Excesso de sinceridade de Levy e Barbosa eleva expectativas fatalistas para o Brasil

Revisão das metas de superávit surpreendeu analistas, que classificam anúncio da equipe econômica de "cavalo de pau", "piada de mau gosto", entre outras classificações - mas há quem veja o lado bom deste anúncio

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Na última quarta-feira, o governo anunciou a nova meta de superávit primário, que passou de 1,13% do PIB para 0,15%. Apesar de já ter sido antecipada por jornais ontem a “derrota” do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o anúncio não deixou de surpreender negativamente a maior parte dos analistas de mercado. Além disso, reforça a preocupação de continuidade da expansão da dívida bruta, proximidade do rebaixamento de rating e contração ainda maior da economia, em um cenário em que o governo terá um Congresso pouco amistoso para que passem as novas medidas de ajuste fiscal. 

As indicações principais apontadas pelo governo ontem foram, além da redução, o contingenciamento adicional de R$ 8,6 bilhões. No discurso, tanto Levy quanto o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, mostraram bastante frustração em relação às receitas, mas exaltaram a “transparência” do governo como algo positivo. 

Porém, o mercado mostrou apreensão com os discursos. Em relatório, a LCA Consultores destacou que a equipe econômica deu um “cavalo de pau” em discurso, que até o final de semana batia e rebatia na tecla de que a meta de superávit primário era factível.

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Para a LCA, seria factível o cumprimento de uma meta mais elevada que isto, principalmente para os governos regionais, cujo ajuste fiscal está bem mais avançado que o do governo central. “Talvez o governo quisesse preservar algum espaço para acomodar uma deterioração adicional da atividade econômica, mas, se assim o for, ele não soube comunicar esta prudência”.

A equipe econômica do Credit Suisse destaca que as mudanças nas previsões de receitas e metas fiscais se desviam do discurso mais otimista do governo até uma semana atrás e aumenta o risco de rebaixamento da nota soberana. Os economistas do banco suíço destacam ainda que a “cláusula de escape” do governo de deduzir R$ 26,4 bilhões da meta caso as receitas extraordinárias esperadas para o segundo semestre não se materializem, levaria a um déficit primário de até R$ 17,7 bilhões. 

O Itaú também destacou a meta do superávit como abaixo dos níveis consistentes com a estabilização da dinâmica da dívida pública. “Esperávamos um esforço fiscal mais forte’’, destacaram os economistas do banco, que previam um superávit de 0,5% do PIB em 2015 e 1% no ano que vem. 

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O estrategista de câmbio do Crédit Agricole, Mark McCormick, ainda afirmou para a Bloomberg que a visão mais construtiva do cenário do Orçamento foi fundamental para o ajuste macroeconômico do Brasil e, agora, o não cumprimento da meta também está relacionado à desaceleração da economia, que deve se deteriorar mais do que o mercado espera.

O Crédit Agricole estima atualmente contração acima de 3% neste ano e condições piorando rapidamente. Para ele, a mudança na meta fiscal poderá reforçar a tendência de enfraquecimento do real, adicionando ainda mais prêmio de risco aos ativos do Brasil. “Dívida explodiu nos últimos anos e o grau de investimento do Brasil está certamente em perigo”, afirmou McCormick.

O cenário negativo é corroborado pelo estrategista do Société Générale em Londres, Bernd Berg, em nota para clientes. ‘‘Com a deterioração das contas fiscais e crescimento vacilante, o Brasil está agora à beira de perder seu status de grau de investimento ao longo dos próximos meses’’, afirmou Berg.

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Aliás, a agência de classificação de risco Fitch Ratings informou nesta quinta-feira que irá reavaliar as tendências fiscais do Brasil, ponto importante para sua decisão sobre se rebaixará o rating de crédito do país, após o governo cortar as metas de superávit primário. As novas metas de superávit fiscal do país são menores do que a Fitch havia estimado em abril, quando a agência decidiu colocar perspectiva negativa na nota de crédito BBB do Brasil, disse a analista da Fitch Shelly Shetty, em comunicado. Uma perspectiva negativa sinaliza que o rating pode ser reduzido dentro dos próximos 12 a 18 meses.

A consultoria de risco político Eurasia ainda destaca que a redução das metas de superávit 2016 e 2017 significa que a relação entre dívida e PIB só irá se estabilizar em 2018, o que mostra que os objetivos da equipe econômica mudaram radicalmente. “Antes focado na redução da relação dívida/PIB, o governo terá agora por objetivo evitar uma significante deterioração dos níveis da dívida”, afirma.

Assim, os desequilíbrios fiscais podem estar mais enraizados do que o que muitos estimaram 4, 5 meses atrás. Agora, combater tais desequilíbrios pode exigir reformar fiscais mais profundas e aprovação do Congresso. A derrubada de vetos da Dilma e o projeto de renovação da DRU são “bombas fiscais” em potencial, afirma. Assim, agora, o Congresso agora representa um risco maior para a política fiscal.

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Conforme destaca o blog de Gerson Camarotti, o governo reconhece que o ambiente político deve inviabilizar a nova meta, uma vez que é necessário aprovar projetos que foram condicionados pela equipe econômica para tanto. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, já deixou claro que o projeto de repatriação de recursos não declarados de brasileiros no exterior só será aprovado entre os deputados se começar tramitando na Casa. Outra dificuldade é com relação à aprovação pelo Senado do projeto que reduz a desoneração de vários setores da economia.

Para a Nomura, o sinal do governo não é bom. “Embora nós tenhamos reconhecido as limitações impostas pelas receitas deprimidas, o governo não só reduziu suas metas fiscais de forma significativa, mas fez em uma margem muito maior do que o esperado, estendendo até 2017”.

Além disso, a Nomura ressalta ver a mudança como indicação de fragilidade fiscal que é um mau presságio para a dinâmica da dívida e aumenta a possibilidade de um downgrade para jogar fora nos próximos dois anos. “Além disso, reconhecemos que o tamanho das revisões em baixa e a velocidade com que o Ministério da Fazenda mudou sua posição sobre estas revisões levanta questões sobre a posição de Levy no governo. No entanto, não vemos isso como um sinal de ajuste na política que levou Levy para o ministério. O governo tem tanto motivações econômicas e jurídicas para assumir uma postura mais cautelosa em suas metas referentes ao ano fiscal”. Vale ressaltar que, segundo o Estado de S. Paulo, Levy queria manter a meta, mas o ministro do Planejamento conseguiu convencer a presidente Dilma Rousseff para reduzi-la por “não ser realista”.  

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Há lado bom nisso tudo?
Apesar das notícias negativas, também há quem veja o lado positivo do anúncio de Joaquim Levy e Nelson Barbosa ontem. Conforme destacou a Nomura, há uma maior dose de realismo e transparência nas novas metas, Levy deixou claro que não é a intenção do governo reduzir o ritmo do ajuste fiscal e as revisões para baixo nas metas foram acompanhadas de mais contingenciamento. 

Parte da visão é compartilhada pelo Bradesco, que afirmou que as novas metas estão pautadas “pelo realismo e pela transparência frente às frustrações com o desempenho da arrecadação, não implicando uma suavização planejada do ajuste da política fiscal”.

Além do maior realismo, o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, destacou que a decisão tomada pelo Executivo foi correta também por indicar que o governo quer um superávit sem precisar recorrer à famigerada “contabilidade criativa” tão criticada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT). “É preferível fazer de maneira clara a administração fiscal e resgatar assim um pouco da credibilidade dos números oficiais do que recorrer a expedientes não usuais”, explica o economista da Gradual.

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Para ele, há ainda outra razão para que o governo reduza o superávit planejado, que é o fato de que o não cumprimento representaria uma infração da Lei de Responsabilidade Fiscal, causando ainda mais problemas do que os que o governo já tem com o TCU (Tribunal de Contas da União). Vale lembrar que hoje foi o último dia que Dilma teve para enviar ao órgão a justificativa para as chamadas “pedaladas fiscais”, que podem fazer com que o tribunal rejeite as contas públicas de 2014, o que é visto como precedente para o impeachment por analistas políticos e membros da oposição. 

Na opinião de Perfeito, a alteração não representa um retrocesso ou leniência fiscal. “Pelo contrário, representa trabalhar com parâmetros mais realistas e isso é uma sinal de maturidade e responsabilidade da equipe econômica”, explicou. “Muitos vão reclamar que não vamos alcançar a meta, e as agências podem ameaçar rebaixamento, mas acreditar que seria possível fazer um esforço fiscal maior é ignorar o ajuste econômico já em curso”, conclui o economista.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.