelo teto de gastos.

Desta forma, universidades poderiam ser incentivadas a buscar receitas incrementais aos repasses recebidos dos governos. Hoje, o teto de gastos impede que tais instituições, mesmo que recebam doações, possam utilizar os recursos, que iriam diretamente ao caixa da União e só poderiam ser utilizados no abatimento da dívida pública.

Outro item presente no pacote de sugestões do novo governo ao Congresso Nacional prevê que despesas com projetos socioambientais ou relativos às mudanças climáticas, no âmbito do Poder Executivo, custeadas por recursos de doações, também possam ficar de fora das regras fiscais. O raciocínio é semelhante ao caso das universidades. Em ambos é difícil fazer estimativas precisas de impacto fiscal.

Ainda na minuta entregue aos congressistas, Alckmin sugere que recursos obtidos a partir de “excesso de arrecadação” também possam ser utilizados fora dos limites do teto de gastos. Neste caso, o texto estabelece que os valores não poderão superar 6,5% do valor que a arrecadação superou as previsões da lei orçamentária em 2021 –na prática, cerca de R$ 23 bilhões.

Juntas, as excepcionalidades ao teto de gastos garantiriam um fôlego de aproximadamente R$ 198 bilhões ao novo governo para acomodar despesas no Orçamento. Montante que pode passar de R$ 200 bilhões incluindo as universidades e despesas com projetos socioambientais previstas no texto.

Parlamentares tentam enxugar

As reações ao texto não demoraram a vir. Agentes econômicos manifestaram profunda preocupação com o impacto das medidas sobre as contas públicas. A retirada completa e permanente do Bolsa Família do teto de gastos gerou incertezas fiscais, que foram aprofundadas pelo pedido de uma licença para gastar na casa de R$ 200 bilhões.

Nos últimos dias, senadores apresentaram propostas alternativas, de menor impacto fiscal para 2023. No caso de Alessandro Vieira (PSDB-SE), o estouro do teto de gastos previsto seria de R$ 70 bilhões − exatamente o custo para garantir o Bolsa Família em R$ 600,00 e o adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos. No caso de Tasso Jereissati (PSDB-CE), o impacto seria de R$ 80 bilhões.

No “centrão”, as sinalizações também são de pouca disposição a entregar tanto para Lula num momento em que sequer a base do governo eleito no Congresso Nacional foi definida. Seria um cheque robusto demais para o pontapé inicial do governo e que reduziria o poder de negociação dos parlamentares nos próximos meses.

Há uma avaliação nos bastidores de que hoje a PEC da Transição, se encaminhada nos termos da minuta apresentada por Alckmin, não teria votos para prosperar nas duas casas legislativas. Tal percepção somada aos prazos absolutamente apertados fatalmente levarão Lula à mesa de negociações – e possivelmente a um resultado mais modesto.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.