Entre desconfiança com Levy, manifestações e Petrobras, Dilma enfrenta “dias de cão”

Soma-se a isso ainda a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, projeções de inflação em alta e economia em baixa, o que mostra um cenário complicado antes da presidente completar um mês de seu segundo mandato

Lara Rizério

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SÃO PAULO – A última quarta-feira (29) não deve ter sido um dos melhores dias para a presidente Dilma Rousseff em muito tempo. Apesar de conseguir uma “vitória” dentro da Petrobras (PETR3;PETR4) pela não contabilização das perdas envolvendo a corrupção apurada pela Lava Jato, as dores de cabeça estão longe de acabar.

A posição dos ex-ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (Planejamento) de não aceitar as baixas contábeis seguiu orientação do Planalto, mas não foi nada bem recebida pelo mercado.

As ações da petroleira caíram mais de 10% na última quarta-feira e o valor de mercado da companhia caiu R$ 13,9 bilhões em apenas uma sessão, seguindo a forte queda de valor que a estatal já teve no primeiro mandato da presidente. De acordo com analistas de mercado, o resultado sem as baixas contábeis (que podem chegar a R$ 88,6 bilhões) não servem para nada. 

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Para o governo, incluir tal prejuízo seria “chancelar” um dado sobre desvios que poderiam ter ocorrido na empresa. Ninguém, na verdade, sabe precisar de quanto é o rombo, avalia-se. 

Contudo, segundo um executivo sênior do fundo Aurelius Capital Management, a divulgação dos resultados sem as baixas contábeis relacionadas às denúncias de corrupção da Operação Lava Jato da Polícia Federal pode até elevar o número de obrigações em contratos de dívida (covenants) e promessas a investidores que foram quebradas pela estatal, o que não deixaria a companhia “escapar” de um default técnico. 

Além disso, a Operação Lava Jato e as investigações do esquema de corrupção na Petrobras avançam e preocupam o Planalto, já atingindo ex-diretores de alto escalão. Na noite de ontem, foi determinado pela Justiça o bloqueio de bens e a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que também está sendo investigado por superfaturamento em obras de um instituto de pesquisas. 

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Pressão sobre Levy
Mais uma dor de cabeça de Dilma é a pressão sobre o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Um dia após reiterar seu apoio às políticas de ajuste do ministro, mas reiterando que as conquistas dos trabalhadores não seriam removidas por conta disso,  os sindicatos realizaram diversos protestos contra as políticas tomadas, mostrando que eles não estão convencidos com as novas diretrizes do novo governo.

As centrais sindicais ganharam novo fôlego e ontem promoveram manifestações em diversas capitais do país contra as alterações impostas pelas MPs de um modo geral, mas de olho principalmente no seguro-desemprego. Somente em São Paulo, segundo a Polícia Militar, elas reuniram 10 mil pessoas pela manhã na Avenida Paulista. 

Além disso, um grupo de manifestantes da Força Sindical e da NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores) bloqueou a rua principal de acesso ao Ministério da Fazenda, em Brasília, enquanto trabalhadores protestaram contra “Plano Levy” em Sorocaba.

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Conforme destaca o blog Primeiras Leituras, na outra ponta, o setor empresarial, até então calado (embora incomodado com o aumento de impostos) resolveu sair da toca também, contra uma outra dobra do pacote de Levy. Segundo o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, a entidade vai tentar derrubar, no Congresso Nacional, a medida que ampliou de 15 dias para 30 dias o tempo de afastamento do trabalhador por motivos de saúde que deve ser bancado pela empresa antes de a obrigação passar para o auxílio-doença da Previdência Social.

Enquanto isso, Joaquim Levy começa a ser contestado sobre se as medidas que tomou são efetivas. Exige-se maior transparência, enquanto há uma maior reavaliação das expectativas sobre a economia dita de R$ 18 bilhões ao anunciar os ajustes nos benefícios trabalhistas. E, após pressões sindicais, o governo também poderia flexibilizar propostas.

Disputa na Câmara
Enquanto isso, ganha destaque a eleição para a presidência na Câmara dos Deputados, com uma disputa acirrada entre Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Arlindo Chinaglia (PT-SP).

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Cunha reagiu à participação de cinco ministros em almoço organizado ontem para buscar apoio à candidatura do petista Arlindo Chinaglia, em que estiveram presentes lideranças de vários partidos. De acordo com Cunha, não há problema ter candidatos diferentes dentro da base governista, mas, é preciso “respeitar a todos”.

“Se o governo interferir [na disputa], ele vai criar um descompasso entre aliados da mesma base. O almoço de alguns ministros que estão apoiando, eventualmente, é uma coisa. Não acho bom. Não deveria fazê-lo”, disse o peemedebista ao afirmar que o Parlamento é livre, soberano e independente para ter a disputa. Cunha disse que não está fazendo almoços com os ministros do seu partido.

Políticas Monetária e Fiscal
Além disso, logo na manhã desta quinta-feira, a Ata do Copom (Comitê de Política Monetária) aumentam as perspectivas para a inflação em 2015 e as projeções para os preços administrados de 6% para 9,3% no ano, destacando que o que foi feito até agora não foi suficiente. A última reunião do Copom decidiu por uma elevação de juros para 12,25% ao ano. 

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Apesar das indicações serem positivas no longo prazo, por conta da avaliação de que haverá menor controle dos preços administrados. Por outro lado, a inflação deve disparar e ficar acima de 7%, segundo esperam economistas. Isso deve suscitar altas ainda maiores na taxa básica de juros, o que deve contribuir para que a economia continue fraca no curto prazo, apesar das melhores perspectivas mais à frente. 

Além disso, ontem, o Fomc (Federal OPen Market Committee) traçou um cenário positivo para a economia dos EUA, sinalizando que uma alta de juros por lá pode vir em breve. 

Por fim, um dado do Governo Central brasileiro mostrou um déficit inédito para a série histórica que começou em 1997, ao registrar um rombo de R$ 17,2 bilhões em 2014. 

É a primeira vez que o resultado primário fica deficitário desde o início da série histórica atual, em 1997. Em dezembro, o resultado foi superavitário em R$ 1,039 bilhão. Os dados foram divulgados hoje (29) pelo Tesouro Nacional. 

O Governo Central não cumpriu a meta alterada de superávit primário – economia para pagar os juros da dívida – para 2014, que era R$ 10,1 bilhões. A meta original, de R$ 80,7 bilhões, foi reduzida em razão da queda na arrecadação e aumento de gastos. E, para 2015, a meta fiscal é de 1,2% do superávit primário em relação ao PIB, o que sinaliza um aperto de cintos maior. 

Poucos dias antes de completar um mês de seu segundo mandato, Dilma já teve grandes desafios a enfrentar (soma-se ainda as perspectivas de racioamento de energia, que deve afetar ainda mais as projeções para o PIB). E, pelo que parece, muito mais está por vir. 

(Com Agência Brasil e Agência Estado) 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.