Governo cria grupo de trabalho após Receita anular isenção tributária para líderes religiosos

Criação do grupo foi anunciada pelo presidente da bancada evangélica no Senado e confirmada por Haddad

Lucas Sampaio

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O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou um grupo de trabalho para estudar a isenção tributária para líderes religiosos, dois dias após a Receita Federal editar um ato declaratório que acabava com o benefício, que gera perda de arrecadação de R$ 300 milhões por ano à União.

A criação do grupo foi anunciada pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da Frente Parlamentar Evangélica do Senado, em nota divulgada na quinta-feira (18). O político disse ter conversado com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e que “ficou acertado que a bancada evangélica e representantes do ministério e da Receita Federal formarão um grupo de trabalho para avaliar e definir todas as medidas necessárias para manter a isenção das igrejas”.

Viana disse também na nota que o secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, receberia “alguns representantes de igrejas e da bancada para uma primeira reunião” nesta sexta-feira (19) e que a expectativa era que, “com diálogo, se consiga resolver definitivamente o assunto da isenção”. “É a maneira mais transparente do governo Lula provar que não quer perseguir as igrejas”, escreveu o senador.

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Foi divulgada uma outra nota (esta de repúdio), dizendo que “são ações como essa que, cada vez mais, afastam a população cristã do governo federal”. “Os parlamentares que subscrevem a nota esperam que o governo repense sua decisão, pois atacar o segmento cristão como um todo nunca será uma atitude condizente com quem prega pacificação e na prática comete atos de perseguição”, diz o texto assinado tanto pela Frente Parlamentar Evangélica do Senado quanto da Câmara.

Haddad vai à reunião

Diante da forte reação, Haddad cancelou uma reunião que teria mais cedo com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), e ele próprio se encontrou com parlamentares da bancada evangélica. Participaram deputados como Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e Silas Câmara (Republicanos-AM) e também o chefe da Receita, que assinou o ato declaratório, e Claudia Lucia Pimentel Martins da Silva, subsecretária de tributação e contencioso do ministério da Fazenda.

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A criação do grupo de trabalho foi confirmada por Haddad. “Nós suspendemos um ato e estabelecemos um grupo de trabalho para interagir tanto com a Advocacia-Geral da União, na pessoa do ministro Jorge Messias, quanto com o Tribunal de Contas para entender exatamente como interpretar a lei que foi aprovada pelo Congresso”.

“Não queremos prejudicar quem quer que seja. A Receita quer cumprir a lei, mas há dúvidas [sobre a legalidade da isenção]”, afirmou Haddad. O ministro acrescentou que o ato declaratório editado em julho de 2022 trazia insegurança jurídica e criava uma “margem para interpretação” de que a medida seria casuística. “Não foi uma revogação, nem uma convalidação, foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei”.

Os deputados disseram que o grupo de trabalho pretende discutir não apenas o benefício tributário a pastores e líderes evangélicos, mas tamvém outras medidas de interesse do setor, como a Proposta de Emenda à Constituição 5/2023, de autoria de Crivella, que propõe imunidade tributária de bens e de serviços a organizações religiosas.

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“É bom deixar claro que há interesse do governo em dialogar com a Frente Parlamentar Evangélica”, afirmou Crivella. “Vamos aguardar esse grupo de trabalho em que vamos debater todas as outras frentes. Tenho certeza que, com esse movimento de diálogo, vamos melhorar o relacionamento da secretaria de Receita Federal com o segmento religioso com o Brasil”.

Medida do governo Bolsonaro

A medida que desencadeou a polêmica foi publicada na quarta-feira (17) no Diário Oficial da União. Assinado por Barreirinhas, o ato suspende o benefício concedido pelo seu antecessor, Julio Cesar Vieira Gomes, em 29 de julho de 2022, na véspera do início da campanha eleitoral.

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Julio Cesar foi exonerado da Receita, em junho de 2023, após ser revelado seu envolvimento no caso da liberação de joias dadas por governos estrangeiros ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foi ele quem assinou o despacho que pedia a auditores da Receita no aeroporto internacional de Guarulhos que entregassem um conjunto de joias presenteadas pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente.

TCU nega determinação

Segundo a Receita, a reversão da isenção tributária a líderes religiosos seguiu determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), pois a isenção foi considerada atípica por não ter sido analisada pela subsecretaria de tributação (área que hoje é chefiada por Claudia Lucia, que participou da reunião de mais cedo com a bancada evangélica). Mas o TCU divulgou nota dizendo que não determinou a suspensão e que o processo ainda está sob análise do ministro Aroldo Cedraz, ainda sem decisão final.

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“O processo trata de representação do MPTCU para avaliar a legalidade e legitimidade da ampliação de isenção de impostos para remuneração recebida por pastores conferida pela referida norma, diante de possível desvio de finalidade e ausência de motivação”, afirmou o tribunal. “O TCU se manifesta apenas por meio de seus acórdãos ou por decisões monocráticas dos seus ministros”.

(Com Agência Brasil)

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.