Dimas Covas diz que Butantan ofereceu 60 milhões de doses de vacina para 2020, contradiz Pazuello e afirma que Bolsonaro travou negociações

Em depoimento à CPI da Pandemia, diretor do Instituto Butantan diz que Brasil poderia ter sido um dos primeiros países a iniciar vacinação contra Covid-19

Marcos Mortari

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, presta depoimento à CPI da Pandemia (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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SÃO PAULO – Décima testemunha a depor perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou, nesta quinta-feira (27), que o Brasil poderia ter recebido 60 milhões de doses da vacina Coronavac ainda em 2020, mas não respondeu oferta inicialmente apresentada.

O imunizante, produzido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com a instituição brasileira, só começou a ser aplicado no Brasil em 17 de janeiro ‒ data em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou uso emergencial da Coronavac e da vacina AstraZeneca ‒, e hoje ainda é o mais usado no enfrentamento à Covid-19 no País.

Segundo Dimas Covas, a primeira oferta do imunizante pelo Instituto Butantan ao Ministério da Saúde, então comandado pelo general Eduardo Pazuello, foi feita em 30 de julho, quando ainda ocorriam estudos clínicos no país. Mas ele diz não ter havido resposta efetiva à época. Em dezembro, o laboratório já tinha quase 10 milhões de doses do imunizante.

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“Em julho também, quando houve essa primeira iniciativa (início do estudo clínico do imunizante), nós fizemos a primeira oferta de vacinas ao Ministério da Saúde. Eu mandei um ofício, no dia 30 de julho de 2020, em que ressaltamos a importância de tomar essa iniciativa num momento que ainda não se tinha vacina. Ofertamos, naquele momento, 60 milhões de doses, que poderiam ser entregues no último trimestre de 2020”, afirmou.

“Um pouquinho depois, como não houve aí uma resposta efetiva, nós reforçamos o ofício e, em agosto, nós solicitamos, além de reforçar o ofício, apoio financeiro ao ministério para apoiar o estudo clínico”, disse.

A previsão era de uma despesa de R$ 100 milhões com esta etapa do desenvolvimento do imunizante. De acordo com Covas, também foi solicitado apoio para a reforma de uma fábrica do Butantan, para auxiliar na terceira etapa prevista para o processo: a produção integral da vacina em território nacional.

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“Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva. Quer dizer, eles responderam, sim, que poderiam avaliar, que existia a necessidade de avaliar a situação epidemiológica do Brasil, e até foi feito um oferecimento de nós submetermos um pedido ao Procis [Programa de Investimento no Complexo Industrial da Saúde], um pedido de equipamentos ao Procis, não especificamente para uma fábrica de vacina para o Covid, mas para uma fábrica multipropósito”, declarou.

Covas contou que as negociações chegaram a avançar até uma sinalização do governo federal de que a vacina poderia ser incorporada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e que poderia haver apoio na construção da fábrica.

Uma nova oferta foi apresentada pelo Instituto Butantan em 7 de outubro, envolvendo a entrega de 100 milhões de doses, sendo 45 milhões até dezembro de 2020, 15 milhões até fevereiro de 2021 e 40 milhões até maio.

Segundo ele, as conversas chegaram a avançar para a possibilidade de edição de medida provisória visando o atendimento dos pleitos, mas acabaram congeladas após fala em sentido contrário do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Pelas redes sociais, Bolsonaro disse que a vacina não seria comprada. À imprensa, o mandatário insinuou que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tentou tirar proveito político da vacina e afirmou que mandou cancelar protocolo de intenções assinado pelo Ministério da Saúde.

“Tudo, aparentemente, estava indo muito bem, tanto é que, no dia 20 de outubro, eu fui convidado pelo então Ministro da Saúde, General Pazuello, para uma cerimônia no Ministério da Saúde. Ele até, na sua fala, disse: ‘Esta será a vacina do Brasil: a vacina do Butantan, a vacina do Brasil’. E anunciou, naquele momento, publicamente, com a presença de Governadores, de Parlamentares, que iria ser feita uma incorporação de 46 milhões de doses”, disse Covas na CPI.

“Saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas. No outro dia de manhã, existiriam conversações adicionais. Infelizmente, essas conversações não prosseguiram porque houve, sim, uma manifestação do Presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato incorporada, não haveria o progresso desse processo”, continuou.

“Óbvio que isso causa, sem dúvida nenhuma, uma frustração da nossa parte, mas, enfim, faz parte. Voltamos ao Butantan e continuamos o projeto. Quer dizer, isso não foi motivo para nós interrompermos o desenvolvimento da vacina, mas aí já com algumas dificuldades, ou seja, a inexistência de um contrato com o Ministério, que é o nosso único cliente, colocava, de fato, uma incerteza em termos de financiamento, e nós já tínhamos contratado a Sinovac, um impacto importante desse projeto”, complementou.

Segundo Covas, as falas de Bolsonaro fizeram com que o Instituto Butantan passasse a trabalhar com a hipótese de a Coronavac não ser incorporada ao PNI e a necessidade de buscar outras opções de contrato diretamente com estados e municípios ‒ o que seria um fato inédito para a história do órgão.

Um contrato com o governo federal foi firmado apenas em 7 de janeiro ‒ na avaliação do depoente, muito por conta de dificuldades enfrentadas pela administração na aquisição de imunizantes. Segundo ele, até o momento, não houve nenhum apoio financeiro federal para atividades do Butantan vinculadas à produção de vacinas contra o novo coronavírus.

“Estávamos trabalhando juntamente com todos os setores do ministério para, inclusive, encaminhar uma medida provisória para dar sustentação orçamentária aos nossos pleitos e, após o dia 20 de outubro, isso foi absolutamente interrompido, não houve progresso das tratativas. De fato, nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra feita no dia 19 não era mais válida, mas, na prática, não houve consequência. Quer dizer, a consequência foi o contrato no dia 7 de janeiro e, mesmo assim, uma consequência em detrimento, vamos dizer assim, de outras iniciativas que não deram certo”, disse.

As declarações de Dimas Covas contradizem depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello, que declarou à comissão que Bolsonaro nunca pediu que qualquer contrato com o Butantan fosse desfeito e nunca interferiu nas negociações ‒ embora tenha dado declarações públicas nesse sentido em outubro do ano passado.

“Nunca falou para que eu não comprasse um ai do Butantan. Ele falou publicamente. Para o ministério, para mim, nunca. Até porque não tinha comprado nada. Ele não me deu ordem para comprar nada. Uma postagem na internet não é uma ordem”, afirmou o general em oitiva na semana passada. A CPI já aprovou requerimento de convocação para um novo depoimento.

A demora na celebração de contrato junto ao Ministério da Saúde, diz Dimas Covas, fez com que a aquisição dos imunizantes ocorresse em outro contexto da disputa internacional por vacinas, o que reduziu o quantitativo que o Brasil poderia receber no curto prazo.

“O cronograma que nós tínhamos ofertado lá já não era mais possível de ser cumprido. Por quê? Porque os parceiros internacionais, a Sinovac, já tinham outros compromissos. O ambiente internacional era outro, de falta de vacinas. Portanto, era possível o fornecimento de 100 milhões de doses, mas num outro cronograma, não mais até maio. Nós já estávamos falando em agosto e setembro deste ano”, disse.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, disse que as informações dadas por Dimas Covas indicam que, sem contar outros imunizantes, o país já teria 50 milhões de pessoas imunizadas apenas com a Coronavac, se o governo federal tivesse agido.

O diretor do Instituto Butantan também fez referência a suposta demora da Anvisa em estabelecer uma regulação para uso emergencial de vacinas, que ocorreu apenas em dezembro, enquanto outros países já haviam adotado o procedimento no meio do ano passado. Segundo ele, isso também teria prejudicado a imunização de brasileiros.

“O mundo começou a vacinação no dia 8 de dezembro. No final de dezembro, o mundo tinha aplicado um pouco mais de 4 milhões de doses. Nós tínhamos, no Butantan, 5,5 milhões de doses prontas, mais 4 milhões em processamento, sem contato com o ministério. Poderíamos ter iniciado a vacinação antes do que começou? Nós já tínhamos as doses, estavam disponíveis, e eu, muitas vezes, declarei, de público, que o Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a começar a vacinação [excetuando a China], não fossem os percalços que tínhamos que enfrentar durante esse período, tanto do ponto de vista do contrato como do ponto de vista regulatório”, afirmou.

Questionado pelo relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), sobre os impactos de posições políticas por parte do presidente Jair Bolsonaro sobre a imunização da população, afirmou que o país poderia ter tido menos mortes provocadas pela doença.

“Hoje, infelizmente, nós temos a segunda posição no mundo em número de óbitos. Poderia ter sido amenizada? Poderia, sim. Obviamente que não é o único pilar, existem outros pilares, mas esse é um pilar que poderia ter começado um pouco antes, sem dúvida nenhuma”, disse.

As relações conflituosas mantidas pela gestão Bolsonaro com a China também foram criticadas pelo diretor do Instituto Butantan, que vê impactos sobre a distribuição de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para a produção das vacinas no país.

“Não precisa dizer que tem problema de relacionamento. Isso é senso comum. Quer dizer, cada declaração que ocorre aqui no Brasil repercute na imprensa da China. As pessoas da China têm grande orgulho da contribuição que a China dá ao mundo neste momento. Então, obviamente isso se reflete nas dificuldades burocráticas, que eram normalmente resolvidas em 15 dias, e hoje demoram mais de mês. Sentimos nós, e a Fiocruz também sentiu essa dificuldade. Então, negar isso não é possível”, afirmou.

Dimas Covas também narrou reunião que teve, ao lado dos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia), com o embaixador da China, Yang Wanming, para sustentar sua argumentação.

“O embaixador da China deixou isto muito claro naquele momento: que posições que são antagônicas, que desmerecem a China, causam, obviamente, inconformismo do lado chinês”, concluiu.

Agravamento

Dimas Covas também afirmou que há indícios de que estamos diante de um agravamento da pandemia de Covid-19, agora impulsionada por novas variantes. Para frear a terceira onda, aponta que é necessário combinar a vacinação com o uso das chamadas medidas não farmacológicas de proteção, como o uso de máscaras e o distanciamento físico. O especialista acredita que a tendência é a crise sanitária se estender até o início de 2022.

“Os primeiros meses deste ano mostraram a face mais agressiva dessa pandemia. E nós estamos agora em um momento em que tudo indica que teremos de novo um recrudescimento, e é um recrudescimento agora turbinado por algumas variantes que estão circulando entre nós. Então essa pandemia ainda vai persistir durante 2021. Ainda vamos lutar com ela em 2021, quiçá no começo de 2022”, disse.

Dimas Covas ponderou que ainda há “muitas pessoas suscetíveis no Brasil”, o que exige a adoção de medidas não farmacológicas. Ele criticou não haver uma coordenação central nessas ações.

“A vacina, neste momento, ajudaria muito, mas não resolveria o problema da epidemia. Ela não teria abortado a segunda onda e ela seguramente não vai abortar a terceira onda, porque nós temos ainda muitas pessoas suscetíveis no Brasil. Portanto, as outras medidas, as medidas que são chamadas de não farmacológicas, de enfrentamento à epidemia são fundamentais. Isso foi feito por todos os países do mundo civilizado que conseguiram o controle da epidemia. Alguns estados fizeram isso, mas de uma forma heterogênea; não houve uma coordenação central”, ressaltou.

Reforço

Dimas Covas informou que que estudos já estão sendo feitos sobre a necessidade de uma “terceira dose” de vacina contra o coronavírus. Segundo ele, seria uma dose de reforço anual, assim como ocorre com o imunizante contra a gripe.

“A dose de reforço será necessária para todas as vacinas. A própria Pfizer já está estudando uma dose de reforço. O Butantan já tem estudos previstos em andamento com a dose de reforço”, disse.

Ao ser questionado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre a morte do músico Nelson Sargento, figura histórica da Estação Primeira de Mangueira, por Covid-19, mesmo após ter recebido as duas doses da Coronavac, o diretor do Instituto Butantan respondeu que não há nenhuma vacina capaz de garantir proteção total e que vacina não é “escudo”.

“Nenhuma vacina, até este momento, tem demonstrado que protege contra a infecção. Ela protege contra as manifestações clínicas, principalmente as manifestações clínicas mais graves. A vacina não é uma proteção absoluta. A pessoa que se vacina está relativamente protegida, tem os fatores individuais que entram se ela eventualmente pegar a infecção, e esses fatores são preponderantes, inclusive, para determinação da gravidade”, argumentou.

Dimas Covas concordou com o senador Humberto Costa (PT-PE) ao rechaçar a tese da imunidade de rebanho (de permitir que a população se contamine com o coronavírus para que se crie uma imunidade natural). O diretor do Butantan afirmou que essa teoria já foi descartada por cientistas.

“Vou falar como médico, como especialista: a tese da imunidade de rebanho já foi descartada há muito tempo. No começo da pandemia, alguns países da Europa até chegaram a sugerir a possibilidade de ter a questão da imunidade de rebanho, mas, naquele momento, sabia-se muito pouco ainda do curso da própria epidemia”, pontuou.

Serrana

Estudos de vacinação em massa contra a Covid-19 em Serrana (SP), cidade com cerca de 45 mil habitantes, apontam que o município registra uma média de mortes causadas pela doença até quatro vezes menor que outros municípios com população de tamanho semelhante. O caso foi citado por Dimas Covas ao reforçar a necessidade de acelerar a vacinação. Segundo ele, foram vacinados 97% do público-alvo da cidade com as duas doses. O relatório final será divulgado em breve.

“Em toda a população vacinada isso vem caindo progressivamente, mostrando que o efeito da vacina, quando se vacina em massa, é de fato um efeito direto sobre a evolução da epidemia. Isso é o objetivo: enquanto não tiver essa vacinação de 97% das pessoas em risco, como foi o caso em Serrana, não vamos ter esse decréscimo natural da epidemia”, disse.

Questionado por Luis Carlos Heinze (PP-RS) sobre o “não reconhecimento” da Coronavac na Europa, Dimas Covas ponderou que o continente não usa essa vacina, o que não significa que não a “reconheça”. Covas espera que a Coronavac venha a ser reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e logo distribuída pelos membros da iniciativa Covax Facility.

ButanVac

Questionado pelo relator da CPI da Pandemia, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a vacina Butanvac, a primeira inteiramente produzida no Brasil, Covas disse que ela já está em produção e abrange novas variantes do vírus.

“É a vacina 2.0, já é a segunda geração de vacinas. Essa vacina é a grande esperança dos países pobres, porque ela tem baixo custo e é a segunda versão; ela já incorpora os conhecimentos científicos [obtidos] com a primeira geração de vacinas”, explicou.

Segundo o depoente, a Butanvac estará disponível no último trimestre deste ano, mas ainda não há tratativas com o Ministério da Saúde para a compra desse imunizante. De acordo com ele, o Butantan tem 6 milhões de doses em processo de produção e aguarda a aprovação da Anvisa para iniciar os estudos clínicos. A expectativa é produzir ao menos 40 milhões de doses até o final do ano.

(com Agência Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.