Haddad anuncia acordo com governadores sobre perdas com ICMS; compensação será de R$ 26,9 bilhões

Entendimento põe fim a novela gerada após aprovação de lei patrocinada por Bolsonaro para reduzir preços de combustíveis usando tributos estaduais

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) (Foto: Washington Costa/MF)

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), anunciou, nesta sexta-feira (10), um acordo firmado entre União e Estados para compensar as perdas de receitas geradas pela legislação que estabeleceu um limite para as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pelos entes subnacionais sobre bens considerados essenciais.

Após semanas de negociações complexas entre as partes (por muitas vezes envolver até metodologias de cálculo distintas), Haddad informou que a solução encontrada foi de compensação de R$ 26,9 bilhões − montante muito mais próximo ao que indicava o Ministério da Fazenda em suas primeiras propostas (na casa de R$ 18 bilhões, enquanto os governadores chegaram a sugerir algo como R$ 45 bilhões).

“Uma boa parte disso já está resolvida, porque alguns Estados conseguiram liminar para não pagar as parcelas referentes às suas dívidas com a União”, pontuou o ministro em anúncio feito na sede da pasta, em Brasília. Acompanharam o evento o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), que representou os 27 governadores nas negociações, e Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional.

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Segundo Haddad, alguns entes, como São Paulo e Piauí, já deixaram de pagar mais do que teriam a receber em compensações por perdas de ICMS. Nessas situações, ele disse que haverá um “tratamento específico”, mas não entrou em detalhes. Já a parte dos recursos que ainda não foi compensada será diluída ao longo do tempo, para evitar maiores impactos sobre as contas do governo federal em 2023. O ministro salientou que o entendimento não muda as projeções da pasta para os indicadores econômicos.

Do total acordado, cerca de R$ 9 bilhões já foram compensados através das liminares concedidas pelo STF a entes federados devedores da União no âmbito do Grupo de Trabalho criado pela Corte. O restante será abatido das parcelas da dívida com a União ou pago pela União (para Estados com pequenas dívidas com a União ou mesmo sem dívida) até 2026.

Pelo acordo, no caso de Estados que têm a receber até R$ 150 milhões, metade será compensada ainda neste ano e a outra metade no ano seguinte, com recursos do Tesouro Nacional.

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Já entes que têm a receber entre R$ 150 milhões e R$ 500 milhões receberão 1/3 em 2023 e o restante na mesma proporção nos dois anos subsequentes.

No caso de unidades federativas com saldo a receber superior a R$ 500 milhões, 25% serão pagos em 2023, 50% em 2024 e 25% em 2025.

Estados em Regime de Recuperação Fiscal (Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul) estão submetidos ao mesmo regramento, mas o adicional de R$ 900 milhões será compensado na dívida em 2026.

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“Nós estamos diluindo os efeitos do acordo, para que a gente consiga acomodar nas nossas projeções e metas que já foram anunciadas. Está bem acomodado para que não tenhamos nenhum tipo de surpresa”, destacou. O acordo agora será comunicado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam ações envolvendo a disputa.

Em sua fala, o ministro brincou que “acordo nunca é satisfatório para ninguém”. “É uma conta que você faz com base em parâmetros e é técnica. Tecnicamente o trabalho foi intenso e chegaram ao valor de R$ 26,9 bilhões de compensação”, disse. “Estamos chegando a um consenso entre 27 governadores e a União. Isso não é uma tarefa simples, porque cada realidade é uma realidade”.

A frustração orçamentária tratada nas negociações ocorreu a partir da aprovação de dois projetos de lei complementar pelo Congresso Nacional em meados de 2022. As medidas, patrocinadas pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), foram a forma encontrada pelo governo para reduzir os preços dos combustíveis e da energia às vésperas da eleição para debelar os impactos da inflação sobre sua popularidade.

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As novas regras pegaram carona em decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiu a essencialidade de determinados bens e serviços e entendeu que a cobrança de alíquota superior a 17% de ICMS sobre operações de fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicação é inconstitucional.

Na ocasião, porém, foi feita modulação sobre os efeitos da medida, estipulando que os efeitos passassem a valer a partir de 2024 – diferentemente do que ficou estabelecido pelo projeto de lei aprovado pelo parlamento no ano passado.

O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos Estados e governadores alegavam que a medida poderia comprometer de forma significativa a execução de políticas públicas caso não houvesse recomposição integral dos valores estimados.

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De acordo com Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional, o impacto do acordo (R$ 26,9 bilhões, desconsiderando casos em que liminares a favor de governadores já fizeram parte da compensação agora acordada) será diluído até 2026. Neste ano, a compensação total é estimada em R$ 4 bilhões.

Os recursos poderão vir a partir de abatimento de dívida de entes subnacionais com a União. No caso de ausência ou de dívida pequena, haverá aportes.

Caminho para reforma tributária

O governador do Piauí, Rafael Fonteles, que representou os gestores de entes subnacionais na discussão, disse que a resolução do imbróglio envolvendo as perdas com ICMS permite o avanço das discussões sobre a reforma tributária – agenda prioritária do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na economia.

“Esse diálogo aconteceu de uma maneira muito tranquila, muito receptiva de parte a parte, e acho que isso também vai contribuir para a nova etapa, que vem adiante, que é a discussão da reforma tributária. Sem sombra de dúvidas, os Estados estão muito interessados nessa questão, até porque o tributo mais complexo é o ICMS. Ele é que precisa ser reformado, de fato”, afirmou.

“O Brasil está muito atrasado nessa questão tributária e essa reforma a gente acredita muito que ela tem condições de ser votada e aprovada, este ano, no Congresso Nacional. Mas não poderíamos partir para essa discussão sem resolver essa pendência de 2022”, concluiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.